Até algum tempo atrás, para encontrar amigos e namorar sem serem molestados, gays e lésbicas confinavam-se em um trecho de praia ou em pequenos bares, saunas ou cinemas localizados nos centros das grandes cidades brasileiras. Tais lugares sempre funcionaram para os homossexuais como espaços de proteção contra a homofobia. A discriminação sexual resiste, mas há sinais claros de que a luta contra o preconceito no país atravessa uma fase de transformação significativa. Apesar do recrudescimento das forças conservadoras no Brasil e no mundo, o atual cenário público brasileiro é favorável aos direitos das pessoas GLBT: pesquisas mostram que quase metade da população brasileira apóia a união civil entre pessoas do mesmo sexo; o país tem uma jurisprudência favorável aos direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros; paradas do Orgulho GLBT acontecem em todo o país; o Programa Brasil Sem Homofobia, do governo federal, continua com suas 53 ações em 10 ministérios e secretarias especiais; a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou um projeto de lei que reconhece, para fins previdenciários, companheiros (as) do mesmo sexo de servidores públicos do estado; e há um Projeto de Lei que criminaliza a homofobia a ser votado no Senado – o PLC 122/2006 – cuja proposta é tornar ilegal a prática de atos de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, equiparando-os a outros tipos de discriminação, como a racial, por exemplo. O PL também propõe criminalizar a discriminação relativa ao recrutamento para contratação profissional ao acesso à educação, à locação de bens móveis ou imóveis, à manifestação pública de afeto, bem como atos violentos ou constrangedores praticados contra pessoas GLBT.
O projeto tem gerado intensas discussões no Congresso Nacional e recebido resistência principalmente dos parlamentares que compõem a chamada “bancada evangélica”. Os que se opõem à sua aprovação, alegam que o PL cerceará a liberdade religiosa e já estão chamando a proposta de “projeto da mordaça gay”. Em vista disso, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT) redigiu um manifesto a favor do PLC 122/2006, através do qual pretende angariar adesões favoráveis à aprovação do projeto.
“Desde a promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, nenhum projeto de lei especificamente voltado para a promoção da cidadania de GLBT foi aprovado. Como resultado, atos de discriminação contra GLBT passam impunes. Uma vez aprovada a lei, e as punições forem sendo aplicadas em casos de discriminação por orientação sexual nou identidade de gênero, deverá passar a haver mais respeito para com as pessoas GLBT a mais reconhecimento da diversidade sexual como um direito. Com o passar do tempo, deverá se tornar cada vez menos difícil os GLBT se assumirem publicamente”, afirma o ativista Toni Reis, presidente da ABGLT.
Para o antropólogo Sergio Carrara, coordenador do CLAM, que vem acompanhando as discussões no Senado, o grande problema para as pessoas que se colocam contra o projeto é que elas antevêem uma possibilidade de não poder mais discriminar. “Em um determinado momento nesses debates, alguém disse que, com o projeto, uma dona-de-casa não poderá mais despedir a babá se ficar sabendo que ela é lésbica. Como se, ser lésbica, justificasse uma demissão. A questão, para essa pessoa, não é se ela trata bem ou mal a criança, mas sim que ela é lésbica. As pessoas não conseguem perceber o quanto de discriminação está presente nessa afirmação, tão natural deste ponto de vista. Outro argumento dos religiosos é que vão ter que colocar as bíblias para fora da igreja, uma vez que não poderão mais dizer que homossexualidade é um pecado. É preciso esclarecer que uma coisa é tecer considerações sobre homossexualidade em geral, outra coisa é ter atitudes discriminatórias. Do ponto de vista da Igreja Católica, casar e separar é um pecado, mas nem por isso a lei do divórcio deixa de existir”, sublinha.
Na análise de Carrara, o que tem sido difícil para as pessoas lidarem é a possibilidade de conviver com outras manifestações afetivas e outros tipos de casais. “O projeto simbolicamente aponta isso, que essa convivência no espaço público terá que acontecer, e os incomodados vão ter que sair. Isto já mostra a importância do projeto: ele sinaliza e coloca os limites, garantindo a presença de pessoas que estão excluídas do espaço público. Por outro lado, também temos que levar em consideração os dados que são produzidos sobre violência por orientação sexual. Ser agredido é uma experiência cotidiana da população GLBT”, observa o pesquisador.
Dados da Pesquisa «Política, Direitos, Violência e Homossexualidade» (CLAM/CeseC), realizada nas Paradas do Orgulho GLBT do Rio de Janeiro (2004), São Paulo (2005) e Recife (2006), mostram o quanto a homofobia está presente na sociedade brasileira: 61,5% dos entrevistados no Rio afirmaram já terem sido agredidos, 65,7% em São Paulo também já vivenciaram algum tipo de agressão e o mesmo aconteceu com 61,4% dos entrevistados na capital pernambucana. Declararam-se já terem sido discriminados 64,8% dos entrevistados no Rio, 72,1% em São Paulo e 70,8% em Recife.
“Claro que devemos levar em conta que esse é um problema cultural, e a lei não muda a cultura e nem subjetividades. Ela não tem o poder de fazer com que as pessoas sejam mais tolerantes e democráticas em seu foro íntimo, mas sua proposição e discussão já aponta um processo de mudança”, assinala Carrara.
O CLAM apóia o manifesto da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABGLT) a favor do Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006.
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