Depois do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, já se discute agora a possibilidade de casamento civil destes casais. Porém, como acredita o deputado Jean Wyllys – coordenador da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT da Câmara e quem está colhendo assinaturas de parlamentares para que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do casamento civil entre homossexuais possa ser apresentada – o caminho não vai ser fácil. Uma amostra disto é a pesquisa realizada pelo jornal O Globo, na semana seguinte à decisão do STF, com 320 dos 513 deputados federais, que foram indagados sobre casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, adoção de crianças e criminalização da homofobia, principal bandeira do movimento LGBT brasileiro. A enquete mostra que, embora a maior parte dos deputados apoie a união estável entre homossexuais e, portanto, a decisão do Supremo, a Câmara se mostra dividida em relação ao direito desses casais de adotar crianças: 145 disseram «não», enquanto 154 afirmaram apoiar a ideia. Para 175 dos entrevistados, o casamento entre homossexuais não deve ser permitido, enquanto 115 não veem problema em relação a isso.
A posição dos parlamentares a respeito destes temas foi discutida no 8º Seminário LGBT do Congresso Nacional, evento realizado pela Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT no Dia Mundial de Combate à Homofobia (17 de maio) com o tema “Quem ama tem o direito de se casar”- Pela Aprovação da PEC do casamento civil entre homossexuais. Na legislação atual, casamento e união estável geram os mesmos benefícios, mas os religiosos – e a bancada parlamentar ligada a tais setores – insistem em que o primeiro é apenas para celebrar a união entre um homem e uma mulher. “Perante a lei, o casamento é um direito de todos e todas em um Estado Laico. Casamento não é sacramento”, afirmou o reverendo Márcio Retamero, da Igreja da Comunidade Metropolitana (Comunidade Betel) do Rio de Janeiro.
“Em primeiro lugar, o artigo 1723 do Novo Código Civil reconhece a união estável como entidade familiar. O que acontece é que, com a decisão do Supremo, os efeitos das uniões estáveis homoafetivas foram equiparados aos efeitos das uniões estáveis heterossexuais e, portanto, a Justiça brasileira entende que as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo têm status de entidade familiar”, avaliou a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Adriana Galvão, que falou sobre os desdobramentos da decisão do Supremo do dia 5 de maio. “Duas teses precisam ser discutidas juridicamente: a que predomina é a que sustenta a necessidade da diversidade dos sexos para poder haver casamento. Por sua vez, a lei diz que se pode converter união estável em casamento. Então, se a decisão do STF se aplica à união estável, por que não pode ser aplicada ao casamento? O que pode acontecer se um casal homoafetivo quiser converter sua união estável em casamento?”, questionou.
“Inclusão de preconceito contra os gays na lei antidiscriminação é saudável, mas arrisca cercear ainda mais liberdade de expressão”, diz Editorial da Folha de São Paulo do 17 de maio
Ainda segundo o levantamento do jornal O Globo, 217 dos deputados entrevistados não se opõem ao PLC 122, projeto que propõe criminalizar a homofobia já aprovado na Câmara e que agora depende de votação no Senado. Se aprovado, retornará para novo aval dos deputados.
“Neste tema, vamos ter que ser negociadores para tentar avançar. O Parlamento é uma casa do diálogo, onde as pessoas eleitas representam um segmento da sociedade. Há uma parcela de deputados com quem podemos conversar”, disse a senadora Marta Suplicy (PT-SP), relatora do projeto, que pediu a retirada do projeto de lei que criminaliza a homofobia da pauta da Comissão de Direitos Humanos (CDH). Para negociar com os parlamentares evangélicos que afirmam temer que o projeto, se aprovado, venha criminalizar a pregação contra os gays e cercear a liberdade de expressão religiosa, a relatora propôs como única modificação ao texto da Câmara que seja aberta exceção para «a manifestação pacífica de pensamento decorrente de atos de fé».
Em editorial do dia 17 de maio, exatamente quando os parlamentares aliados dos movimentos de afirmação da cidadania LGBT estavam reunidos no seminário de Brasília, o jornal Folha de São Paulo afirmava que “a criminalização da homofobia resulta de um impulso nobre, que objetiva proteger pessoas discriminadas pelo que fazem em sua vida privada. Não pode, porém, servir para cercear liberdades que fundamentam a própria convivência civilizada e democrática”.
“Criminalizar a homofobia não significa censurar nenhuma religião ou pessoa. A liberdade de expressão está sendo usada como arma de defesa”, respondeu a deputada Manuela d’Avila, presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
“Em 1989, foi aprovada a Lei 7716, que passou a tratar como crime no Brasil a discriminação e preconceito por cor ou raça . E nem por isso tivemos um cerceamento da liberdade de expressão no país”, lembrou o deputado Paulo Pimenta, membro da Comissão de Legislação Participativa.
Participaram ainda do seminário, a deputada Fátima Bezerra, presidenta da Comissão de Educação e Cultura da Câmara e o deputado Jean Wyllys, coordenador da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT. No dia seguinte ao evento no Congresso, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais (ABGLT) realiza, pelo segundo ano consecutivo, a Marcha Nacional LGBT, com término em frente ao Parlamento. O objetivo, segundo os organizadores, é chamar a atenção dos parlamentares para as demandas LGBT, especialmente aqueles que afirmam, como na pesquisa de O Globo, apoiar a causa do segmento sem, porém, assumir publicamente tal posição.