A ação que dirá se a pesquisa com células-tronco embrionárias é ou não constitucional ficará fora da pauta de votação do Supremo Tribunal Federal (STF) por até 30 dias, e só então poderá ser apreciada novamente. Com dois votos favoráveis à liberação das pesquisas, o STF suspendeu na quarta-feira, 5, o julgamento da ação devido a um pedido de vista feito pelo ministro Carlos Alberto Direito, defensor da tese da Igrea Católica de que o embrião tem o direito à vida defendido na Constituição do país, assim como qualquer outro ser humano. Segundo a edição do jornal “O Estado de São Paulo” da quinta-feira, 6 de março, o relator da ação, Carlos Ayres Brito, argumentou que o destinatário dos direitos fundamentais definidos na Constituição é o ser humano já nascido, residente no Brasil, «mas não residente em útero materno, tubo de ensaio ou placa de petri». De acordo com o jornal, Brito disse ainda que «o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Ninguém afirma que a semente já seja a planta, a nuvem, a chuva, a lagarta, a crisálida e a crisálida, a borboleta (…) Não há pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana».
Pelo regimento do STF, o prazo para que o processo seja devolvido pelo ministro que pediu vista é de dez dias, prorrogáveis duas vezes por igual período. Após esse prazo, a ação, ao ser devolvida, pode ter de enfrentar uma fila de processos, fazendo com qeu não seja possível prever quando o julgamento será retomado.
Pesquisa aponta apoio da população às pesquisas
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) foi proposta pelo ex-procurador geral da República, o católico Cláudio Fontelles, que defende a suspensão de tais pesquisas, baseando-se em argumentos de cientistas católicos que discutem sobre o início da vida humana. Em abril de 2007, o STF foi palco de uma audiência pública que reuniu a comunidade científica e representantes da sociedade civil, contrários e favoráveis à Adin. Desde então, o tema vem sendo amplamente debatido pela sociedade, sendo alvo de recente pesquisa do Ibope, segundo a qual 95% dos brasileiros são a favor de pesquisas com células-tronco, considerando-as uma atitude em defesa da vida.
A pesquisa, encomendada pela organização Católicas pelo Direito de Decidir (CDD), tinha como objetivo conhecer a opinião dos brasileiros sobre as pesquisas para uso de células tronco embrionárias para o tratamento e recuperação de pessoas com doenças graves. Entre os dias 24 e 29 de janeiro de 2008, foram entrevistados 1863 brasileiros, entre homens e mulheres, com idades que variaram entre 16 e 70 anos e escolaridade da 4a série do ensino fundamental até o nível superior, entre os quais 1230 se disseram católicos e 386 evangélicos. Quando são realizadas análises por religião, a pesquisa mostra que 95% dos católicos e 94% dos evangélicos concordam com as pesquisas para o uso das células tronco para o tratamentode doenças.. Já 6% dos evangélicos e 5% dos católicos discordam da iniciativa.
“A pesquisa apontou que os brasileiros têm um pensamento contemporâneo e apóiam as pesquisas com células tronco como forma de desenvolver novas oportunidades no campo da medicina. Isso indica que estamos preparados para analisar, sobre outros aspectos, as atitudes que são, realmente, em favor da vida”, explica a coordenadora de Católicas pelo Direito de Decidir, Dulce Xavier.
A despeito da aprovação da sociedade brasileira, para a antropóloga Débora Diniz, o grande problema é que, objetivamente, a Adin deslocou o debate do campo científico para o da moralidade, em torno da questão sobre o início da vida. “E é esta discussão que o STF não precisa enfrentar, pois não há como se imputar o direito à vida ou à potencialidade de vida para embriões inviáveis”, avalia a professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da organização Anis no artigo “Pesquisa com Células-Tronco: um desafio para o Estado laico”, escrito em parceria com a historiadora Fabiana Paranhos, também da Anis.
Segundo Débora, “o falso problema da necessidade de se definir constitucionalmente o início da vida humana para a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias pode significar um retrocesso para a ciência brasileira”.
O deslocamento da discussão para o campo da moralidade – questionando-se sobre o início da vida – é mesmo desnecessário, já que a Lei de Biossegurança determina que somente embriões inviáveis ou embriões congelados há mais de três anos, a partir da publicação da Lei, podem ser utilizados para pesquisa. A lei também define um embrião inviável como aquele sem potencialidade de desenvolvimento celular.
Dos entrevistados na pesquisa CDD/Ibope, 97% dos que afirmaram concordar com a pesquisa para o uso de células tronco têm escolaridade superior. Já aqueles que têm até a 4a série do ensino fundamental somam 94% de aceitação. Entre os que têm nível superior, 3% discordam da pesquisa com células tronco. Já entre os que têm até a quarta série do ensino fundamental, o índice de discordância é de 6%.
A Região Sul apresenta maior nível de aceitação para pesquisa de uso das células tronco (98%), seguida do Sudeste (96%), do Nordeste (94%) e do Norte/Centro-Oeste (91%). Quando os entrevistados são analisados por localidade, 98% dos que estão em periferias apóiam a questão, unindo-se a 95% no interior e 93% nas capitais.
Já o Norte/Centro-Oeste têm o maior índice de rejeição (9%) às pesquisas para utilização das células tronco, seguidos pelo Nordeste (6%), Sudeste (4%) e Sul (2%).