CLAM – ES

Trajetórias sexuais de mulheres

“Trajetórias afetivas e sexuais de mulheres: uma comparação geracional”

Andréa Moraes (pós-doutoranda)*

A idéia central do projeto “Trajetórias afetivas e sexuais de mulheres: uma comparação geracional” é poder trabalhar com a dimensão das escolhas individuais em uma perspectiva sociológica, ou seja, identificar o campo de possibilidades no interior do qual os sujeitos podem fazer suas escolhas. Colocar essas escolhas numa perspectiva temporal também nos auxilia a pensar sua dinâmica tanto do ponto de vista do indivíduo, ou seja, o que acontece ao longo de uma trajetória, quanto do ponto de vista histórico, ou seja, o que ocorre na passagem de um momento da vida em sociedade para o outro.

A pesquisa está centrada na coleta de relatos orais de mulheres sobre suas trajetórias sexuais e afetivas. Elaborei um roteiro de entrevista que conta com perguntas sobre: primeiro relacionamento amoroso, primeira experiência sexual, experiência sexual atual, parcerias sexuais ao longo da vida, práticas e grau de satisfação na vida sexual, uso de métodos contraceptivos, aborto e cuidados em relação às DST´s. As mulheres foram selecionadas para entrevista a partir de dois critérios centrais: idade e escolaridade. Foram escolhidas mulheres com idade entre 20 e 27 anos, 37 a 47 anos e de 60 a 70 anos e com ensino universitário completo ou incompleto. O fator educacional é um poderoso fator de distinção social, principalmente para a geração mais velha. A restrição das entrevistadas a esse perfil universitário é o que confere, apesar das diferenças entre elas, alguma unidade ao conjunto das entrevistas, necessária à comparação. Além desses dois critérios, houve uma preocupação em buscar mulheres com orientações sexuais diferenciadas, assim, para cada grupo etário procurou-se por trajetórias que incluíssem práticas sexuais com pessoas do mesmo sexo, práticas sexuais com pessoas do sexo oposto e trajetórias que incluíssem ambas as práticas. A idéia aqui é a de trabalhar com a diversidade sexual dentro de uma perspectiva de gênero, ou seja, pensar – se existe? E quando existe? E como é? – a relação entre exercícios da sexualidade entre mulheres e de mulheres e a construção de identidades de gênero feminino.

Nesse momento, a fase de entrevistas foi concluída e conto com 34 relatos ao todo. Em relação ao grupo etário mais velho, tenho um outro material que vou agregar a esse. São nove entrevistas de histórias de vida que fiz entre 2004 e 2005 com mulheres entre 60 e 70 anos, também com acesso ao ensino universitário. Nessas histórias a dimensão da vida afetiva e sexual também foi explorada. Nesse grupo de entrevistas existem duas mulheres que tiveram experiência sexual com mulheres.

Ainda há muito que fazer para o tratamento das entrevistas. Gostaria de tratar nessa palestra de uma dimensão específica dos relatos e fazer uma breve comparação entre eles. É ainda um exercício preliminar, mas creio que profícuo. Quando a entrevistadora apresenta a pesquisa diz tratar-se de uma investigação sobre “trajetórias afetivas e sexuais de mulheres”; temos duas esferas de sentido que ficam conectadas em alguma medida, a esfera dos sentimentos/afetos e a esfera das práticas/vivências sexuais. Nos relatos essas esferas se misturam e se afastam, num deslizamento incessante. Minha impressão inicial é que existe uma influência geracional nesses deslizamentos. Entretanto, não podemos atribuir exclusivamente à idade essa diferença. Quando falo em geração, o que tenho em mente é a relação entre ter uma determinada idade e partilhar de experiências comuns às pessoas daquela idade. Além disso, devemos levar em conta que conforme avançamos nos grupos etários/geracionais também vamos assistindo a uma mudança na maneira como as mulheres falam das experiências sexuais e dos afetos: o vocabulário muda, os cenários se transformam, a densidade das cenas ganha outro colorido. O exercício da sexualidade é uma prática que vai ganhando terreno na vida das mulheres, as mais jovens estariam no início desse processo. Mas, não quero dizer com isso que haja uma progressão linear, o processo não é de ampliação progressiva da dimensão da sexualidade na vida das pessoas, ao contrário, o movimento pode ser pendular com momentos de maior e menor valorização dessa esfera na vida das mulheres entrevistadas.

O ponto específico que eu gostaria de explorar hoje diz respeito ao uso de uma “linguagem” para descrever as experiências sexuais. Nesse sentido, identifico diferenças entre as gerações de mulheres.

Entre as mulheres jovens o que ganha expressão nos relatos sobre a vida sexual são os termos “intimidade” e “confiança”. Eles têm diferentes sentidos e ambos aparecem nos discursos femininos. A intimidade relaciona-se diretamente com o tempo, quanto mais longo o tempo, maior intimidade. A intimidade manifesta-se em dois sentidos: consigo mesmo e com o outro, intimidade significa conhecer mais e melhor seu próprio corpo e o que fazer na hora do sexo, a intimidade na relação significa que existe liberdade e perda de pudor entre o casal, a intimidade tornaria o desempenho sexual mais prazeroso. É algo que se conquista através da prática; é um aprendizado de si e sobre o outro, uma descoberta. Quando se alcança intimidade é sinal de que há um amadurecimento da pessoa e da relação. A confiança implica estabilidade da relação, o que significa dizer que deve haver pelo menos algum sinal do outro de que pretende dar alguma continuidade ao relacionamento. A estabilidade é medida pela reação do outro, daí a preocupação em saber se o outro não vai abandonar a relação se houver intercurso sexual e se a mulher não vai “ficar falada”. Há uma preocupação da mulher em não ter muitas relações sexuais com parceiros diferentes nem ceder sempre às investidas dos namorados, justamente para não ser acusada de “dar muita confiança”. As mulheres que usam a categoria “intimidade” não se preocupam tanto em controlar a quantidade de seus relacionamentos sexuais, ao contrário, a prática constante e variada é que leva à melhoria do sexo. O termo confiança só foi mencionado por mulheres com práticas exclusivamente heterossexuais. Já o termo intimidade aparece nos discursos de jovens com práticas tanto homo quanto heterossexuais. Um aspecto que considero bastante relevante é o fato de haver pouca referência ao amor e à paixão relacionados ao sexo. Num total de 12 relatos nessa faixa etária, somente duas mulheres utilizaram uma linguagem sentimental para se referir às suas experiências sexuais: uma delas disse que só transa porque ama o namorado e uma outra falou que o ideal para ela seria intimidade, estabilidade e paixão, mas ela acha que tudo isso junto, na verdade, não existe.

“Eu tenho a impressão que cada relacionamento tem um ponto forte. Não dá pra encontrar tudo numa pessoa só, sabe? Como é que eu vou encontrar um cara que seja parceiro, que seja companheiro, que goste de mim, me respeite, que eu goste dele, que seja bom de cama, que eu tenha tesão nele, que seja bem sucedido, seja um cara preocupado com futuro, interessado em constituir família, sabe? Não estou achando que eu vou encontrar essa pessoa perfeita. E Eu também não sou perfeita”.

No grupo intermediário, com idades entre 37 e 47 anos, a linguagem muda. Torna-se nítida a idéia de estabelecimento de um projeto no campo amoroso e sexual. O projeto é entendido aqui no sentido que Gilberto Velho empresta ao termo. É uma maneira de dar sentido a uma trajetória, de construir uma memória dos envolvimentos amorosos e sexuais e traçar expectativas futuras baseadas nessas experiências pregressas. Os relatos das histórias de envolvimento ganham mais intensidade e são vistos como contribuições à constituição da narradora como pessoa. Cada envolvimento é analisado do ponto de vista das contribuições que trouxe para a formação de si. O outro da relação também é avaliado e julgado. O campo das relações de amor sexual é valorizado pelas mulheres entrevistadas porque indica para elas e para os outros a possibilidade que elas têm de estabelecer relações com outras pessoas. É o status de “casada”, “separada”, “solteira”, “encalhada”, “namorada”, “caso” que confere um eixo para a mulher a partir do qual ela pode conceber um projeto no âmbito das relações afetivas e sexuais; um projeto que pode incluir a manutenção desse status ou sua modificação. O projeto pode se tornar público, dependendo do seu grau de aceitação social. As mulheres são julgadas como femininas se apresentam projetos afetivos e sexuais nos quais o envolvimento relacional esteja em foco. O significado da prática sexual nesse envolvimento relacional é variado.

No caso das mulheres casadas, o sexo é um elemento de manutenção da saúde da relação. Entre as mulheres heterossexuais, casadas, com filhos pequenos há uma queixa relativa à perda de qualidade das relações sexuais no casamento. Elas avaliam que a relação poderia estar melhor se elas e os respectivos parceiros investissem mais na qualidade da relação sexual. Mas, elas atribuem ao cansaço cotidiano e às exigências de ter filhos pequenos os obstáculos a esse investimento. Ressalto que elas evocam a necessidade de um comprometimento mútuo do casal na melhoria da qualidade da vida sexual. Elas não assumem a tarefa como algo exclusivo de um dos gêneros, ao estilo do “casal igualitário”, retratado na literatura antropológica sobre o casamento nas camadas médias. Um modelo de díade que tem como valor o apagamento das fronteiras de gênero no cotidiano das relações conjugais. Para essas mulheres, a relação sexual caiu numa rotina e não existe uma variedade de posições e carícias. A duração do ato também é considerada pequena se comparada com o início do casamento. A chegada dos filhos é um marco divisor da libido, as mulheres se queixam de que seu interesse por sexo diminuiu, que a excitação é menor, que não há mais privacidade para o casal. Conversam sobre o assunto com seus maridos, mas o casal não consegue tomar atitudes para “melhorar a relação”.

Entre as mulheres que estão casadas com mulheres, a necessidade de investimento no sexo também se exprimiu. O recurso a produtos eróticos foi explicitamente citado por uma das mulheres como tendo aberto mais possibilidades de exploração do prazer no casal:

“A gente gosta desses cremes, tem vários cremes que a gente usa. Tem uns vibradores. Nada assim, a gente nunca comprou nada em forma de pênis, não. É mais creme e uns brinquedos que eles fazem, dados, peninha, algema, essas coisas. A gente inventa muito, a gente fica olhando o que tem de diferente, de novo assim, a gente compra pra ver como é que é”.

Há uma sintonia entre o vínculo relacional e a boa qualidade da vida sexual no par de mulheres. O fato de ser uma relação estável, classificada como casamento, implica na existência de uma relação sexual considerada satisfatória. A relação pode até perdurar se o sexo não estiver bom, mas certamente não irá muito longe. Como disse uma das entrevistadas, “vira amizade; sexo bom é determinante”. Se virar amizade, abre-se uma porta para a possibilidade de traição e a possível substituição dessa relação por outra. Porque, segundo elas, se a mulher transa com outra, não é igual a homem, que “separa as coisas”, é porque algo “já está muito errado” na relação, é um sinal claro de que os sentimentos mudaram.

“As mulheres homossexuais são muito assim. Se alguém te interessa lá fora é porque a relação não ta legal, então você termina a relação, ou então às vezes nem termina. Que com mulher acontece muito isso, né? Você tem a relação, aí você se apaixona por outra pessoa, mas você não consegue acabar com aquela relação e aí a outra pessoa não é burra, ela vai começando a perceber que você muda, né? E aí a outra pessoa vai te encostando na parede, vai te encostando na parede, você vai dizendo que não, que ela ta delirando, e na verdade não é isso não, você ta realmente envolvida com outra pessoa aqui fora. Eu canso de ver isso, é impressionante! Aí a pessoa quando ela não tem mais saída é que ela abre o caminho. Eu acho que funciona assim: eu só vou terminar essa relação se eu souber que essa outra vai se manter. Ela não dá um tempo de terminar a relação, zerar aquilo, ficar sozinha pra tentar outra coisa. Não! Ela quer sair direto! Aí ela fica pulando, eu conheço um monte de gente que faz isso”.

As mulheres heterossexuais casadas têm um discurso bem semelhante quando perguntadas sobre fidelidade em relação aos seus maridos:

“Ah, se eu te disser que não tenho essa fantasia, eu estaria mentindo. Mas assim, eu tenho muito medo de encarar outra relação, eu acho que eu sou muito apaixonada, então se eu botar outra pessoa na minha vida é porque eu to apaixonada e se eu to a fim é porque eu to a fim, se eu to a fim é por que eu quero ficar com ele.”

A falta de investimento na vida sexual denota crise da relação. A crise não é medida exclusivamente pelo número de vezes em que se faz sexo na semana, mas pela qualidade do ato. No caso das mulheres, essa é uma preocupação básica: sentir vontade, se sentir estimulada é condição central. Segundo Michel Bozon (2004:49), essa centralidade da atividade sexual na manutenção do casal é um traço da vida conjugal contemporânea. “A sexualidade, que antes era um dos atributos do papel social do indivíduo casado, tornou-se uma experiência interpessoal indispensável à existência do casal, formando a linguagem básica do relacionamento”.

A experiência das mulheres entre 37 e 47 anos que se encontram sem uma parceria fixa é ilustrativa do lugar social que o relacionamento tem para a definição do feminino. Grande parte das narrativas nesse grupo de mulheres tentava dar conta dos nós que elas identificavam em suas trajetórias amorosas. A entrevista foi percebida como um momento quase terapêutico, de desabafo e de prestação de contas para consigo. A falta de uma parceria não é, entretanto, falta de sexo e é nessa dissociação que as falas femininas me interessaram propriamente.

O sexo sem vínculo é algo perturbador para a organização do gênero feminino. É uma experiência que embaralha os códigos esperados do gênero e sua ocorrência tradicionalmente enquadra a mulher em um pólo negativo do eixo feminino. Fazer sexo fortuitamente pode acontecer, mas existe uma demarcação das situações onde isso é cabível. As mulheres elaboram um discurso de justificativa, não isento de valores morais, para enquadrar a prática de sexo ocasional em suas vidas. Entre as mulheres casadas, como falamos antes, o sexo fora do casamento apresenta um grande potencial de ruptura da relação. Entre as mulheres que não se encontram com uma relação no momento, seja ela de casamento ou de namoro, a possibilidade de sexo eventual mantém seu caráter corruptor, não de uma relação, mas da própria capacidade relacional da mulher. É preciso deixar claro que as mulheres não negam nem a traição nem o sexo eventual, a possibilidade existe e sua ocorrência não é descartada. As mulheres casadas se referiram a flertes constantes e a traições esporádicas, mas sabem que estão lidando com uma zona de perigo. A ameaça não vem só da possibilidade do marido descobrir, mas também do abalo sentimental que uma traição pode provocar nelas. Entre as mulheres que estão sem relações no momento, o sexo eventual ocupa um lugar ainda mais presente e seu perigo está em “virar rotina”, ou seja, a mulher ter sexo freqüente, mas não ter uma companhia.

Duas situações encontradas na pesquisa são paradigmáticas: as mulheres solteiras e as mulheres separadas. Nesse caso, vou me restringir aos relatos de duas mulheres que não estavam saindo com ninguém na época da entrevista. Ressalto esses casos como emblemáticos porque revelam com clareza a situação que eu pretendo tratar, a mulher sem alguém como um obstáculo à classificação integral do gênero feminino, percebido socialmente como intrinsecamente relacional. Uma delas já estava há pelo menos dois anos sem se relacionar com alguém (o que não quer dizer sem ter relações sexuais) e a outra estava há três meses. Uma é solteira, nunca se casou nem morou junto, embora tenha tido namoros relativamente longos na juventude. A outra foi casada por 9 anos e estava separada do marido há 2 anos. Seu último relacionamento foi com um colega de trabalho, casado. Ela havia rompido a relação por não suportar o lugar de amante, eles ficaram 1 ano juntos. Segundo ela, era “terrível não ter os finais de semana com ele”. Nenhuma delas tem filhos e não planejam tê-los. A maternidade não foi apresentada como uma questão para essas mulheres, uma delas já havia feito aborto por iniciativa própria e por não desejar ser mãe. Esse aspecto é fundamental porque a necessidade delas em ter relação não está vinculada a uma expectativa de ser mãe ou “constituir família”, como apareceu em outras situações.

As duas mulheres têm pontos em comum: partilham uma rotina de trabalho bastante árdua, são financeiramente estáveis e independentes, moram sozinhas em apartamentos muito amplos e confortáveis. A vida profissional é enfatizada e apresentada com orgulho. Não são pessoas solitárias, ao contrário, a vida social e familiar é intensa e agradável, sem relatos de graves conflitos com parentes. Ambas circulam no meio artístico, embora trabalhem com linguagens diferentes, e tem funções administrativas importantes nesse circuito. Elas não se conhecem, mas fazem parte de um universo social muito semelhante. Em relação à vida afetivo-sexual, ambas disseram estar a procura de “alguém que queira estar com elas”.

O projeto amoroso é claro para as duas: encontrar um homem com quem ter uma relação estável. O afeto não é visto como necessário para o início da relação, embora ele deva se desenvolver ao longo do tempo. O passo inicial é identificar a disponibilidade de relacionamento no outro. O que mais incomoda no sexo ocasional para elas é a descontinuidade. Ele pode ser muito prazeroso, os relatos mais picantes envolviam homens com os quais não havia expectativa de relação duradoura, mas não indica que aquele encontro terá um futuro.

“Eu conheci ele numa festa, aí ele pegou meu telefone, a gente saiu. Um dia ele foi na minha casa e a gente começou a se encontrar sempre na minha casa. Só que assim, eu não saía com ele, eu não apresentava ele pra ninguém, eu não ia ao cinema com ele, eu não fazia nada com ele, era uma coisa pra mim especificamente sexual.”

Além da disponibilidade, o parceiro deve preencher alguns pré-requisitos: ser de um meio social similar, não ter uma diferença de idade considerada grande – isso vale quando a mulher é mais velha – são alguns aspectos considerados na avaliação do pretendente à par estável. Por outro lado, esses elementos podem ficar no plano do ideal. O determinante para elas é ser alguém que queira estar com elas. Mas, como identificar essa disponibilidade no homem? Onde achar homens disponíveis? Ou o que uma das entrevistadas chamou de “cara legal”:

“Eu tenho que resolver isso aí (estar sem parceiro) porque cara legal tem, só que ta muito difícil de achar. Cara legal tem, eu tenho certeza disso, absoluta. Só que cara legal não ta em botequim, duas horas da manhã, jogando conversa fora, não ta. É muito raro, entendeu? Mas existe”.

O “cara legal” é aquele que teria um vínculo estável. A imagem do bar na madrugada remete à figura do “homem caçador”, sem expectativas de envolvimento emocional, a representação tradicional da dicotomia homem x mulher no plano do envolvimento emocional. O pólo masculino resiste ao envolvimento e procura sexo e o pólo feminino procura envolvimento e resiste ao sexo. Nesse sentido, o “cara legal” não pode estar nos circuitos públicos de sociabilidade noturna. No discurso da depoente, ele está em algum lugar que ela não sabe onde fica. O “cara legal” deve ser “achado” pela mulher, é outro trabalho feminino.

O interessante é que elas não têm nenhuma dúvida sobre a sua própria disponibilidade para relacionamentos. Essa disposição relacional prescinde de justificativas e não precisa nem estar ancorada na pretensão de ter uma família conjugal com filhos. Essa motivação para relacionar-se não necessita de explicações, é tomada como auto-evidente. Na minha percepção, é um atributo do gênero feminino, naturalizado pelas próprias mulheres.

Não encontrei nesse grupo de entrevistadas nenhuma mulher homossexual que declarasse estar sem um relacionamento afetivo-sexual no momento da entrevista, todas estavam “casadas” e uma estava namorando. Além disso, existe um deslizamento, já apontado pela bibliografia, do relacionamento com vínculo sexual para a amizade entre mulheres, ou seja, para a manutenção de algum vínculo emocional mesmo que o sexo não desempenhe mais uma função aí.

No grupo das mais velhas parece haver uma diferença mais clara entre as mulheres com trajetória homo-bissexual e mulheres heterossexuais. Ainda não tenho clareza disso, é uma primeira impressão porque as entrevistas ainda estão em fase de transcrição. Essa diferença está na manutenção da vida sexual após os 60 anos de idade. As mulheres com experiência heterossexual exclusiva apontam para duas direções, ou seja, por um lado, falam que não se interessam mais pelo assunto e dão graças a Deus por terem “perdido o tesão”, por outro lado, acusam os homens de não quererem mais nada com elas e, por se sentirem rejeitadas, não tem mais interesse no sexo. É uma zona ambígua. O incentivo recente à manutenção da vida sexual na velhice é visto com estranhamento pelas mulheres idosas heterossexuais, principalmente para aquelas que se encontram sem parceiro. Entre as casadas, o sexo tem espaço, embora com menos freqüência do que tinha quando elas eram mais jovens. Assim, existe uma referência ao sexo como algo que vem sendo deslocado, jogado para as margens. Essas mulheres não assumem para si um projeto afetivo-sexual, isso não é algo esperado, como fazem as mulheres da geração anterior (o que não significa que será rejeitado se aparecer, um pouco de romance no horizonte sempre existe, mas para elas não é provável que aconteça). Elas se ocupam de outros investimentos afetivos, como o auxílio aos pais idosos e doentes, o cuidado dos netos e o trabalho. As mulheres homossexuais, por seu turno, afirmam que sua prática sexual vai muito bem. Tem sexo com freqüência com suas parceiras e afirmam sentir prazer e desejo sexual e que a relação sexual é importante para a manutenção do casal. Um outro dado interessante é que essas mulheres de 60 anos relacionam-se com mulheres bem mais jovens do que elas e algumas conheceram suas parceiras pela internet, coisa que também não foi muito mencionada nas demais gerações. São elas também que assumem uma imagem mais masculinizada de si, diferente das outras gerações onde existe uma variação dos estilos de apresentação de si, com predominância de atributos mais femininos.

Existem muitas comparações que ainda podem ser feitas intra e entre gerações. O material das entrevistas é bastante rico e diversificado. Nessa apresentação queria deixar registrado que a prática sexual ganha contornos bem distintos se analisamos por experiências geracionais. Dentro de cada geração também é possível perceber os pesos distintos que o “estado civil” e a orientação sexual das mulheres ocupam para suas práticas sexuais. Ainda cabe lembrar que meu estudo tem um recorte de classe específico, ao restringir o estudo às mulheres com ensino universitário essa dimensão de classe ganha relevância, mais claramente ainda na geração mais velha em que as mulheres que chegavam a universidade eram de uma minoria bastante privilegiada economicamente.

*Andrea Moraes Alves possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1991) , mestrado em Sociologia pela Sociedade Brasileira de Instrução – SBI/IUPERJ (1994) e doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002) . Atualmente é Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Antropologia , com ênfase em Antropologia Urbana. Atuando principalmente nos seguintes temas: velhice, cidade, gênero, sociabilidade.

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