“Por uma Comunicação não discriminatória” foi o tema do IV Encontro Regional para o Fortalecimento da Equidade de Gênero, evento sediado na Petrobrás, no dia 25 de setembro, no Rio de Janeiro, que objetivou lançar um olhar sobre a participação feminina nos quadros de trabalho e na implantação do Programa Pró-Equidade de Gênero em seis empresas estatais: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Embrapa, Serpro, Eletronorte, além da anfitriã Petrobrás. O Programa, iniciativa do governo federal coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), visa promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres em organizações públicas e privadas.
Longe ainda do ideal da equidade de gênero – especialmente nos cargos de chefia – a Petrobrás somente há pouco tempo realizou uma mudança significativa nos crachás de suas engenheiras. “Ao longo de seus mais de 50 anos, parecia não haver a participação de mulheres na área, uma vez que a identificação nos crachás dizia ‘engenheiro’, mesmo quando este era ostentado por uma mulher”, lembrou Wania Sant’Anna, da Comissão de Diversidade da Empresa. Há alguns anos, ela foi a responsável pela renovação do banco de imagens da companhia petrolífera brasileira. Até então, as mulheres representavam apenas 10% desse banco de imagens, o que não condizia com a presença das 8 mil funcionárias que a empresa detém em seus quadros, segundo levantamento feito em 2008.
“O acervo fotográfico não refletia o avanço da participação feminina na Petrobrás, daí nossa idéia de renovar o banco e dar visibilidade à força de trabalho das mulheres na empresa”, afirmou Wania.
No Banco do Brasil, a força de trabalho feminina representa 38% de um total de 94 mil funcionários (as). Deste percentual, ainda muito minoritário em relação aos homens (que são 62%), 36% ocupam funções comissionadas. As porcentagens vão afunilando ainda mais quando se examina a distribuição feminina por tipo de comissão: as mulheres ocupam 44% dos cargos operacionais; 34% dos cargos da área técnica e apenas 30% na área gerencial, onde elas têm menor participação.
Na Caixa Econômica Federal, as mulheres representam apenas 21% dos cargos de decisão, apesar de serem 50% do quadro de funcionários (as). A empresa lançou recentemente a Cartilha Pró-Equidade de Gênero, distribuída a todos(as) os (as) funcionários (as), enfocando assuntos como TPM (tensão pré-menstrual) e menstruação. “Fazer cada trabalhador conhecer o corpo do outro e seus processos é fundamental nas relações de trabalho”, avaliou a consultora da presidência da Caixa, Roseli de Moraes, durante o Encontro.
Na Eletronorte, empresa geradora de energia subsidiária da estatal Eletrobrás, 81% da força de trabalho é composta por homens e 19% por mulheres. São 84% de gerentes homens e 16% de gerentes mulheres. O baixo percentual de mulheres é creditado ao fato de se tratar de uma empresa de engenharia, tradicionalmente caracterizada por uma maior presença masculina. Na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) o quadro é parecido, por também se tratar de uma área ainda pouco freqüentada por mulheres.
No Serpro, empresa pública de tecnologia da informação responsável por uma gama de serviços, como o cadastramento de pessoas físicas (CPF), a função de digitadora era, antes do processo de informatização, uma função desempenhada preferencialmente por mulheres. A carga horária, de 6 horas diárias, era ideal para que estas pudessem trabalhar e cuidar da casa. Hoje em dia, a função está reduzida na empresa.
“Mídia inclusiva, isso é possível?”
Muitas ações na área de Comunicação, idealizadas no âmbito do Programa Pró-Eqüidade de Gênero, têm sido desenvolvidas por estas empresas no sentido de diminuir a discrepância em relação ao número de homens e mulheres em seus quadros trabalhistas. O evento sediado pela Petrobrás foi uma delas. Por isso, contou com a presença de profissionais de Comunicação que trabalham com as temáticas de gênero, mídia, educação e consumo, como a socióloga feminista Fátima Jordão, diretora do Instituto Patrícia Galvão e do Cultura Data, da TV Cultura. Para ela, a Comunicação está caminhando para uma direção mais ética e menos discriminatória.
“Várias barreiras discriminatórias têm sido quebradas, mas o preconceito continua sendo uma ameaça a uma sociabilidade civilizatória neste país”, afirmou a socióloga no Painel “Mídia Inclusiva, isso é possível?”. A especialista analisou alguns casos recentes que repercutiram na mídia nacional. O primeiro deles, ainda na ordem do dia, foi a declaração do governador do estado do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), em relação ao ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Irritado com projeto do Ministério, André Puccinelli teria chamado o ministro de “veado que fuma maconha” e que «o estupraria em praça pública», comentário que foi depois reiterado diante da imprensa, segundo a grande imprensa. Em nota, Puccinelli disse que as críticas «se restringem a debate técnico».
“Ao fazer tais declarações e ameaças, o governador não está somente cometendo uma falta de decoro. Ele está expressando uma sensação de impunidade que o deixou à vontade para dizer essas coisas. Isso é uma ameaça a uma existência civilizada”, avaliou Fátima, que também analisou o caso Eloá, a jovem que foi mantida refém por seu ex-namorado por dias, morrendo assassinada durante a tentativa de seu resgate pela polícia.
“Ele (o rapaz) estava exercendo sua titularidade e senhorio em relação à jovem, que já não era mais sua namorada, mas esta análise passou despercebida nas coberturas da grande imprensa. A Comunicação também tem seu papel no processo de ocultação e manutenção da assimetria de gênero”, disse ela, citando como exemplo a cobertura da imprensa às possíveis candidatas à presidência da República. “Há matérias jornalísticas, com grande espaço em importantes veículos, enfocando os atributos sexuais das candidatas”, exemplificou.
Contudo, a socióloga acredita que, apesar das representações iconográficas da mulher nos diversos canais de comunicação, mudanças estão sendo introduzidas nos sistemas de informação. “A programação da TV Cultura, do Canal Brasil e do Canal Futura mostra possibilidades de comunicação sem discriminação”, finalizou, citando uma frase de Franz Kafka. ”As sereias têm uma arma muito mais poderosa do que o seu canto: o seu silêncio”.