Foi aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta-feira, 13 de agosto, o projeto de lei que amplia o prazo da licença-maternidade de quatro para seis meses para trabalhadoras do setor privado em troca de renúncia fiscal para as empresas que aderirem ao Programa Empresa Cidadã. É também facultativo ao setor público adotar tal medida (facultativo, mas não compulsório). Muitos acreditam que o projeto de lei significa um avanço para toda a sociedade, uma vez que a amamentação é determinante para o desenvolvimento físico e mental da criança, sobretudo nos primeiros meses de vida. Outros defendem a decisão lembrando que nos países escandinavos, por exemplo, a licença garante a remuneração da empregada até um ano. Ademais, homens e mulheres têm que compartilhar igualmente essa licença remunerada, que é compulsória, como no caso da Dinamarca. A decisão, no entanto, tem gerado polêmica e dividido opiniões. Principalmente no que diz respeito às comparações feitas entre a situação brasileira e a dos países escandinavos, que têm as políticas sociais mais bem sucedidas do mundo em termos de igualdade de gênero.
“Na Dinamarca e na Suécia, quando uma mulher tem uma criança, a mãe pode ficar até seis meses em casa, e o pai também. Ele tem direito a uma licença paternidade compulsória de igual período. Aqui a gente aumenta a responsabilidade das mães e não estende o período aos pais para que possam dividir esta responsabilidade com as mães, ou seja, para que o ônus possa ser dividido entre homens e mulheres”, avalia a pesquisadora Lena Lavinas, professora associada do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Por isso, Lena acredita que uma licença-maternidade ampliada mas restrita a alguns segmentos ocupados pode aumentar as diferenças no mercado de trabalho. “A lei da licença-maternidade ampliada parece avançada, mas não é. É enorme recuo na construção da cidadania. Temos um sistema extremamente desigual, que segrega formais e informais e penaliza as crianças cujas mães não tiveram a oportunidade de trabalhar em uma atividade protegida”, ressalta a pesquisadora, que trabalhou como analista em política social na Organização Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra, de 2000 a 2003.
A crítica da especialista é apoiada em evidências: apesar de a inserção das mulheres no mercado de trabalho vir crescendo no Brasil desde a década de 70 – atualmente elas representam mais de 40% da população economicamente ativa do país – as diferenças entre homens e mulheres persistem, tanto do ponto de vista da empregabilidade quanto da remuneração. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 49% da população feminina ocupada recebe até um salário mínimo e a taxa de atividade das mulheres permanece inferior à dos homens – 44,4% contra 67,8%.
“Metade das mulheres que trabalham está no setor informal, logo estas não têm direito à licença-maternidade e, portanto, não vão poder se beneficiar desta licença. Medidas isonômicas que contemplam apenas uma parte dos interessados não fazem sentido. Não há porque discriminar algumas mulheres em beneficio de outras”, questiona.
O projeto, que começou a tramitar em 2005 e acaba de ser sancionado pelo presidente da República, não tem caráter obrigatório e propõe a adesão voluntária de empresas, que poderão deduzir do Imposto de Renda 100% dos gastos com o salário integral pago às trabalhadoras neste período. De acordo com a norma, o direito à licença-maternidade deve ser requerido pela trabalhadora até o final do primeiro mês após o parto.
“Esse é um país que precisa de estrutura fiscal para poder construir creches, e não de desoneração fiscal. Não podemos nos equivocar em olhar para uma árvore e não olhar para a floresta. Precisamos de políticas públicas universais, pois o grande problema das mulheres não é ficar em casa, e sim ter equipamentos públicos de qualidade, como uma creche para deixar seus filhos com segurança. Não é uma lei que propõe manter as mulheres em casa que vai resolver esse problema social, especialmente em um país em que a participação do Estado na provisão de condições mínimas de sobrevivência e equiparação de oportunidades é insuficiente e deficiente, quando não inócua”, diz ela.
Em artigo na edição de 9 de junho do jornal Folha de São Paulo – intitulado “Cortina de fumaça” – Lena Lavinas apontou um outro problema da lei: “Às novas mamães que eventualmente venham a se beneficiar desse programa é vedado colocar os filhos em creche ou qualquer outro tipo de day care durante a vigência da licença-maternidade estendida, sob pena de incorrer em penalidades. Pouco importa o que vai se passar depois, quando a retomada do emprego não puder mais ser adiada ou flexibilizada, nem serão tolerados atrasos ou faltas para ajustar o cotidiano do bebê na creche – isso, claro, quando a vaga e os meios financeiros existirem. É bom lembrar que só 15% das crianças brasileiras com menos de quatro anos têm acesso a creches”, assinalou a pesquisadora.