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Se presentan los “Principios”

A versão em português dos “Princípios de Yogyakarta – princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero” foi lançada no Rio de Janeiro, nesta segunda-feira, 27 de agosto. Os Princípios de Yogyakarta tratam de um amplo espectro de normas de direitos humanos e de sua aplicação a questões de orientação sexual e identidade de gênero, refletindo o estado atual da legislação internacional de direitos humanos neste âmbito.

Atualmente 85 países criminalizam a relação entre pessoas do mesmo sexo, o que corresponde à metade dos Estados membros das Nações Unidas. “No imaginário popular estes são os países islâmicos, por que é isso que aparece na televisão, ou na grande mídia. Isto não é verdade. É verdade que os 10 países em que as relações entre pessoas do mesmo sexo podem resultar em pena capital, ou seja, pena de morte, são islâmicos, mas entre esses 85 países contabiliza-se, por exemplo, todo o Caribe inglês, com exceção das Bahamas”, afirmou a pesquisadora Sonia Correa, do Observatório de Sexualidade e Política (SPW), uma das signatárias do documento.

Entre os países que criminalizam a homossexualidade, fora do circuito islâmico, figura também a Nicarágua, país latino-americano que adotou uma lei anti-sodomia em 1992. “Não foi no século XIX, a lei também não é uma herança colonial, o país adotou uma legislação que criminaliza a sodomia em contexto de democracia”, observou Sonia.

Um dos elaboradores dos Princípios, o filósofo Mauro Cabral, da Universidade Nacional de Córdoba, afirmou que o documento introduz pontos que já estão no sistema internacional de direitos humanos. “Quer dizer, o que estamos fazendo é dizer para nossos governantes prestarem atenção, porque aquilo que eles acham que não existe ou não tem sido pensado, na verdade já está legislado. Estamos lembrando que eles são os signatários de determinados pactos e convenções”, disse Mauro.

Segundo ele, os “Princípios” estabelecem um tipo de horizonte normativo.”Digo isso porque, especialmente nos princípios nos quais me tocou trabalhar, particularmente os de “identidade” e “expressão” de gênero, o que eles fazem é jogar com matériais existentes para propor formas ainda não existentes de conceber a identidade e a expressão de gênero”, observou o pesquisador. “Quando falamos em ‘identidade de gênero’, de fato estamos falando dos modos em que cada pessoa se reconhece, não utilizando a definição habitual de gênero como o sentido interior de ser um homem ou uma mulher. Essa abertura a possibilidades identitárias que vão além do binário da diferença sexual está presente em todo o documento”, disse ele.

A ativista lésbica Yone Lindgren, do Movimento D’Ellas e membro da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT), afirmou que a publicação dos “Princípios” no Brasil vem demonstrar que as necessidades dos GLBTs foram vistas. “Mas temos que continuar arregaçando as mangas e indo à luta. Temos ainda um longo caminho a percorrer, principalmente em relação à violência cotidiana. Falamos da discriminação e também dos assassinatos de hpomossexuais, que ainda são três por dia no Brasil. Ainda é muito freqüente a discriminação por causa da orientação sexual. E quando falamos em lésbicas, mulheres com uma orientação sexual diversa da heteronormatividade, a situação piora”, disse a ativista.

O antropólogo Horácio Sívori, do CLAM, chamou a atenção para o contexto social no qual se insere a proposição dos “Princípios”, tendo como referência a pesquisa “Política, Direitos, Violência e Homossexualidade” (CLAM/CESeC), estudo que vem sendo realizado desde 2004 nas paradas do orgulho GLBT de diversas cidades latino-americanas, entre elas Rio de Janeiro, São Paulo, Buenos Aires e Recife. O estudo vem documentando índices relativos a situações em que lésbicas, gays, bissexuais e transsexuais são vítimas de agressões e de formas de discriminação. “Em territórios onde o Estado deve garantir a vigência plena dos direitos humanos, aproximadamente 20 % das pessoas GLBT entrevistadas já sofreram alguma agressão física por motivo da sua identidade sexual, entre 55 e 60 % já sofreram ameaça ou agressão verbal e entre 13 e 20 % já foram vítimas de chantagem ou extorsão. As pessoas trans são quem mais sofrem agressões físicas: 54 % das entrevistadas em São Paulo e 52 % das entrevistadas em Buenos Aires, segundo dados de 2004, já sofreram agressões físicas por causa da sua expressão de gênero, sendo que aproximadamente uma terça parte destas agressões aconteceram pelas mãos de policiais”, relatou Sívori.

Segundo ele, é significativo também o grau em que são reportadas as diferentes modalidades de discriminação por causa das distintas identidades sexuais e expressões de gênero. “De 11 a 12 % das pessoas entrevistadas nas capitais brasileiras pesquisadas, e 15 % das pessoas entrevistadas em Buenos Aires declararam ter sido discriminadas por profissionais ou serviços da saúde. Entre 12 e 14 % já perdeu o trabalho ou não foi contratado por causa da sua expressão de gênero ou identidade sexual”, lembrou o pesquisador.

Em relação à importância da publicação dos Princípios no Brasil, o antropólogo afirmou: “Cada uma das provisões derivadas dos Princípios de Yogyakarta se refere a situações concretas de violência, a agressões e discriminação que configuram violações dos Direitos Humanos. Frente à persistência das injustiças e da iniqüidade que combinam a identidade sexual e expressão de gênero com formas de violência e exclusão baseadas em condições de gênero, raça, etnia, origem nacional, religião, status socioeconômico, é preciso desenvolver uma série de ferramentas e estratégias para a construção de um direito democrático da sexualidade”.

Na análise do ativista Cláudio Nascimento,da Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, os “Princípios de Yogyakarta” formam um documento estratégico. “Formam um mapa que pode contribuir de maneira importantíssima para consolidação de políticas a fim de garantir os direitos dos homossexuais, na perspectiva de políticas públicas de caráter transversal, intersetorial. O caráter que esse documento cumpre em âmbito internacional é importantíssimo, levando em consideração que ainda há vários países que criminalizam a homossexualidade, mas no contexto brasileiro ele também pode ser a nossa bíblia, do ponto de vista de nos ajudar a arregimentar outros aliados, e provocar o debate no setor governamental”, disse Nascimento.

Segundo ele, é preciso que o Estado assuma que ainda é um grande violador de direitos humanos para que se possa construir algumas alternativas para superar o problema. “Precisamos, governo e sociedade civil, construir um comitê nacional para pensar como podemos aplicar esses ‘Princípios’ no âmbito nacional”, concluiu o ativista.

Também participaram do lançamento o ativista Beto de Jesus, membro da ABGLT e da International Lesbian and Gay Association (ILGA) na América Latina e Caribe, Boris Dittrich, do Human Rights Watch, responsável pela divulgação dos Princípios de Yogyakarta no mundo, e Stephen Barris, coordenador de comunicação social da ILGA.

A publicação do documento no Brasil tem como promotores o SPW (Observatório de Sexualidade e Política), a ILGA – International Gay and Lesbian Association (da América Latina), a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT), a AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, a Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e o CLAM.

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