CLAM – ES

Diálogos possíveis

Baseado em seminário ocorrido no Rio de Janeiro entre os dias 1 e 2 de outubro de 2003, o livro “Religião e Sexualidade: convicções e responsabilidades” é, nas palavras de seu organizador, o antropólogo Emerson Giumbelli, “um mosaico de posições possíveis sobre a relação entre religião e sexualidade”. A publicação, que acaba de ser lançada pelo CLAM e pela Editora Garamond, reproduz as exposições e os debates em sua forma original, preservando a autoria das intervenções de palestrantes e debatedores e as intervenções do público presente ao evento.

O livro mostra como importantes bandeiras da luta pelos direitos sexuais, como a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o direito ao aborto, são contempladas por certas crenças religiosas. “Algumas dessas posições são claramente antagônicas e inconciliáveis”, lembra Giumbelli.

Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há anos o pesquisador vem estudando as relações entre sociedade e religião no quadro da modernidade. “É inútil negar a presença da religião no modo como as pessoas lidam com o exercício da sexualidade”, afirma ele nesta entrevista.

Antes de tornar-se professor do Departamento de Antropologia Cultural da UFRJ, onde trabalha atualmente, Giumbelli foi pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER), instituição parceira do CLAM na realização do seminário do qual o livro se origina.

Seu objeto de estudo são as controvérsias em torno dos chamados novos movimentos religiosos, como a Igreja Universal do reino de Deus (no Brasil) e algumas seitas na França. No seminário, do qual o livro resultou, chama atenção uma candente controvérsia em torno da cura da homossexualidade, proposta por certos grupos religiosos. Como o sr. analisa essa controvérsia?

Toda controvérsia, embora passageira, revela aspectos mais gerais da sociedade onde ocorre. No caso da controvérsia sobre a cura da homossexualidade, estão presentes questões sobre interpretação e uso da Bíblia, a relação entre religião e campos profissionais, a aplicação de princípios que envolvem a liberdade de escolha e a luta contra discriminações sociais, etc. Parece haver um paralelismo entre, de um lado, o avanço de reivindicações no campo dos direitos sexuais e, de outro, a maior preocupação com os pecados sexuais entre religiosos. Nesse sentido, ambos apontam para transformações importantes na sociedade brasileira. O melhor que se pode esperar dessa controvérsia é que ela contribua para consolidar o pluralismo da sociedade civil sem alimentar as bases que sustentam preconceitos disseminados.

Recentemente, o sr. também organizou um livro sobre ensino religioso no Rio de Janeiro, juntamente com Sandra de Sá Carneiro, chamado Ensino Religioso no Estado do Rio de Janeiro – registros e controvérsias. (Comunicações do ISER). Qual a interpretação que faz da questão?

Tal como algumas questões incluídas na agenda dos direitos sexuais, o ensino religioso envolve a relação entre religião e espaço público. No Estado do Rio de Janeiro, definiu-se o modelo confessional, segundo o qual a disciplina de ensino religioso é oferecida dividida em confissões diferentes (católica, evangélica, outras). É preciso reabrir o debate. A religião deve ou precisa estar presente na escola? Sob que forma? Como proporcionar garantias efetivas ao pluralismo? De todo modo, o tema do ensino religioso é mais uma das esferas em que se percebe o redimensionamento da diversidade no campo religioso e o modo como este se articula com deliberações estatais.

O Seminário que resultou no livro “Religião e Sexualidade” propunha diálogos entre distintos atores sociais (acadêmicos, ativistas e religiosos) sobre seus posicionamentos em torno do tema sexualidade. Qual seria o papel de acadêmicos nas tentativas de diálogos entre religiosos e movimentos sociais, proposta do Seminário? E qual a importância dos ativistas nesse processo?

Os ativistas são pessoas e organizações diretamente envolvidas na produção de certas realidades sociais. Algumas dessas pessoas também são acadêmicos. Em seu papel próprio, porém, cabe aos acadêmicos contribuir pela produção de reflexões que apontem para questões e dimensões que podem passar desapercebidas em outros planos. Essas reflexões podem, através dos ativistas, ser incorporadas às lutas sociais. Esse processo é inesgotável.

Na sua opinião, quais os limites de interferência da religião nas esferas pública e política no que se refere ao exercício da sexualidade e à conquista dos direitos sexuais? Qual o papel (e a importância?) da Religião em relação à sexualidade e a discussões em torno dos direitos sexuais e reprodutivos?

É inútil negar a presença da religião no modo como as pessoas lidam com o exercício da sexualidade. Essa presença, no entanto, é complexa e não deriva apenas da interferência de instituições religiosas. Assim, um primeiro ponto envolve a compreensão adequada da relação entre sexualidade, religião e fontes de orientação. Quanto ao debate social, excluir por principio as posições e organizações religiosas não parece ser o melhor caminho. O mais importante é encontrar um modo de definir as questões (estatuto legal do aborto, parceria civil, etc.) que obrigue a todos os participantes a argumentar em termos mais amplos que os seus fundamentos próprios.

A proposta do livro é mostrar como diferentes religiões lidam com o tema da sexualidade na sociedade contemporânea. Como foi organizar este livro, que traz transcritos debates e discussões acontecidas durante um Seminário? Em sua opinião, qual a importância desta publicação?

Optamos por respeitar o estilo e a forma das apresentações originais, preservando a autoria das intervenções de palestrantes e debatedores. Avaliamos ser fundamental a publicação também das intervenções do público que participou do evento. O resultado é um mosaico de posições possíveis sobre a relação entre religião e sexualidade, pensada em vários planos, contemplando questões polêmicas como homossexualidade e aborto. Algumas dessas posições são claramente antagônicas e inconciliáveis. O objetivo do evento não era chegar a consensos, mas retratar parte da realidade social e provocar um espaço para o debate entre posicionamentos e experiências. O livro pretende amplificar os objetivos do evento tendo em vista um público mais amplo e também oferecer material sistematizado para reflexões mais aprofundadas sobre os temas enfocados.

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