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O estigma das feministas

É muito difícil saber como os estereótipos emergem na sociedade, embora seja muito fácil perceber os efeitos, muitas vezes, devastadores que eles provocam. Os estereótipos são generalizações simplistas sobre um grupo de indivíduos que levam as pessoas a percebê-lo e tratá-lo de acordo com preconceitos injustificáveis.

A reunião preparatória da 1 Conferência Mundial da Mulher na Cidade do México, realizada na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em 1975, é considerada o marco inaugural de uma onda longa de mobilizações que produziram importantes mudanças nas relações entre homens e mulheres na sociedade brasileira. Neste ano estamos, pois, comemorando 30 anos do movimento feminista no país e ainda é notável a grande resistência das pessoas em se declararem feministas, mesmo quando abraçam todas as bandeiras que as feministas lançaram desde os anos 70: salário igual para trabalho igual, livre acesso à contracepção, descriminalização do aborto, igualdade entre homens e mulheres na repartição das tarefas domésticas, o fim da violência doméstica. Assim, encontramos muitas mulheres e homens que sempre iniciam suas colocações dizendo que não são feministas, mas são a favor disto e daquilo que constituem o ideário e as lutas feministas.

Por que as pessoas resistem tanto a se identificar com o feminismo, ao mesmo tempo em que se mostram tão satisfeitas com a mudança de mentalidade por ele promovida? Provavelmente, uma das respostas é porque esse movimento foi objeto de um descrédito sistemático: quantas vezes ouvimos que as feministas são mulheres mal-amadas, histéricas, frustradas, raivosas, mal-humoradas como se esses atributos de personalidade fossem monopólio das feministas e não estivessem aleatoriamente distribuídos em qualquer grupo político, profissional ou religioso.

A permanência deste preconceito é ainda mais surpreendente quando adotamos uma visada histórica sobre os movimentos políticos e sociais do extremado século XX e nos damos conta de que o feminismo foi, de longe, o movimento político mais bem sucedido do século. Diferentemente dos demais movimentos políticos como o fascismo, o nacionalismo e o comunismo, o feminismo promoveu uma formidável mudança de comportamentos orientada para a promoção de mais liberdade e igualdade entre os sexos, sem aspirar à tomada do poder, sem utilizar a força e sem derramar uma gota de sangue. As mudanças ocorreram no campo do convencimento e da persuasão, pela condução de campanhas e manifestações, pela divulgação de idéias na mídia e pela mudança das leis. O feminismo, além do mais, constitui-se como movimento plural, sem dono nem estruturas de controle centralizadas, sem excomungados, renegados ou dissidentes.

Nossa memória histórica, às vezes, nos surpreende. Ela tende a mistificar líderes revolucionários irascíveis, impetuosos e autoritários que fazem uso da força e da violência para impor suas crenças, até mesmo quando não estamos de acordo com o resultado da ação. Assim é quando, muitas vezes, afirmamos que apesar de tudo esses líderes foram generosos, solidários e ternos. Enquanto isso, as feministas são, no melhor dos casos, tratadas de forma jocosa, como um bando de mulheres desaforadas.

Está na hora de revermos essa narrativa profundamente inconsistente na qual não gostamos das santas mas apreciamos o milagre. Está na hora, também, de valorizarmos importantes mudanças que são obra do esforço cotidiano e anônimo de milhares de pessoas comuns.


Bila Sorj é professora de sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Globo, no dia 13 de maio de 2005.

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