O Seminário “Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos: subsídios para as políticas públicas” , que será realizado no dia 24 de agosto, no Rio de Janeiro, tem como objetivo central apoiar as políticas públicas e ações do governo federal em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, contrapondo-se ao fundamentalismo religioso e ao conservadorismo moral que ameaçam as ações do Estado laico. “O princípio de defesa do Estado laico é uma questão importante. Em 2005, o debate se reacendeu no país com o envio ao Congresso do Projeto de Lei que visava a descriminalização do aborto e, mais recentemente, com as posições do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que tem se mostrado favorável à legalização do aborto e colocado a questão como um problema de saúde publica. O posicionamento do ministro ganhou uma centralidade política grande e tem provocado uma série de reações favoráveis e contrárias”, afirma Estela Aquino, professora adjunta do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde coordena o MUSA – Programa de Estudos em Gênero e Saúde.
O debate tem envolvido diferentes segmentos da sociedade. Representando a direção da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) na organização do evento, Estela Aquino afirma que o que se pretende com o Seminário é reunir os segmentos acadêmicos para articular o debate ao campo dos direitos. “É importante se posicionar. Queremos dar nosso apoio ao ministro Temporão por sua coragem e à ministra Nilcéia Freire por ter um papel atuante à frente da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), pautando questões que têm estado na agenda de vários movimentos sociais, como o movimento de mulheres. O Seminário foi organizado no sentido de se contrapor às forças que vêm atacando a posição do governo no que diz respeito aos interesses desses movimentos”, avalia Estela.
Frente ao posicionamento favorável do governo em relação ao planejamento familiar não coercitivo, ao controle das doenças sexualmente transmissíveis e à epidemia de Aids e, principalmente, por conta das declarações do ministro da Saúde, de que o aborto deva ser tratado como uma questão de saúde pública, os ataques e reações de grupos conservadores e religiosos fundamentalistas recrudesceram. Na semana passada, cerca de duas mil pessoas – lideradas por religiosos de diferentes designações – se reuníram na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para protestar contra a possibilidade da legalização do aborto, pedindo ao Congresso Nacional que não altere a legislação que criminaliza o aborto, imputando pena de um a três anos à mulher. No final de março deste ano, o Movimento Nacional em Defesa da Vida (Brasil sem Aborto), liderado pela Igreja Católica e a Federação Espírita Brasileira, mobilizou um ato público em São Paulo divulgado através de outdoors espalhados por toda a cidade com os dizeres: “Diga não ao aborto até o 9º mês”. O slogan tinha como objetivo projetar uma imagem distorcida do projeto de descriminalização do aborto (PL 1135/91) que tramita na Câmara Federal. Em abril, o ministro Temporão foi surpreendido por um protesto contra a possibilidade de plebiscito na cidade de Fortaleza.
“Nossa expectativa é que, com este Seminário, consigamos assegurar a manutenção no que existe de positivo e fazer avançar as políticas na garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. O Brasil tem sido considerado um modelo no campo das políticas direcionadas à Aids, por exemplo. Esperamos também conseguir avançar na luta pela descriminalização e legalização do aborto. A expectativa é que consigamos agregar forças progressistas.”, diz Estela, citando como exemplo o fato de a nova presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Lucia Stumpf, ter afirmado ser preciso descriminalizar a interrupção da gravidez no país. Lucia tem 25 anos e é estudante do sétimo período de jornalismo de uma faculdade de São Paulo. Segundo ela, a UNE planeja fazer plebiscitos nas universidades sobre a questão.
“A presidente da UNE traz um alento ao percebermos que as novas gerações estão se somando nessa luta, e mostra que esse debate está se renovando em termos geracionais”, analisa Estela.
Não por acaso, o debate do dia 24 acontecerá dentro de uma instituição de ensino superior: o evento será realizado no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Av. Pasteur, 250, Urca – Salão Pedro Calmon), entre 14h e 17h. A iniciativa se soma a outras ações que estão em curso no país. No dia 29 de agosto acontecerá uma Audiência Pública na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara Federal para discutir o PL 1135/91, que trata da descriminalização do aborto, reunindo especialistas de diferentes áreas.
“Enquanto mantivermos uma legislação da década de 40,que penaliza um contingente grande de mulheres, que morrem em conseqüência do aborto inseguro ou que sofrem as seqüelas em sua saúde por conta da proibição da interrupção voluntária da gravidez no país, cada vez mais as desigualdades vão se aprofundar, já que são as mulheres que não dispõem de recursos as que mais sofrem essas conseqüências. As que têm dinheiro também fazem aborto, mas em condições mais seguras. Por isso, esse debate tem que ganhar corpo do ponto de vista institucional”, argumenta Estela.
No entanto, a despeito das reações conservadoras, a pesquisadora avalia que, pelo menos em período recente da história do Brasil, este é o momento em que o país mais avançou no que diz respeito a temas como planejamento familiar e no debate em torno da descriminalização do aborto. “Temos um cenário internacional de países de tradição católica, como Portugal, México e Uruguai, que têm avançado em suas políticas de eqüidade dos direitos sexuais e reprodutivos. Considero o debate atual sobre o tema no Brasil de muito boa qualidade. Devemos reagir a propostas que representam um retrocesso do ponto de vista da cidadania”, conclui.
O Seminário “Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos: subsídios para as políticas públicas” está sendo promovido pela Abrasco, pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), pela Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD), a Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).