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“Mucho por deshacer”

O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, prometeu fazer com que o Senado ratifique tratados internacionais como a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. A Cedaw, que nunca chegou a ser discutida no Senado norte-americano, foi aprovada em 1979 pela Assembléia Geral da ONU e assinada pelo então presidente Carter em 1980. O compromisso de Obama pode ser encarado por muitos como um sinal de mudança na política relativa aos direitos sexuais e reprodutivos nos Estados Unidos. No entanto, especialistas questionam se a vitória de Obama realmente significa uma mudança fundamental na chamada “guerra cultural” em torno de questões morais.

Para o antropólogo Richard Parker, professor da Mailman School of Public Health (Columbia University), em princípio, a vitória de Obama é uma grande conquista na luta pela igualdade racial, pelo fato de ele ser o primeiro presidente negro da história americana. “Mas temos que esperar para ver quais serão as implicações desta vitória sobre os direitos sexuais e reprodutivos. Precisamos continuar trabalhando no sentido de assegurar que esta vitória se traduza em uma nova era e que deixe para trás a tragédia de oito anos de governo da administração Bush”, diz ele.

Na entrevista a seguir, Parker fala dos resultados da eleição para presidente e dos plebiscitos realizados em níveis estaduais, analisa o longo período de conservadorismo moral e extremismo religiosos, o que precisa ser feito (e desfeito) daqui pra frente e o fato de, apesar da vitória de Obama, o fato de os eleitores da Califórnia terem votado contra o casamento gay naquele estado.

O que a vitória de Barack Obama representa?

A vitória de Obama foi um feito extraordinário, singular, e que ajudou a restaurar a confiança de muitos americanos em seu próprio país. Levará ainda algum tempo até que possamos compreender totalmente o que esta vitória significa. Parece claro que o principal fator que influenciou a vitória de Obama nas eleições foi a crise financeira, ocorrida nos meses de setembro e outubro. Sua vitória não foi o resultado de uma mudança nas chamadas “guerras culturais” em torno de questões morais. Pelo contrário, a proposição proibindo o casamento gay na Califórnia passou, mesmo no contexto da significante vitória de Obama. À luz disso, embora a vitória de Obama seja uma grande conquista na luta pela igualdade racial, e possa sinalizar uma mudança na política doméstica e internacional por parte dos Estados Unidos, teremos que esperar para ver quais serão suas implicações em relação a questões ligadas aos direitos sexuais e reprodutivos. Eu acredito que, no tocante a esses temas, o presidente eleito Barack Obama esteja do lado certo, e que a significante maioria que seu partido representa no Congresso possa ser traduzida em políticas mais progressistas em relação a tais questões. Mas precisamos continuar a trabalhar no sentido de assegurar que a vitória eleitoral se traduzida em uma nova era, capaz de deixar no passado a tragédia de oito anos de governo de George W. Bush.

Depois de oito anos de conservadorismo, como o sr. avalia o cenário atual?

O longo período de conservadorismo e extremismo religiosos nos deixou uma terrível legado, o qual levará tempo para ser superado. Por exemplo, dentro dos Estados Unidos, nunca vimos acordos políticos fixarem-se tão profundamente na máquina governamental e no serviço público. Mesmo em agências como a NIH (National Institutes of Health) e o CDC (Centers for Diseases Control), que desempenham papel importante em relação à saúde sexual, foram feitos acordos politicamente motivados por uma agenda conservadora. Internacionalmente, temos assistido, como nunca antes, o impacto das políticas conservadoras do governo americano sobre uma variedade de questões, como HIV/AIDS, educação sexual, direitos reprodutivos, tráfico sexual e uma série de outras áreas. A USAID (Agência para o Desenvolvimento Internacional) tem sido usada para agendas conservadoras de maneiras nunca antes imaginadas, nem mesmo durante os tempos da era Reagan. Há muito a ser desfeito pela nova administração antes que esta possa desenvolver novas iniciativas nessas áreas. A maioria democrata no Congresso e a liderança de Obama são fatores que podem oferecer a possibilidade de um retorno à colaboração entre os Estados Unidos e governos mais progressistas. Espero que possamos ver o fim de qualquer tipo de aliança que liga o governo dos Estados Unidos aos Estados Islâmicos conservadores, assim como ao Vaticano. Ainda é cedo para prever o que irá acontecer, mas existe um considerável otimismo para que voltemos a andar para frente nessa área e a colher frutos, e não continuar tentando evitar perder o que conquistamos no passado.

Quais são as expectativas em relação aos direitos sexuais e reprodutivos?

A administração Bush conseguiu fazer com que perdêssemos muitas coisas que havíamos conquistado no passado, e por conta disso teremos que perder mais tempo do que desejávamos tentando desfazer o que esse governo implementou. Mas as chances são boas, especialmente no que diz respeito à Suprema Corte, onde alguns anos mais de uma administração Republicana poderiam ser trágicos.

Ao mesmo tempo em que Obama era eleito, o casamento gay era rejeitado em plebiscito na Califórnia. Devemos entender isto como resultado dos oito anos passados?

Este resultado mostra o quanto esta eleição foi marcada por questões econômicas e pelo medo da bancarrota financeira que parece ter tomado conta dos Estados Unidos e do resto do mundo. O fato de Obama ganhar tão facilmente na Califórnia e esses mesmos eleitores terem votado pela proposição que proibia o casamento gay naquele estado é um sinal de que algo estranho está acontecendo em relação às questões morais. Análises sugerem que muitas minorias étnicas – como os Afro-americanos (particularmente as mulheres Afro-americanas, que são em maior número do que os homens) e também os latinos – votaram em Obama por razões raciais e étnicas, mas votaram contra o casamento gay, o aborto e outras questões morais devido a seus valores culturais mais conservadores. O envolvimento das minorias étnicas – especialmente mulheres – em organizações religiosas também foi um importante fator para este resultado, embora essa análise ainda seja precoce. Penso que o movimento LGBT americano precisa repensar estratégias para desenvolver uma abordagem diferente para esse grupo de eleitores.

E como o sr. definiria a posição do americano médio – especialmente o que vive nas áreas mais conservadoras do país – em relação a temas como aborto e casamento gay?

Parece claro que os Estados Unidos continuam a ser um país dividido quando tocamos nessas questões. Tentar construir pontes entre os fragmentados movimentos sociais – como o feminista e o movimento de gays e lésbicas – ainda é um desafio, mas somente assim estes poderão criar coalizões e alianças e se confrontar com a máquina política conservadora que os grupos de extrema direita criaram na última década. As forças conservadoras tem sido eficientes em suas campanhas contra o aborto e os direitos civis de gays e lésbicas. Infelizmente, não podemos dizer a mesma coisa dos movimentos progressistas – temos sido menos eficientes do que nossos opositores. Esta eleição sinaliza a necessidade da construção de alianças tanto dentro dos Estados Unidos quanto internacionalmente.

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