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Valores terrenos

Um dos mais importantes pensadores brasileiros da atualidade, o psicanalista Jurandir Freire Costa ministrou a aula inaugural do Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ), discorrendo sobre o tema “Transcendência ética e formação da subjetividade contemporânea”. Professor titular do Departamento de Políticas e Instituição de Saúde do Instituto, Jurandir iniciou sua apresentação traçando a gênese da concepção de transcendência e de ética e suas conseqüências ética e política, para então chegar ao conceito contemporâneo de ‘transcendência ética’.

 

“No início, a transcendência era pensada como algo que excedia na coisa, excesso que só era possível conhecer com a ajuda de Deus. No que concerne ao certo e ao errado, ao justo e ao injusto, a regra da conduta do humano consistia em obedecer o que a entidade superior declarava”, observou ele, lembrando que a “entidade superior” logo seria encarnada na figura do monarca absoluto.

 

Segundo ele, esta regra seria rompida pela tensão entre a tradição teológica e o desejo da modernidade, entre a idéia de estabilidade e mobilidade, e pelo conflito em como conciliar tradição com mudança. A ética transcenderia, assim, do campo religioso para o político. “Nascem, assim, os conceitos de ética da vida pública e ética da vida privada. A primeira falava em nome do bem comum, e passou a funcionar como o limite do que chamamos ‘agir humano”.

 

Para ele, a ética privada é dividida em cinco escaninhos: a liberdade individual, a liberdade de expressão estética, a liberdade moral (ou das moralidades), a liberdade de expressão científica e a liberdade de empreendimento econômico. “Nesta nova ordem cada um tem o direito de se expressar, sem levar em conta o que era antiético na transcendência religiosa”, disse.

 

Porém, na visão do pensador, este esquema do transcendente político durou quatro séculos e, depois da Segunda Guerra, vem sofrendo uma mudança brutal. “Segundo Max Weber, a burocratização do Estado é um dos fatores que vieram a alterar o balanço entre ética privada e política”, citou Jurandir.

 

Outro fator seria, segundo ele, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, ao monopolizar os discursos do que é verdade sobre o sujeito. Por fim, para o psicanalista, a ordem imaginária do mundo, difundida pelos meios de comunicação, foi o terceiro elemento que teria tornado a História um percurso que leva ao abismo.

 

Entretanto, frente aos fenômenos do contemporâneo, o autor não se inclui entre os que, de forma pessimista e ‘catastrofista’, alimentam a idéia de que a época atual destruiu totalmente os valores éticos e morais da civilização humana. “Os valores, tradicionais ou não, são deste mundo. O cenário atual em absoluto deve ser tomado como um cenário apocalíptico”, finalizou.

 

Jurandir Freire Costa nasceu em 1944 no Recife. É médico e psicanalista, com mestrado em etnopsiquiatria pela École Pratique des Hautes Études de Paris, além de professor do Instituto de Medicina Social da UERJ. Publicou, entre outras obras, Histórias da psiquiatria no Brasil, Ordem médica e norma familiar, Violência e psicanálise, Psicanálise e contexto cultural, A inocência e o vício – estudos sobre o homoerotismo, A face e o verso, A ética e o espelho da cultura e Sem fraude nem favor.

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