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Educación: ¿Adónde nos dirigimos?

por Washington Castilhos

colaborou Pablo Ribeiro

Recentes iniciativas – como os formulários de “notificação extrajudicial contra o ensino de ‘ideologia de gênero’ nas escolas” – têm colocado a Educação como foco de uma intensa disputa política, a partir de campanhas que buscam restaurar, de modo oportunista, uma ordem conservadora que evoca a antiga hegemonia eclesial sobre a educação formal. Esta mobilização tem atingido as Diretrizes Básicas da educação nacional e até a autonomia universitária, através de medidas como Projeto de Lei aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas que institui o “Programa Escola Livre” ou a recomendação do Ministério Público de Goiás (MPF/GO) de que a Universidade se abstenha de promover ou participar de atividades cujo tema se relacione ao debate político.

Primeiro gestor à frente da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD, atual SECADI) do Ministério da Educação, criada ainda nos primeiros anos do governo Lula, o pesquisador André Lázaro acredita que, apesar de a Educação estar sendo fortemente disputada por setores conservadores, quem ainda está na hegemonia é o campo democrático. Para ele, a organização da sociedade é o melhor caminho para frear iniciativas como o Programa Escola sem Partido ou a tentativa de se proibir o ensino de gênero nas escolas. Nesta entrevista, o professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Coordenador Acadêmico da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) fala de como o gênero se constituiu enquanto agenda no âmbito da Educação, das especificidades da conjuntura política que favoreceu a criação da SECADI e do contexto de proposições conservadoras na atualidade. “Essa reação conservadora está sendo enfrentada e será detida de alguma maneira”, afirma.

Há atualmente um esforço de alguns setores de barrar o ensino de gênero e a liberdade de expressão no campo da Educação. No processo de criação da SECADI, havia uma demanda prévia para que a agenda do gênero fosse incorporada pelo Ministério da Educação? 

A agenda de gênero já estava na Educação com debates muito amplos e ao mesmo tempo difusos. Quando foi instituída durante o primeiro mandato do presidente Lula, a SECAD primeiramente focou em uma agenda em desigualdades sociais: as populações do campo, a população atendida pelo bolsa família, a população de baixa escolaridade e jovens e adultos, analfabetos, analfabetos funcionais… A princípio, ela foca o olhar no enfrentamento das desigualdades educacionais. A agenda de gênero chega ao MEC mais pelo movimento LGBT do que pelo movimento das mulheres. Porque as mulheres já tinham a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, criada em 2003 no primeiro governo Lula, e que em 2004 realizou a I Conferência Nacional de Política para Mulheres. E dessa conferência saiu um plano de trabalho e de ação das políticas públicas, em que havia um capítulo sobre Educação. 

A agenda LGBT, por sua vez, não estava assumida dentro do MEC quando chegamos ao Ministério. Ao chegar, uma das primeiras tarefas que me coube foi o Brasil Sem Homofobia e quais seriam as iniciativas do MEC com relação a esse Programa. E, por pressão do movimento LGBT, saiu o documento “Brasil Sem Homofobia”. A ideia da educação como reprodutora de valores sinalizava que o segmento precisava ter essa entrada no Ministério da Educação. E a gente então criou uma comissão nacional do movimento social, que anualmente se reunia com o ministro. Interessante lembrar que a portaria que nomeava a Comissão já reconhecia o nome social de seus membros. Depois desse grupo saiu uma diretriz para adoção do nome social. Se não me engano, o primeiro estado a adotá-la foi o Pará, onde a Ana Júlia era a governadora e tinha uma chefe de gabinete trans. 

Podemos assim dizer que a agenda do gênero foi incorporada pelo MEC por dois caminhos: um pela pressão oriunda da conferência de mulheres, institucionalizada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, e outro pela pressão do movimento LGBT pela criação da agenda específica do segmento. Então o gênero, a rigor, lidava com essas duas agendas com níveis e demandas distintas: a agenda de mulheres e a agenda de gênero para LGBT. Eram duas agendas que não necessariamente eram as mesmas. A agenda das mulheres tinha uma autonomia, pois tratava de coisas diferentes, como a questão do desequilíbrio da representação feminina entra os cursos. Então o MEC, em cooperação com a Secretaria das Mulheres, participava de um concurso de redação sobre gênero no ensino médio ou de um concurso de redação para trabalhos na pós-graduação sobre gênero…

Mas não há duvida de que a agenda de gênero e orientação sexual chega na Educação mais fortemente através do movimento LGBT, e com várias demandas. Uma delas foi a produção de material específico escolar sobre isso. A resposta a essa demanda, que o ministro Fernando Haddad deu pessoalmente em uma reunião com a Comissão Nacional, foi perguntar em qual país do mundo existia política em educação que tratasse corretamente a questão de gênero. O movimento LGBT apontou a Espanha, então o ministro mandou providenciar uma ida à Espanha da delegação brasileira LGBT para conhecer o trabalho na Educação daquele país sobre diversidade sexual. Então, organizamos a ida à Espanha de uma comissão composta por uma pessoa gay, uma pessoa lésbica, uma pessoa trans, um professor universitário da Universidade Federal de Ouro Preto. E visitamos as instituições espanholas que trabalhavam com essa agenda.

A partir daí, passamos a tratar esse assunto frequentemente nas reuniões com o ministro e com outras áreas, e políticas como o GDE (Gênero e Diversidade na Escola)  foram desenvolvidas. Em parceria com o MEC, um número grande de universidades aderiu ao GDE desde o início.

O senhor lembrou que a entrada da agenda de gênero na Educação se deu mais fortemente através do movimento LGBT, enquanto as demandas de gênero por parte do movimento feminista estavam instituídas na SPM (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres). Entretanto, gênero originalmente é uma categoria que não se referia à homossexualidade, mas foi concebida para discutir as assimetrias entre homens e mulheres. Houve um tempo, inclusive, em que gênero parecia ser praticamente sinônimo de mulher. Até que os estudos de gênero passaram a incluir as identidades de gênero. E hoje em dia, quando os opositores da abordagem do gênero na Educação o colocam como uma “ideologia”, eles têm claramente como alvo as pessoas homossexuais quando dizem que, com o ensino de gênero, “está se querendo mudar o sexo de, ou ‘desvirtuar’, nossas crianças”. Como o senhor avalia a tentativa de interdição da abordagem do gênero na Educação?

Eles se referem a gênero para dizer que gênero pretende sobrepor-se a uma oposição natural homem-mulher, abrindo assim espaço para duas coisas que eles não gostam: a igualdade entre homens e mulheres e a transitoriedade entre gêneros. Mas não é só esta última que os perturba. Há também a questão da subordinação feminina posta em risco. Eu acho que essas coisas se combinam para estigmatizar uma situação antinatural. Antinatural da mobilidade da identidade sexual e antinatural da mulher querer ser igual ao homem.

O termo gênero foi demonizado por que descola de uma suposta naturalidade da divisão sexual, de uma ordem sexual. Houve uma estratégia, estudada e pensada, no sentido de desenhar um foco de ataque que é o termo gênero, e de fazer uma leitura desse termo no sentido de uma “ideologia” para dizer que gênero não existe, mas que está sendo criado para esconder uma verdade e a verdade é o que é natural, normal. Então eu acho que o termo gênero, embora se refira no debate atual à exclusão sexual, ele traz no seu bojo também uma questão importante do lugar da mulher. É como se ele resolvesse dois problemas ao mesmo tempo contra uma ideia de uma ordem natural. Então, para os opositores conservadores, quando se fala de gênero se está tentando sobrepor uma ordem natural a uma ordem ideológica. E essa ordem natural não é apenas homem e mulher, mas é uma qualidade, uma relação assimétrica e hierarquizada, uma relação de subordinação entre homem e mulher. O problema é que o governo Dilma recuou enormemente na agenda de desconstrução dessa ideia.

O senhor acredita que foi a partir desse recuo que os setores conservadores conseguiram essa maior entrada no campo da Educação?

Sim, claro. Eu lembro até hoje o deputado Anthony Garotinho nos jornais dizendo “Ou o MEC suspende o Kit Homofobia ou convocamos o ministro Palocci para dar explicações dos restos de campanha”. Era uma chantagem política sem pudor algum. Se o outro roubou, ele tem de ser chamado, e o Kit homofobia não tem nada a ver com isso. Então impuseram essa chantagem à Dilma no primeiro momento em que ela assumiu. O material foi então vetado. Mas a agenda da luta não se perdeu porque o veto causou muita revolta, a ponto de a UNESCO colocar o material no ar e a revista Abril disponibilizá-lo para todo mundo…

Então, as forças conservadoras começam a tomar espaço no momento em que o governo cedeu a essa pressão?

Estamos vivendo agora esse Congresso Nacional absurdamente conservador e isso começou em 2010, ou talvez até antes. Mas como as igrejas conservadoras se articularam para as eleições de 2010 é algo que nós ainda não sabemos. Isso nós precisamos aprender melhor, eu não sei como foi. Essa legislatura que começa em 2010 e vai até 2014 aprova o Plano Nacional de Educação, mas tira gênero e veta o Kit Anti-Homofobia.

A atual legislatura é mais conservadora que a anterior. Então tínhamos que entender melhor como ela se organizou, e ela tem uma forma de organização por dentro da vida religiosa que eu gostaria de compreender mais. Os primeiros a entrar, sentar, se aboletar e servir à mesa foram os católicos. Não se pode ignorar que a tradição da educação brasileira é tributária da iniciativa dos jesuítas, dos franciscanos, dos inacianos… Haja vista que hoje as principais escolas privadas do Rio de Janeiro são religiosas, principalmente católicas. Então eles estão sentados à mesa desde 1560. Quando vem o movimento da laicidade, ela enfrenta muita resistência. O Manifesto de 1932 que propunha educação laica, gratuita e pública enfrentou muita resistência dos setores religiosos. A partir de um certo momento as correntes protestantes passaram a exigir equiparação de condições com a corrente católica. Reclamavam que o passaporte especial seja dado a um bispo de uma igreja protestante, mas isso é só o equivalente do que tem a igreja católica. Se o Estado é laico ele não pode ter preferência por religiões, ele tem de considerar todas. Assim, as prerrogativas dos católicos foram sendo cobradas pelos outros movimentos religiosos.

O uso político desses valores passou a se dar em um outro momento. A partir do momento que políticos como Eduardo Cunha, Silas Malafaia e essa turma toda se deram conta de que a identidade religiosa tinha potência para gerar uma representação política. Não sei quando se deu esse momento, porque durante o período ditatorial brasileiro as correntes protestantes eram fortemente engajadas na luta contra a ditadura. Assim como boa parte do seguimento católico. Então naquele momento você não tem uma reivindicação de religiosidade no sentido de cercear direito, pelo contrário, são valores pelo direito. Eu acho que houve uma transição do final dos anos 90 ao início do século XXI, que talvez tenha a ver com a radicalização da modernidade. Talvez o impacto da modernidade tenha gerado a defensiva da qual a religião se nutre, a ponto de ela começar a eleger alguns termos aos quais vai defender, como a família.

E assim eles foram conquistando espaços. A presidente Dilma cometeu um erro grave ao ceder à pressão da visão moral/religiosa. O Lula ainda conseguiu não cometer o erro de ficar refém dessa visão, embora não tenha levado adiante a questão do aborto, que deveria ter levado. É uma dívida que o Lula tinha com o movimento social que o apoiava, mas ele não conseguiu levar adiante essa agenda.

E que rumos o senhor vê a partir daí? Para onde vamos daqui?

Apesar disso tudo, quem ainda está na hegemonia é o campo democrático. Os conservadores estão no campo da defensiva, de tentar impedir que o campo democrático mantenha sua hegemonia. Eu não concordo com a ideia de que eles estejam mandando no jogo no campo da Educação. Eles estão tentando ganhar espaço e, de fato, estão conquistando alguns espaços importantes. O Programa Escola sem Partido e a questão de gênero são um exemplo disso, mas vai haver resistência… Um exemplo é a nota do Conselho Nacional de Educação que afirma não haver cabimento que se exclua o tema de gênero dos Planos de Educação, que isso está na Constituição Brasileira e é um direito de todos. Então eles não estão hegemônicos ainda, estão minoritários e usando ardis dos mais malucos, como a leitura errônea e deliberada da ideologia de gênero. É um ardil. Estão acionando o Parlamento, mas não têm o predomínio no campo da Cultura. A meu ver essa disputa está começando, ainda vai se desdobrar em várias etapas.

Na política esse campo é minoritário, ele está acuado, mas na sociedade ainda não. Claro, o Brasil tem mais de 200 milhões de pessoas, e se hoje houvesse uma enquete talvez passasse a pena de morte, a redução da maioridade penal e um monte de coisas absurdas. Mas isso não é algo que seja fruto de um debate ou de uma argumentação, ele é fruto de um pânico deliberado e a partir deste pânico constrói-se uma resposta conservadora, reativa e defensiva. Eles estão nessa etapa. Têm de gerar o pânico para ganhar espaço. Já o campo que nós representamos trabalha a partir da ideia dos direitos. Então eu acho que vivemos uma disputa que terá desdobramentos.

Como se monta uma resistência a esses pânicos?

Eu estou muito bem impressionado com o movimento feminista. Ele ganhou características muito interessantes. Coletivos jovens, formas inovadoras de luta, uma percepção da questão do corpo como acho que não se tinha antes, de liberdade e direito… Em um certo segmento urbano, de classe média e bem informado, o movimento feminista tem tido uma presença muito importante.

Nas periferias urbanas, ainda não majoritário, mas com presença significativa, há o movimento negro e o movimento de mulheres negras. Há um conjunto de movimentos sociais que não aceitam agendas que tolhem direitos. Antigamente havia um comentário de um preconceito do movimento negro contra o LGBT e vice-versa, mas eu tenho visto pelos lugares em que passo que isso não está acontecendo. As novas gerações não se polarizam.

Como desmontar esse pânico que eles estão criando através de uma conceptualização tergiversada de uma categoria tão crucial como gênero?

Eu acho que não tem uma saída. Há muitas saídas. E a organização da sociedade é o melhor caminho, pois passamos a criar condição de interlocução qualificada. O exemplo da Cultura é interessante. O governo Temer fechou o Ministério da Cultura e a frente que se formou para defender o MinC foi muito grande, e deflagrou movimentos como “Fora Temer” e “Volta MinC”. Devido a essa pressão, o governo recuou e a Cultura voltou a ocupar o status de ministério, e o movimento “Volta MinC” acabou, mas não o “Fora Temer”. E a luta das mulheres contra o Eduardo Cunha também continuou, não parou.

A minha perspectiva hoje é otimista no sentido do espraiamento das lutas. Elas se espraiam por diferentes esferas do cotidiano, e nesse sentido eu acho que pode significar o que a gente sempre quis e nunca conseguimos, que foi uma sociedade respeitosa às diferenças. Talvez tenhamos conseguido nos dois governos Lula um Estado mais interessado nas diferenças, que considera as diferenças. Mas não suficientemente: a questão indígena continua sendo muito mal encaminhada, a violência contra as pessoas negras continua, a violência contra LGBT continua, a desqualificação e o feminicídio continuam. Mas a visibilidade que isso ganhou a meu ver foi muito grande.

A violência contra a mulher sempre aconteceu, mas aí vem a Lei Maria da Penha. A escravidão doméstica sempre houve e daí vem uma lei do trabalho doméstico. Enfim, o Estado começa a se dar conta de que a diversidade é um desafio para que o Estado se reorganize em defesa de direitos. E a sociedade nem sempre acompanha isso. Pode ser que esse novo enfrentamento que estamos vivendo, onde os conservadores ocupam espaço maior e mais visível no debate público, seja também o momento que muitos de nós nos sintamos mais afetados por isso e reajamos de outras maneiras, e então essas lutas se espraiem para outros territórios. Pode ser um momento de disputa interessante, doloroso, mas ainda assim interessante. Minha visão é otimista no sentido de reconhecer muitas formas de luta, e de achar, portanto, que essa reação conservadora está sendo enfrentada e será detida de alguma maneira.

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