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Reproducción y desigualdad social

Nos últimos cinco anos, a psicóloga Margareth Arilha trabalhou como assessora regional do Fundo das Nações Unidas para Assuntos da População, tendo a oportunidade de visitar vários países e observar suas especificidades. “Posso dizer que o ambiente bastante democrático que se respira no Brasil de hoje é altamente favorável em relação à saúde reprodutiva”, afirma a diretora do Prosare (Programa de Bolsas de Pesquisa em Sexualidade e Saúde Reprodutiva), programa desenvolvido pela Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).

Para ela, atualmente, o uso de contraceptivos no Brasil atinge níveis considerados comparáveis aos dos países desenvolvidos modernos. “Isso é positivo no Brasil. O Estado defende o acesso a todos os métodos anticoncepcionais como prioridade política e financeira, o que não acontece na maior parte dos países da América Latina”, observa Margareth. Ela acredita que, para que uma política de planejamento familiar funcione plenamente no país, será necessário repensar as políticas de saúde reprodutiva tendo em vista a desigualdade social brasileira.

Como a sra. avalia o debate em torno da questão da saúde reprodutiva hoje no Brasil?

Na década de 1960, comprar preservativos em uma farmácia era um constrangimento para os homens. Nos anos 1980, era impossível vir a público e falar claramente em planejamento familiar, sem ser imediatamente vinculado como alguém de uma postura não natalista ou controlista. Hoje em dia se fala abertamente em direitos reprodutivos. Embora não seja este um conceito que a sociedade domine, um adolescente sabe o que é um preservativo ou anticoncepcional. Os jovens discutem sobre o aborto. Esses debates só não acontecem em áreas absolutamente empobrecidas e de baixa escolaridade. Este é um problema que o Brasil precisa resolver.

Podemos dizer que o país está passando por um bom momento em relação às políticas de assistência à contracepção?

Há algo positivo no Brasil. Temos um Estado que defende o acesso a todos os métodos anticoncepcionais como uma prioridade política e financeira. A maior parte dos países da América Latina não disponibiliza recursos do Tesouro Nacional para a compra de contraceptivos. Hoje isto não se discute no Brasil.

Em relação ao planejamento familiar os problemas são administrativos. O Brasil é um país enorme e daí advêm problemas de logística. Atualmente, os problemas em relação à oferta de contraceptivos em geral são muito menos ideológicos ou políticos e muito mais administrativos e logísticos.

A laqueadura de trompas e a vasectomia representam outro problema. A ligadura é um método anticoncepcional irreversível, mas possível de ser realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sob certos critérios. Mas o que as pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde vêm demonstrando é que as mulheres têm dificuldade de acesso à esterilização. Muitos serviços de saúde públicos ainda estão aquém das expectativas na oferta desse procedimento cirúrgico. Por isso eu penso que a esterilização ainda merece mais atenção. De qualquer maneira, não temos mais tantas notícias de situações perversas, em que as mulheres muitas vezes precisavam engravidar para poder fazer uma cesariana e poderem ser esterilizadas, como aconteceu durante muitos anos no país.

Dados dos censos demográficos e das pesquisas mais recentes indicam que a fecundidade no Brasil continua em queda e já atingiu o nível de reposição de 2,1 filhos por mulher. O que pode explicar a redução na taxa de fecundidade atingida pelo país nos últimos anos?

As mulheres não querem mais ter o número de filhos que as mulheres de antigamente tinham. Elas procuram outras alternativas de inserção social que não seja só a realização pela via da maternidade. Quanto mais alto o nível de escolaridade das mulheres, menor o numero de filhos. Por outro lado, embora a taxa de fecundidade no Brasil tenha caído para 2,1 filhos por mulher, a taxa especifica entre as adolescentes vem crescendo em toda a América Latina. A proporção é maior entre meninas de 15 a 19 anos que vivem em áreas empobrecidas e com baixa escolaridade do que aquelas com mais escolaridade. Isso mostra que a educação é importante, pois ela propicia mais elementos para que as jovens possam fazer suas opções. Nós chegamos em um momento em que, para se ter um impacto na redução das taxas de fecundidade das adolescentes, será preciso trabalhar com um nível muito maior de informação e educação.

Outra coisa que precisa ser feita é lançar luz sobre o papel dos homens nesse processo. A questão do machismo ainda precisa ser trabalhada culturalmente. Ainda existem muitos homens que reclamam que as mulheres ficaram grávidas e eles não queriam ter filhos. Eles não se vêem como reprodutores também. O uso de preservativos no Brasil ainda é muito baixo, assim como o número de vasectomias, que são feitas por menos de 3% dos homens. É preciso que estes homens também se responsabilizem pelos filhos que venham a gerar. Até então, o pensamento masculino era: “eu é que mando, então eu faço o número de filhos que quiser”. Até porque, para ele, como macho patriarca, era interessante mostrar à sociedade um número enorme de filhos para evidenciar a fortaleza da sua sexualidade. Com o tempo, o feminismo provocou mudanças neste contexto: “Nós mulheres também decidimos, temos o direito sobre nossos corpos e queremos poder desfrutar de nossa sexualidade em nossas relações sem ter o ônus de uma gravidez que não desejamos”. Mas hoje este homem, que já não é mais o patriarca e não pode mais arcar financeiramente com um número grande de filhos, está querendo diminuir o numero de sua prole. Ele está acompanhando a tendência do planejamento familiar, só que ainda passivamente, porque acha que controlar a fertilidade se tornou responsabilidade da mulher.

Na verdade, os dois têm direitos no campo da construção de suas vidas reprodutivas. Homem e mulher devem ter conhecimento e consciência para administrarem sua respectiva capacidade reprodutiva.

Além da necessidade de investir em educação sexual, qual o maior desafio para que um programa de saúde reprodutiva seja bem sucedido no Brasil?

Repensar as políticas de saúde reprodutiva tendo em vista a profunda desigualdade social brasileira. Hoje, os anticoncepcionais não chegam em várias cidades, e são nas áreas rurais e com baixa escolaridade onde as taxas de fecundidade atingem os níveis mais altos. Se nos grandes centros urbanos chegamos a 2,1 filhos por mulher, lá o nível pode alcançar o patamar de 5 filhos por mulher. É necessário avaliar como se deve proceder em relação a lugares onde as políticas públicas não conseguem alcançar.

Na primeira gestão, o Programa do Primeiro Emprego para os jovens não tinha claramente definida uma perspectiva de gênero e não contemplava o universo da vida sexual e reprodutiva. No Ministério da Saúde, a área técnica de atenção à saúde dos jovens não se encontra tão bem estruturada quanto a área de saúde da mulher. Alguns problemas hoje ainda são complexos porque exigem respostas diferentes. O que falta é ampliar o diálogo com a sociedade civil. Neste segundo mandato do governo Lula isto poderia acontecer. Mas, de uma maneira geral, posso dizer que o ambiente bastante democrático que se respira no Brasil de hoje é altamente favorável em relação à saúde reprodutiva.

Isto foi uma vitória do movimento feminista?

Separar sexualidade e reprodução e colocar esse debate no plano político foi uma conquista do movimento feminista. Uma clareza do movimento feminista brasileiro foi pensar as questões do feminismo e associá-las às questões de políticas públicas. Na década de 1970, estávamos em um momento político de abertura democrática, então era natural pensar no Estado de direito. Mas, paralelamente ao movimento de mulheres, aconteceu o desenvolvimento tecnológico. Na década de 1960 passamos a ter a pílula anticoncepcional, mas ela poderia ter se tornado um método usado por poucas se não houvesse uma construção social realizada pelo feminismo. O movimento de mulheres é uma força que transforma culturas. Já existe uma cultura em transformação, favorável em relação à contracepção e a essa visão da saúde da mulher, e isto se deve à atuação constante e sistemática do movimento feminista.

O Parlamento português aprovou a descriminalização do aborto para gestações de até dez semanas. Este fato pode representar um impulso ao debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil?

Penso que este poderia ser um momento interessante para que a sociedade brasileira se olhasse no espelho. A idéia do plebiscito sempre foi muito assustadora até mesmo para os grupos pró-vida. É uma estratégia que assusta de parte a parte, mas particularmente penso que a sociedade deveria analisar o que pode sair daí. O plebiscito pode dar uma idéia mais precisa onde nós estamos.

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