Editorial publicado no último dia 06 no jornal The New York Times discute a proibição do aborto na América Latina e os avanços de alguns países. O texto “Abortion Rights in Latin América” (Os direitos ao aborto na América Latina) afirma que a criminalização não reduz as taxas de interrupção de gravidez e somente coloca a vida das mulheres em risco.
De acordo com o jornal, apesar de ser considerado crime na maioria dos países, o aborto é largamente praticado na região e os registros são mais altos do que os encontrados na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Na Colômbia, onde a interrupção é ilegal mesmo se a vida da mulher estiver em perigo, o New York Times afirma que podem ser contabilizados mais de um aborto por mulher durante todos os seus anos férteis. Já no Peru, são quase dois abortos em toda a idade reprodutiva.
O CLAM, que desde a sua fundação acompanha o tema da descriminalização do aborto na América Latina, considera a iniciativa do jornal um marco importante na discussão sobre a política a ser adotada na região. Em primeiro lugar, porque o editorial mostra-se enfaticamente preocupado com as conseqüências da proibição ao aborto, particularmente no que diz respeito ao risco de vida para mulheres que realizam o abortamento de forma clandestina e insegura. Em segundo lugar, é fundamental destacar o peso de uma manifestação de jornal do porte do New York Times contra os efeitos nefastos da política de George W. Bush em relação aos direitos reprodutivos, em geral, e à descriminalização do aborto, em particular.
O editorial lembra ainda que a educação sexual ainda é baixa na região e que os tabus e, por vezes, as políticas sociais impedem o acesso de mulheres solteiras aos métodos contraceptivos. Esses são alguns dos fatores que fazem com que a criminalização do aborto não o impeça, apenas o torne mais perigoso. Segundo o editorial, as mulheres ricas têm acesso à interrupção através de médicos particulares e as demais são levadas a confiar em charlatães ou amadores ou fazem o aborto por si mesmas. “Na América Latina, até 5.000 mulheres morrem por ano em função de abortos e centenas de milhares são hospitalizadas”, diz o texto.
O texto afirma ainda que o aborto por decisão da mulher só é permitido em Cuba. Porém, alguns outros países o consentem em circunstâncias extremas, na maior parte dos casos, quando a vida da mãe está em risco, o feto não viverá ou a gravidez é resultado de estupro. Mesmo quando há a qualificação para o aborto legal, freqüentemente, as mulheres o recusam em função da intervenção de médicos locais anti-abortistas e de padres, de requerimentos burocráticos extremamente rigorosos ou por não querer passar o constrangimento de registrar um estupro.
Mas apesar deste cenário, o jornal lembra que os povos latino-americanos estão começando a ver o aborto como o resultado de mortes que não são justas. “Onde foram conduzidas, as votações mostraram que há apoio ao direito ao aborto em algumas circunstâncias”, afirma o editorial. A descriminalização, ao menos em parte, está sendo seriamente discutida na Colômbia, no Brasil, na Venezuela e na Argentina e talvez entre na agenda do México, após a eleição presidencial de julho.
Segundo o texto, a pressão internacional também está ajudando. Em novembro, o comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas decidiu que o Peru violou o direito de uma mulher com 17 anos e grávida de um feto com má formação, ao não permitir a realização do aborto. As conferências das Nações Unidas sobre mulheres também têm forçado os governos a desenvolver e publicar os progressos nos direitos para as mulheres. “Isso tem encorajado grupos e direcionado a criação de espaços governamentais para mulheres, que têm ajudado a impulsionar os direitos ao aborto”, explica.
As mulheres latino-americanas, que têm aumentando sua participação na força de trabalho e na política, estão mostrando mais a sua voz. Porém, suas vozes seriam ainda mais altas se não houvesse a política global do governo Bush, que proíbe os grupos que recebem dinheiro americano de se posicionar sobre o aborto ou até criticar a insegurança das interrupções feitas ilegalmente. Isso tem silenciado grupos respeitados e importantes, como o Profamilia, na Colômbia.
“Em Washington, os anti-abortistas e responsáveis pela composição das leis podem olhar a América Latina como um lugar onde a regra global da mordaça trabalha exatamente como era esperado. Todos os americanos podem olhar para a América Latina e ver mortes desnecessárias e os ferimentos por causa dos abortos inseguros”, finaliza o editorial.