A gravidez na adolescência foi manchete dos principais jornais brasileiros no último fim de semana, muito por conta do dia 26 de setembro, que recentemente passou a ser conhecido como o Dia Mundial de Prevenção da Gravidez na Adolescência, data promovida por organizações não-governamentais e sociedades médicas internacionais, com o patrocínio de uma empresa farmacêutica multinacional. No Brasil, a iniciativa conta também com o apoio da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). O grande problema é que, embora seja mesmo uma realidade, o tema tem sido geralmente abordado de forma alarmista, principalmente ao relacionar evasão escolar com o evento de uma gravidez precoce. Nesse sentido, destaca-se a importância da recém lançada cartilha “Gravidez na Adolescência e Sexualidade: uma conversa franca com educadores e educadoras”, material didático-pedagógico sobre as temáticas de gênero, sexualidade e reprodução juvenil destinado à formação de professores do ensino fundamental que busca – mais do que apresentar dicas de como tratar o assunto em sala de aula – despertar uma reflexão conjunta nesses (as) educadores (as).
Os dados do manual são resultados da pesquisa Gravidez na Adolescência – Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade e Reprodução no Brasil (Gravad), desenvolvida por três universidades (IMS/UERJ, ISC/UFBA e NUPACS/UFRGS). Realizada em 2002, a investigação ouviu 4.634 jovens, de diferentes segmentos sociais e econômicos do Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador. Traduzir resultados científicos para uma linguagem didática é o grande mérito do manual, que está sendo aplicado em curso de treinamento a professores envolvidos com o Núcleo de Adolescentes Multiplicadores (NAM), projeto da Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro.
A iniciativa é fruto de uma parceria do Programa em Gênero, Sexualidade e Saúde do Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ) com a Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh). Participam do treinamento 100 professores (as), divididos em duas turmas. Para além da atividade fim de sensibilização com os temas implicados na dita reprodução precoce, a internalização do conteúdo pelos docentes municipais será avaliada através de atividades que venham a propor em seus espaços profissionais a partir do uso do manual. Os educadores que participaram do curso pretendem ainda elaborar sugestões para o novo (a) prefeito(a). Há dificuldades pouco evidentes em tratar de temas como sexualidade e contracepção nas escolas: alguns professores ainda acham que esses temas não devem ser tratados na escola, enquanto uma parte significativa de pais de alunos acha que abordar tais assuntos em sala de aula é uma antecipação indevida à entrada na sexualidade.
“Ainda existe pouca clareza, por parte dos professores, sobre como aplicar os temas transversais propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Essa situação acaba deixando os educadores desamparados, ou seja, se podem ou não abordar tais assuntos com seus alunos”, analisa a antropóloga Maria Luiza Heilborn (CLAM/IMS/UERJ), coordenadora geral da pesquisa Gravad.
Simultaneamente ao curso de treinamento para professores, o CLAM está desenvolvendo o projeto de pesquisa “Educação em sexualidade: um experimento com educadores de ensino fundamental no Rio de Janeiro”, incluindo o levantamento de dados etnográficos e a aplicação de um questionário ao final do treinamento.
Maternidade: entre o despreparo para a vida e a realização pessoal
Segundo Maria Luiza, o projeto é importante porque visa esclarecer educadores sobre inúmeros conceitos propagados pelo senso comum a respeito dessa realidade. Um exemplo é o pensamento que associa evasão escolar ao evento da gravidez adolescente (considerada como a que ocorre até os 20 anos incompletos), pensamento geralmente reforçado pela mídia. A Pesquisa Gravad ajuda a desconstruir este mito: segundo o estudo, a gravidez seguida do nascimento do filho ocorre, na maioria das vezes, quando os jovens já não estão mais na escola. É o caso de aproximadamente 40% das moças e de 48% dos rapazes com até 19 anos de idade entre os quase 5 mil jovens entrevistados; 15% do total das jovens entrevistadas relataram ter sido mães antes dos 15 anos. E, de acordo com a pesquisa, estas moças abandonam os estudos porque, para elas, ter um filho é uma realização pessoal. “Essas moças, normalmente pertencentes às camadas populares, vivem em situação de exclusão social. Têm mães que trabalham fora, por isso têm que cuidar dos irmãos menores. Assim, uma série de fatores faz com que, para elas, ter um filho seja uma realização pessoal. E geralmente os eventos de gravidez na adolescência nessas camadas sociais acabam em união, mesmo que esta se dissolva depois. É claro que o ideal é que este período esteja reservado para a escolarização. Por sua vez, quando essa experiência ocorre com jovens da classe média, a visão da família é que eles não precisem casar e continuem os estudos”, diz a antropóloga.
A pesquisa também afasta o mito de que as jovens engravidam logo na primeira relação: a maioria dos entrevistados (70%) declarou uso de proteção e/ou contracepção na primeira relação sexual. “Esta taxa decai com o decorrer do relacionamento uma vez que os parceiros ‘ganham confiança’ entre si”, explica Maia Luiza. O uso do preservativo na primeira relação, no entanto, não está vinculado à prevenção de um evento de gravidez. O uso da camisinha ainda está muito vinculado à Aids.
A Pesquisa Gravad investigou o lado oculto das questões ligadas à gravidez na adolescência, como a participação dos rapazes, seja no uso do preservativo, seja na escolha do método contraceptivo. “Esta é uma responsabilidade que não é dividida”, ressalta a pesquisadora. Por isso, a paternidade adolescente é também abordada no manual para os professores.
“Outro elemento ausente do debate sobre gravidez na adolescência é que muitas jovens não têm acesso à contracepção de emergência, à informação e à medicação, o que poderia resolver a questão. A responsabilidade recai sempre sobre a jovem, ignorando-se a responsabilidade do Estado. Em nosso país, ainda faltam políticas de saúde relativas á contracepção para as adolescentes”, critica a antropóloga.
A Pesquisa Gravad originou o livro “O Aprendizado da Sexualidade”, que reúne os resultados do estudo.