CLAM – ES

Religión y homofobia

Um estudo desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) revela que há posições diferentes quanto à homossexualidade e ao acolhimento de pessoas LGBT nas igrejas, mesmo entre líderes de uma mesma denominação religiosa, a despeito da tendência do movimento de homogeneizar tais posições. A pesquisa, intitulada “Homofobia e violência: um estudo sobre os discursos e as ações das tradições religiosas brasileiras em relação aos GLBT” e financiada pelo Ministério da Saúde, teve como objetivo apreender as percepções das lideranças de cinco religiões – católica, evangélica, espírita, afro-brasileira e judaica – e as carreiras sexuais de fiéis LGBT, com o propósito de fornecer subsídios para as ações de prevenção à homofobia e à violência contra esses segmentos sociais.

“Nossa idéia era conhecer as percepções acerca da diversidade sexual e suas possíveis associações com a homofobia e a violência e identificar as concepções de sexualidade e de gênero no discurso das lideranças religiosas”, afirma a socióloga Maria das Dores Campos Machado, coordenadora do projeto.

O estudo, realizado entre outubro de 2007 e outubro de 2008 (portanto, iniciado antes da decisão do movimento pela inversão das letras G e L), buscou levantar também as trajetórias de vida e carreiras sexuais dos adeptos e adeptas de tais religiões que fazem sexo com pessoas do mesmo sexo. Na entrevista a seguir, Maria das Dores Machado fala dos resultados da pesquisa. Segundo ela, o que se observou é que a Igreja Católica, por exemplo, vem trabalhando no sentido de adaptar-se à realidade cultural contemporânea. Verificou-se também, na umbanda e no candomblé, uma certa desvalorização das travestis e das/dos transexuais, assim como a dificuldade em se aceitar o casamento religioso de parceiros do mesmo sexo, apesar dessas tradições de matriz afro serem consideradas mais abertas e acolhedoras.

Como a diversidade sexual está colocada pelas diversas entidades religiosas pesquisadas?

Identificamos tendências mais ou menos abertas e mais ou menos contraditórias para responder às questões sobre sexualidade de uma forma mais geral e, em particular, sobre a homossexualidade e às idéias de igualdade de direitos. As tradições religiosas, como portadoras de uma moral e representantes de uma «verdade» eclesiástica, possuem significativa capacidade de influência nas diferentes esferas da vida social brasileira. Nesse sentido, os líderes religiosos direcionam os fiéis a partir de concepções de gênero, família e sexualidade, expressando, ainda que implicitamente, uma posição frente aos movimentos LGBT. A diversidade sexual, quando posta por estes movimentos na agenda de discussão dos direitos humanos e sexuais, faz com que as distintas entidades religiosas se manifestem frente ao tema.

E como tais entidades se manifestam?

Encontramos uma certa unanimidade quanto à valorização da monogamia e uma tentativa de normatizar as relações homoafetivas, mesmo entre aqueles que dizem estarem abertos para o acolhimento de gays e lésbicas e que se colocam favoráveis aos direitos para os homossexuais. A promiscuidade aparece como o elemento contrário ao padrão monogâmico de casamento. Num jogo de acusações espelhado, as lideranças consideradas homofóbicas acusam os movimentos LGBT de agressivos e autoritários. Em relação aos fiéis, os resultados apontam para a influência das religiões, que buscam, de forma diferenciada, o controle da sexualidade e das relações afetivas de seus fiéis, nos modelos de subjetividades masculinas e femininas. Essas normas, geralmente construídas a partir de uma cultura heterossexual, tensionam os desejos e valores dos fiéis com orientações sexuais alternativas, que lançam mão de recursos diversos para permanecer no grupo religioso e desenvolver sua sexualidade. Os depoimentos indicam ainda que a capacidade de interferência de algumas instituições religiosas nas esferas moral e até mesmo jurídica favorece a violência simbólica contra os gays e as lésbicas que participam do grupo e a disseminação de práticas homofóbicas na sociedade.

O que é mais recorrente em relação à sexualidade nos discursos das lideranças religiosas?

A análise dos discursos das lideranças religiosas revela a importância das perspectivas naturalistas nas percepções da sexualidade e nas ações junto aos sujeitos sexuais. Nesse sentido, a natureza da pessoa humana é um eixo fundamental que distingue o princípio no qual os enunciados estão baseados. Percebemos duas raízes de onde partem os discursos. Uma entende o homem a partir da idéia básica de natureza humana, percebida em sua dualidade: corpo e alma, corpo e espírito, corpo e psiquismo. E, na qual, o sexo é visto como natureza. Estas dualidades podem ser percebidas em um mesmo discurso que ora enfatiza o aspecto mais religioso e doutrinário, ora enfatiza o discurso psicologizado ou mesmo científico. Encontramos neste conjunto, tanto discursos mais radicais contra a homossexualidade (doença e pecado) quanto mais propensos ao acolhimento e à compreensão da diferença.

Uma outra vertente parte de uma idéia da natureza social do ser humano. Este é percebido em sociedade e, diferentemente de uma natureza corpórea imutável, o ser social é, basicamente, um ser contextualizado, que se modifica. Neste conjunto de discursos procura-se, também, a doutrina, mas, neste caso, para pensar e agir sobre as questões postas hoje pela sociedade, como a diversidade sexual. Os líderes que expressam de forma mais clara esta tendência em seus discursos argumentam que as doutrinas devem ser relidas e, nesta releitura, a substância encontrada é o amor, que desconsidera as diferentes orientações sexuais. Portanto, buscam adequar-se às mudanças sociais, colocando a necessidade de voltar aos textos doutrinários e religiosos para dar conta da realidade contemporânea. Assim, identificamos tendências mais ou menos abertas e mais ou menos contraditórias para responder às questões sobre sexualidade de uma forma mais geral e, em particular, sobre a homossexualidade e às idéias de igualdade de direitos.

Entretanto, parece existir uma recorrência em todos os discursos que tratam da natureza humana: enquanto o sexo e a sexualidade são compreendidos como próprios da condição humana, o discurso sobre a homossexualidade está associado à particularidade dos indivíduos, na qual cabe a idéia de opção e de escolha, de doença e de pecado, de acordo com as diferentes interpretações religiosas. De qualquer maneira, chama a atenção o fato de que esse substrato comum, o naturalismo, não resulta em uma univocidade de posições em relação ao tema das sexualidades alternativas e dos direitos sexuais.

Mesmo na Igreja Católica?

Sim, mesmo no grupo religioso hegemônico em nossa sociedade, o de tradição católica, no qual existe uma organização centralizada e fortemente hierarquizada, constatou-se a existência de um processo de reinterpretação da sexualidade humana com o intuito de adequar a tradição católica ao contexto contemporâneo. A postura mais tradicionalista e refratária às demandas dos movimentos LGBT foi identificada na fala de um leigo que lidera o Movimento de Renovação Carismática. Por outro lado, a posição mais dissonante em relação às colocações do Vaticano foi a de um sacerdote jesuíta, que não só realiza celebrações e debates com gays e lésbicas católicos, como também vem participando ativamente do debate público mediante a publicação de artigos em jornais de grande circulação no Estado e em revistas especializadas.

As atitudes pastorais em relação aos integrantes dos coletivos LGBT mais freqüentemente identificadas foram de acolhimento, compaixão, misericórdia, amor, caridade, entre outras. Nesse sentido, deve-se registrar que a ênfase no sofrimento dos fiéis que integram as comunidades sexuais marginalizadas favorece a comunicação e a flexibilização das normas no dia a dia das paróquias ou dos grupos comunitários. Contudo, a orientação pastoral aos que buscam ajuda é de que se deve manter a castidade, procurar ajuda psicológica e viver a sexualidade com responsabilidade – monogamia e relações estáveis. De qualquer maneira, se o discurso sobre o indivíduo homossexual enfatiza o sofrimento e a atitude de misericórdia a ser assumida pelos religiosos, o movimento social LGBT, enquanto ator coletivo, é visto como agressivo e autoritário, despertando muita apreensão entre os entrevistados.

E como a questão é percebida entre os evangélicos?

Na tradição evangélica, verificou-se que, embora o apego à heteronormatividade seja mais acentuado entre os pentecostais, não existe uma forma única de interpretação da homossexualidade e nem de lidar com os homossexuais que procuram as igrejas, seja entre esses segmentos seja entre os históricos. Nesse sentido, constatou-se que são as lideranças das comunidades religiosas com sistemas de distribuição de autoridade mais assimétricos em relação aos gêneros que apresentam maior rejeição aos comportamentos e estilos de vida dos segmentos LGBT.

Entre os evangélicos históricos, foram encontradas concepções distintas da sexualidade humana e da homossexualidade, assim como maneiras díspares de lidar com as demandas dos integrantes dos movimentos pela diversidade sexual. Embora os líderes enfatizem que a sexualidade não se encontre mais diretamente relacionada à dimensão da procriação, revelam visões distintas sobre o exercício da mesma em função de seus laços com as matrizes teológicas luterana e calvinista. Nesse sentido, constatou-se que a atuação do movimento LGBT na sociedade brasileira começa a produzir tensões e rupturas nas comunidades confessionais, nas quais algumas lideranças vêm demonstrando maior abertura para o diálogo com as subculturas sexuais.

No espectro pentecostal, observou-se a tendência das lideranças a apresentarem uma leitura mais literal da bíblia e de valorizarem o Antigo Testamento. Com isso, as percepções sobre a sexualidade apresentam alguns pontos de contato com aquelas emitidas pela liderança judaica ortodoxa que enfatiza a fidelidade aos fundamentos de sua tradição que se encontram nesse livro sagrado. Contudo, existem nuanças também entre os pentecostais com algumas lideranças ressaltando fatores espirituais e outras destacando fatores biológicos e psicológicos, assim como “problemas de caráter”, isto é, fatores morais, em suas reflexões sobre as causas da homossexualidade.

As atitudes pastorais em relação aos fiéis homossexuais que foram mencionadas mais frequentemente foram: o aconselhamento e o interdito a cargos eclesiásticos e outras formas de representação do grupo confessional. E a orientação pastoral a esses sujeitos sexuais é a de que devem obedecer às leis de Deus e alimentar o espírito – castidade e canalização da sexualidade para o matrimônio, segundo o paradigma heterossexual.

E qual é o discurso das lideranças espíritas em relação aos sujeitos com práticas sexuais alternativas ao padrão hegemônico?

Os espíritas destacam-se, nessa pesquisa, por apresentarem uma configuração religiosa nascida de um diálogo entre a esfera religiosa e a científica, característica que vai influenciar seu discurso A cosmologia dessa tradição faz com que a homossexualidade seja pensada na chave da reencarnação e do processo de evolução dos espíritos. E, nessa perspectiva, a idéia de ajuste de contas com as vidas passadas é central na explicação das múltiplas formas da sexualidade e na ênfase ao tratamento caridoso, respeitoso e digno aos sujeitos sexuais, independente da orientação sexual. Isso não impede que algumas lideranças se mostrem mais restritivas do que outras no trato com o público LGBT e nem deve ser interpretado como um questionamento da ordem heteronormativa. Pois, aqui, como nas demais tradições religiosas, a concepção do sistema gênero baseia-se no paradigma da heterossexualidade e os atores coletivos que lutam pela diversidade sexual despertam temor nos líderes. De qualquer maneira, deve se registrar que, nesse subconjunto, também se verificou a tendência de releitura dos ensinamentos com uma das lideranças trabalhando no sentido de adaptá-los à realidade cultural contemporânea.

É dito que em religiões de matriz afro, como umbanda e candomblé, a diversidade sexual é bem mais aceita. Isto é uma verdade?

Na tradição afro-brasileira, foram identificadas distinções nas concepções de sexualidade e de homossexualidade, assim como na maneira de lidar com os sujeitos sexuais. Essas distinções resultam da matriz religiosa da umbanda, que incorpora elementos das religiões afro, do kardecismo e do próprio catolicismo. Nesse sentido, observa-se uma maior moralidade por parte desse braço da tradição afro-brasileira do que no candomblé, embora nessa última também tenha se constatado a preocupação de controlar as performances dos homossexuais dentro do terreiro e, mais especialmente, durante os cultos. Verificou-se, nos dois subconjuntos, a desvalorização das travestis e dos transexuais, assim como a dificuldade em se aceitar o casamento religioso de parceiros do mesmo sexo. Seguindo a tendência identificada entre os setores mais abertos ao diálogo com as múltiplas identidades e discursos dos atores coletivos, os religiosos da tradição afro-brasileira também criticam a promiscuidade e estimulam seus filhos-de-santo e consulentes homossexuais a estabelecerem relações monogâmicas.

E como a diversidade sexual é vista pela tradição judaica, população historicamente marcada por uma forte discriminação de raça/etnia?

A tradição judaica, que apresenta uma forte dimensão étnica, demonstra uma grande resistência para debater as formas de sexualidades alternativas ao padrão heterossexual. Mesmo no segmento liberal, o discurso é calcado na heteronormatividade, observando, ainda, uma tendência de caracterizar a homossexualidade como um desvio de conduta do indivíduo e de encaminhar os membros da sua comunidade com estas práticas para os psicólogos e psiquiatras. De qualquer maneira, os rabinos percebem esses comportamentos como desvios de cunho individual e que, por esta razão, devem ser trabalhados individualmente. Demonstram também certa dificuldade de dialogar com os coletivos LGBT, ainda que aceitem a proposta de união civil de parceiros do mesmo sexo.

Em geral, há uma tendência de os membros dos diversos coletivos LGBT de enxergarem as posições religiosas como homofóbicas. As lideranças religiosas se vêem como tal?

A maioria dos entrevistados, independentemente da tradição, não interpreta a atuação de seu próprio grupo como homofóbica, aqui associada à violência física contra os sujeitos sexuais, atitudes que todos eles condenam. De modo geral, defendem o direito dos religiosos de interpretarem as múltiplas formas da sexualidade com base em suas doutrinas e expressar livremente essa percepção junto à opinião pública brasileira. Nesse sentido, assim como os movimentos LGBT tendem a homogeneizar as posições dos grupos religiosos, apresentando-os como homofóbicos, os dirigentes desses grupos desqualificam aqueles coletivos, representando-os como autoritários, uma vez que pretendem criminalizar a homofobia.

Mesmo os discursos mais liberais dentro dessas religiões?

É interessante destacar ainda que os discursos mais liberais nas diferentes tradições apontam para a criação de uma nova normatização para as subculturas sexuais. Encontramos uma unanimidade quanto à valorização da monogamia, mesmo entre aqueles que dizem estarem abertos para o acolhimento de gays e lésbicas e que se colocam favoráveis aos direitos para os homossexuais. A promiscuidade aparece como o elemento contrário ao padrão monogâmico de casamento. A monogamia representa a normalidade e os padrões de comportamento aceitos segundo os quais se espera um decoro nos espaços públicos e religiosos em particular. Esta dicotomia monogamia/promiscuidade aparece, também, com o segundo termo sendo substituído por poligamia, cabendo a esta categoria a condição de natureza, uma vez que a monogamia representa contenção e, portanto, estaria na ordem da cultura: “somos poligâmicos por natureza”.

A pesquisa buscou investigar também o outro lado, isto é, os adeptos e adeptas de tais religiões que fazem sexo com pessoas do mesmo sexo. Há um conflito entre o pertencimento religioso e suas carreiras sexuais?

No que se refere à análise das histórias de vida dos fiéis, estas permitem aprofundar alguns pontos de comparação entre as tradições religiosas. Esses pontos abordam o tema central da pesquisa, que é o cruzamento entre identidades homossexuais, carreiras homossexuais e pertencimento religioso. Nesse sentido, na tradição afro-brasileira ganhou destaque a dimensão de separação entre o decoro na vida ritual e a esfera da vida íntima de cada fiel, com a demonstração de regras rígidas em relação ao comportamento de homens e mulheres durante as celebrações. Os fiéis apontaram em seus discursos a presença de uma vigilância constante das fronteiras entre o mundo externo e o mundo do espaço sagrado, como duas ordens que, embora se comuniquem, não devem se confundir. Essa preocupação em delimitar as esferas de atuação dos sujeitos sexuais foi identificada na fala das lideranças, que embora apresentem a sua casa, sítio ou terreiro como abertos aos homens sexuais, revelam certa ambivalência em relação à participação desse segmento nos cultos.

Nas trajetórias espíritas, apareceu com força a tensão entre livre arbítrio e determinação, oferecendo-se ao praticante espírita certa margem de manobra em relação as suas “escolhas sexuais”. Em termos comparativos, o espiritismo é a religião que mais difunde entre os fiéis um ambiente de auto-reflexão permanente. Ambiente que conjuga três elementos para a construção das narrativas afetivas e sexuais pessoais: o mundo dos espíritos, a livre escolha terrena e o encontro do amor verdadeiro. A construção de um roteiro de vida homossexual implica na articulação dessa combinação.

Nas trajetórias judaicas, ficou explícita a completa dissociação entre pertencer à comunidade judaica e assumir uma identidade homossexual. Entre os judeus entrevistados, estabeleceu-se uma completa dissonância entre esses processos. A identidade judaica, embora questionada em vários aspectos, sobretudo em sua dimensão propriamente religiosa, é um atributo do qual não se pode escapar, pois se está ligado a ele inexoravelmente pelos laços familiares consangüíneos, pelas experiências da socialização primária e pelo encontro cotidiano com não-judeus (como a própria entrevista). A carreira homossexual e a identidade homossexual passam por outros condicionantes. Seu caráter negociado ao longo da vida é ressaltado. Mesmo que em um dos casos, o entrevistado tenha apresentado uma visão essencialista de sua própria homossexualidade, argumentando que ele sempre foi assim e que acredita que a homossexualidade está inserida em sua constituição biológica, ele também afirma que chegou a essa conclusão depois de pesquisar muito sobre o tema, ou seja, a própria essência requer uma elaboração pessoal, amparada em leituras de psicologia, psiquiatria e medicina.

Em termos de relação entre os fiéis e as instituições religiosas se destacam que: nas tradições religiosas onde o poder é mais descentralizado, como nas espírita e afro-brasileiras, há maior peso na relação pessoal entre o fiel e a liderança. Os conflitos, por sua vez, são estabelecidos nas interações entre o fiel homossexual e a liderança e/ou outros membros da entidade. Já nos grupos confessionais em que a forma de governo é mais centralizada, os conflitos são estabelecidos com a própria instituição e não tanto frente a outros fiéis ou lideranças individuais. O que, certamente, favorece a migração daqueles que questionam as regras institucionais para um grupo ou igreja “inclusiva” no seio da tradição antes freqüentada. A “inclusão”, nesse caso, assume uma forma institucional, ou seja, a reflexão em torno da conjugação entre religião e homossexualidade passa, não pela interpretação do fiel como indivíduo, mas pela formulação de uma estratégia coletiva de pertencimento religioso institucional compatível com a homossexualidade. Temos, portanto, esferas de negociação distintas para os conflitos advindos da relação entre professar uma fé e elaborar uma carreira e uma identidade homossexual.

Atualmente observa-se um crescimento no número de igrejas mais “inclusivas”. Estas seriam a solução para esse conflito?

Constatamos, por parte dos(as) fiéis homossexuais uma ênfase na busca por um espaço de aceitação da homossexualidade no interior das Igrejas, com a presença de estratégias mais claras de enfrentamento ao preconceito na vivência religiosa. Nesse sentido, verificou-se a criação de grupos e mesmo de “igrejas inclusivas”, assim como foram constantes as referências dos próprios fiéis à busca por “acolhimento” e a expectativa de virem a ser aceitos em suas tradições religiosas. A entrada em grupos e igrejas inclusivas revelou-se para esses fiéis como uma possibilidade concreta de harmonizar dois traços significativos de suas vidas pessoais, a participação congregacional com a manutenção e explicitação da orientação sexual. Os dilemas enfrentados em relação a ter que esconder da comunidade religiosa sua homossexualidade são aliviados no contexto da entrada em paróquias e igrejas que contam com lideranças religiosas mais receptivas aos homossexuais. Um estudo desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) revela que há posições diferentes quanto à homossexualidade e ao acolhimento de pessoas LGBT nas igrejas, mesmo entre líderes de uma mesma denominação religiosa, a despeito da tendência do movimento de homogeneizar tais posições. A pesquisa, intitulada “Homofobia e violência: um estudo sobre os discursos e as ações das tradições religiosas brasileiras em relação aos GLBT” e financiada pelo Ministério da Saúde, teve como objetivo apreender as percepções das lideranças de cinco religiões – católica, evangélica, espírita, afro-brasileira e judaica – e as carreiras sexuais de fiéis LGBT, com o propósito de fornecer subsídios para as ações de prevenção à homofobia e à violência contra esses segmentos sociais.

“Nossa idéia era conhecer as percepções acerca da diversidade sexual e suas possíveis associações com a homofobia e a violência e identificar as concepções de sexualidade e de gênero no discurso das lideranças religiosas”, afirma a socióloga Maria das Dores Campos Machado, coordenadora do projeto.

O estudo, realizado entre outubro de 2007 e outubro de 2008 (portanto, iniciado antes da decisão do movimento pela inversão das letras G e L), buscou levantar também as trajetórias de vida e carreiras sexuais dos adeptos e adeptas de tais religiões que fazem sexo com pessoas do mesmo sexo. Na entrevista a seguir, Maria das Dores Machado fala dos resultados da pesquisa. Segundo ela, o que se observou é que as religiões enfocadas pelo estudo vêm trabalhando no sentido de adaptar-se à realidade cultural contemporânea. Verificou-se também, na umbanda e no candomblé, uma certa desvalorização das travestis e das/dos transexuais, assim como a dificuldade em se aceitar o casamento religioso de parceiros do mesmo sexo, apesar dessas tradições de matriz afro serem consideradas mais abertas e acolhedoras.

Como a diversidade sexual está colocada pelas diversas entidades religiosas pesquisadas?

Identificamos tendências mais ou menos abertas e mais ou menos contraditórias para responder às questões sobre sexualidade de uma forma mais geral e, em particular, sobre a homossexualidade e às idéias de igualdade de direitos. As tradições religiosas, como portadoras de uma moral e representantes de uma «verdade» eclesiástica, possuem significativa capacidade de influência nas diferentes esferas da vida social brasileira. Nesse sentido, os líderes religiosos direcionam os fiéis a partir de concepções de gênero, família e sexualidade, expressando, ainda que implicitamente, uma posição frente aos movimentos LGBT. A diversidade sexual, quando posta por estes movimentos na agenda de discussão dos direitos humanos e sexuais, faz com que as distintas entidades religiosas se manifestem frente ao tema.

E como tais entidades se manifestam?

Encontramos uma certa unanimidade quanto à valorização da monogamia e uma tentativa de normatizar as relações homoafetivas, mesmo entre aqueles que dizem estarem abertos para o acolhimento de gays e lésbicas e que se colocam favoráveis aos direitos para os homossexuais. A promiscuidade aparece como o elemento contrário ao padrão monogâmico de casamento. Num jogo de acusações espelhado, as lideranças consideradas homofóbicas acusam os movimentos LGBT de agressivos e autoritários. Em relação aos fiéis, os resultados apontam para a influência das religiões, que buscam, de forma diferenciada, o controle da sexualidade e das relações afetivas de seus fiéis, nos modelos de subjetividades masculinas e femininas. Essas normas, geralmente construídas a partir de uma cultura heterossexual, tensionam os desejos e valores dos fiéis com orientações sexuais alternativas, que lançam mão de recursos diversos para permanecer no grupo religioso e desenvolver sua sexualidade. Os depoimentos indicam ainda que a capacidade de interferência de algumas instituições religiosas nas esferas moral e até mesmo jurídica favorece a violência simbólica contra os gays e as lésbicas que participam do grupo e a disseminação de práticas homofóbicas na sociedade.

O que é mais recorrente em relação à sexualidade nos discursos das lideranças religiosas?

A análise dos discursos das lideranças religiosas revela a importância das perspectivas naturalistas nas percepções da sexualidade e nas ações junto aos sujeitos sexuais. Nesse sentido, a natureza da pessoa humana é um eixo fundamental que distingue o princípio no qual os enunciados estão baseados. Percebemos duas raízes de onde partem os discursos. Uma entende o homem a partir da idéia básica de natureza humana, percebida em sua dualidade: corpo e alma, corpo e espírito, corpo e psiquismo. E, na qual, o sexo é visto como natureza. Estas dualidades podem ser percebidas em um mesmo discurso que ora enfatiza o aspecto mais religioso e doutrinário, ora enfatiza o discurso psicologizado ou mesmo científico. Encontramos neste conjunto, tanto discursos mais radicais contra a homossexualidade (doença e pecado) quanto mais propensos ao acolhimento e à compreensão da diferença.

Uma outra vertente parte de uma idéia da natureza social do ser humano. Este é percebido em sociedade e, diferentemente de uma natureza corpórea imutável, o ser social é, basicamente, um ser contextualizado, que se modifica. Neste conjunto de discursos procura-se, também, a doutrina, mas, neste caso, para pensar e agir sobre as questões postas hoje pela sociedade, como a diversidade sexual. Os líderes que expressam de forma mais clara esta tendência em seus discursos argumentam que as doutrinas devem ser relidas e, nesta releitura, a substância encontrada é o amor, que desconsidera as diferentes orientações sexuais. Portanto, buscam adequar-se às mudanças sociais, colocando a necessidade de voltar aos textos doutrinários e religiosos para dar conta da realidade contemporânea. Assim, identificamos tendências mais ou menos abertas e mais ou menos contraditórias para responder às questões sobre sexualidade de uma forma mais geral e, em particular, sobre a homossexualidade e às idéias de igualdade de direitos.

Entretanto, parece existir uma recorrência em todos os discursos que tratam da natureza humana: enquanto o sexo e a sexualidade são compreendidos como próprios da condição humana, o discurso sobre a homossexualidade está associado à particularidade dos indivíduos, na qual cabe a idéia de opção e de escolha, de doença e de pecado, de acordo com as diferentes interpretações religiosas. De qualquer maneira, chama a atenção o fato de que esse substrato comum, o naturalismo, não resulta em uma univocidade de posições em relação ao tema das sexualidades alternativas e dos direitos sexuais.

Mesmo na Igreja Católica?

Sim, mesmo no grupo religioso hegemônico em nossa sociedade, o de tradição católica, no qual existe uma organização centralizada e fortemente hierarquizada, constatou-se a existência de um processo de reinterpretação da sexualidade humana com o intuito de adequar a tradição católica ao contexto contemporâneo. A postura mais tradicionalista e refratária às demandas dos movimentos LGBT foi identificada na fala de um leigo que lidera o Movimento de Renovação Carismática. Por outro lado, a posição mais dissonante em relação às colocações do Vaticano foi a de um sacerdote jesuíta, que não só realiza celebrações e debates com gays e lésbicas católicos, como também vem participando ativamente do debate público mediante a publicação de artigos em jornais de grande circulação no Estado e em revistas especializadas.

As atitudes pastorais em relação aos integrantes dos coletivos LGBT mais freqüentemente identificadas foram de acolhimento, compaixão, misericórdia, amor, caridade, entre outras. Nesse sentido, deve-se registrar que a ênfase no sofrimento dos fiéis que integram as comunidades sexuais marginalizadas favorece a comunicação e a flexibilização das normas no dia a dia das paróquias ou dos grupos comunitários. Contudo, a orientação pastoral aos que buscam ajuda é de que se deve manter a castidade, procurar ajuda psicológica e viver a sexualidade com responsabilidade – monogamia e relações estáveis. De qualquer maneira, se o discurso sobre o indivíduo homossexual enfatiza o sofrimento e a atitude de misericórdia a ser assumida pelos religiosos, o movimento social LGBT, enquanto ator coletivo, é visto como agressivo e autoritário, despertando muita apreensão entre os entrevistados.

E como a questão é percebida entre os evangélicos?

Na tradição evangélica, verificou-se que, embora o apego à heteronormatividade seja mais acentuado entre os pentecostais, não existe uma forma única de interpretação da homossexualidade e nem de lidar com os homossexuais que procuram as igrejas, seja entre esses segmentos seja entre os históricos. Nesse sentido, constatou-se que são as lideranças das comunidades religiosas com sistemas de distribuição de autoridade mais assimétricos em relação aos gêneros que apresentam maior rejeição aos comportamentos e estilos de vida dos segmentos LGBT.

Entre os evangélicos históricos, foram encontradas concepções distintas da sexualidade humana e da homossexualidade, assim como maneiras díspares de lidar com as demandas dos integrantes dos movimentos pela diversidade sexual. Embora os líderes enfatizem que a sexualidade não se encontre mais diretamente relacionada à dimensão da procriação, revelam visões distintas sobre o exercício da mesma em função de seus laços com as matrizes teológicas luterana e calvinista. Nesse sentido, constatou-se que a atuação do movimento LGBT na sociedade brasileira começa a produzir tensões e rupturas nas comunidades confessionais, nas quais algumas lideranças vêm demonstrando maior abertura para o diálogo com as subculturas sexuais.

No espectro pentecostal, observou-se a tendência das lideranças a apresentarem uma leitura mais literal da bíblia e de valorizarem o Antigo Testamento. Com isso, as percepções sobre a sexualidade apresentam alguns pontos de contato com aquelas emitidas pela liderança judaica ortodoxa que enfatiza a fidelidade aos fundamentos de sua tradição que se encontram nesse livro sagrado. Contudo, existem nuanças também entre os pentecostais com algumas lideranças ressaltando fatores espirituais e outras destacando fatores biológicos e psicológicos, assim como “problemas de caráter”, isto é, fatores morais, em suas reflexões sobre as causas da homossexualidade.

As atitudes pastorais em relação aos fiéis homossexuais que foram mencionadas mais frequentemente foram: o aconselhamento e o interdito a cargos eclesiásticos e outras formas de representação do grupo confessional. E a orientação pastoral a esses sujeitos sexuais é a de que devem obedecer às leis de Deus e alimentar o espírito – castidade e canalização da sexualidade para o matrimônio, segundo o paradigma heterossexual.

E qual é o discurso das lideranças espíritas em relação aos sujeitos com práticas sexuais alternativas ao padrão hegemônico?

Os espíritas destacam-se, nessa pesquisa, por apresentarem uma configuração religiosa nascida de um diálogo entre a esfera religiosa e a científica, característica que vai influenciar seu discurso A cosmologia dessa tradição faz com que a homossexualidade seja pensada na chave da reencarnação e do processo de evolução dos espíritos. E, nessa perspectiva, a idéia de ajuste de contas com as vidas passadas é central na explicação das múltiplas formas da sexualidade e na ênfase ao tratamento caridoso, respeitoso e digno aos sujeitos sexuais, independente da orientação sexual. Isso não impede que algumas lideranças se mostrem mais restritivas do que outras no trato com o público LGBT e nem deve ser interpretado como um questionamento da ordem heteronormativa. Pois, aqui, como nas demais tradições religiosas, a concepção do sistema gênero baseia-se no paradigma da heterossexualidade e os atores coletivos que lutam pela diversidade sexual despertam temor nos líderes. De qualquer maneira, deve se registrar que, nesse subconjunto, também se verificou a tendência de releitura dos ensinamentos com uma das lideranças trabalhando no sentido de adaptá-los à realidade cultural contemporânea.

É dito que em religiões de matriz afro, como umbanda e candomblé, a diversidade sexual é bem mais aceita. Isto é uma verdade?

Na tradição afro-brasileira, foram identificadas distinções nas concepções de sexualidade e de homossexualidade, assim como na maneira de lidar com os sujeitos sexuais. Essas distinções resultam da matriz religiosa da umbanda, que incorpora elementos das religiões afro, do kardecismo e do próprio catolicismo. Nesse sentido, observa-se uma maior moralidade por parte desse braço da tradição afro-brasileira do que no candomblé, embora nessa última também tenha se constatado a preocupação de controlar as performances dos homossexuais dentro do terreiro e, mais especialmente, durante os cultos. Verificou-se, nos dois subconjuntos, a desvalorização das travestis e dos transexuais, assim como a dificuldade em se aceitar o casamento religioso de parceiros do mesmo sexo. Seguindo a tendência identificada entre os setores mais abertos ao diálogo com as múltiplas identidades e discursos dos atores coletivos, os religiosos da tradição afro-brasileira também criticam a promiscuidade e estimulam seus filhos-de-santo e consulentes homossexuais a estabelecerem relações monogâmicas.

E como a diversidade sexual é vista pela tradição judaica, população historicamente marcada por uma forte discriminação de raça/etnia?

A tradição judaica, que apresenta uma forte dimensão étnica, demonstra uma grande resistência para debater as formas de sexualidades alternativas ao padrão heterossexual. Mesmo no segmento liberal, o discurso é calcado na heteronormatividade, observando, ainda, uma tendência de caracterizar a homossexualidade como um desvio de conduta do indivíduo e de encaminhar os membros da sua comunidade com estas práticas para os psicólogos e psiquiatras. De qualquer maneira, os rabinos percebem esses comportamentos como desvios de cunho individual e que, por esta razão, devem ser trabalhados individualmente. Demonstram também certa dificuldade de dialogar com os coletivos LGBT, ainda que aceitem a proposta de união civil de parceiros do mesmo sexo.

Em geral, há uma tendência de os membros dos diversos coletivos LGBT de enxergarem as posições religiosas como homofóbicas. As lideranças religiosas se vêem como tal?

A maioria dos entrevistados, independentemente da tradição, não interpreta a atuação de seu próprio grupo como homofóbica, aqui associada à violência física contra os sujeitos sexuais, atitudes que todos eles condenam. De modo geral, defendem o direito dos religiosos de interpretarem as múltiplas formas da sexualidade com base em suas doutrinas e expressar livremente essa percepção junto à opinião pública brasileira. Nesse sentido, assim como os movimentos LGBT tendem a homogeneizar as posições dos grupos religiosos, apresentando-os como homofóbicos, os dirigentes desses grupos desqualificam aqueles coletivos, representando-os como autoritários, uma vez que pretendem criminalizar a homofobia.

Mesmo os discursos mais liberais dentro dessas religiões?

É interessante destacar ainda que os discursos mais liberais nas diferentes tradições apontam para a criação de uma nova normatização para as subculturas sexuais. Encontramos uma unanimidade quanto à valorização da monogamia, mesmo entre aqueles que dizem estarem abertos para o acolhimento de gays e lésbicas e que se colocam favoráveis aos direitos para os homossexuais. A promiscuidade aparece como o elemento contrário ao padrão monogâmico de casamento. A monogamia representa a normalidade e os padrões de comportamento aceitos segundo os quais se espera um decoro nos espaços públicos e religiosos em particular. Esta dicotomia monogamia/promiscuidade aparece, também, com o segundo termo sendo substituído por poligamia, cabendo a esta categoria a condição de natureza, uma vez que a monogamia representa contenção e, portanto, estaria na ordem da cultura: “somos poligâmicos por natureza”.

A pesquisa buscou investigar também o outro lado, isto é, os adeptos e adeptas de tais religiões que fazem sexo com pessoas do mesmo sexo. Há um conflito entre o pertencimento religioso e suas carreiras sexuais?

No que se refere à análise das histórias de vida dos fiéis, estas permitem aprofundar alguns pontos de comparação entre as tradições religiosas. Esses pontos abordam o tema central da pesquisa, que é o cruzamento entre identidades homossexuais, carreiras homossexuais e pertencimento religioso. Nesse sentido, na tradição afro-brasileira ganhou destaque a dimensão de separação entre o decoro na vida ritual e a esfera da vida íntima de cada fiel, com a demonstração de regras rígidas em relação ao comportamento de homens e mulheres durante as celebrações. Os fiéis apontaram em seus discursos a presença de uma vigilância constante das fronteiras entre o mundo externo e o mundo do espaço sagrado, como duas ordens que, embora se comuniquem, não devem se confundir. Essa preocupação em delimitar as esferas de atuação dos sujeitos sexuais foi identificada na fala das lideranças, que embora apresentem a sua casa, sítio ou terreiro como abertos aos homens sexuais, revelam certa ambivalência em relação à participação desse segmento nos cultos.

Nas trajetórias espíritas, apareceu com força a tensão entre livre arbítrio e determinação, oferecendo-se ao praticante espírita certa margem de manobra em relação as suas “escolhas sexuais”. Em termos comparativos, o espiritismo é a religião que mais difunde entre os fiéis um ambiente de auto-reflexão permanente. Ambiente que conjuga três elementos para a construção das narrativas afetivas e sexuais pessoais: o mundo dos espíritos, a livre escolha terrena e o encontro do amor verdadeiro. A construção de um roteiro de vida homossexual implica na articulação dessa combinação.

Nas trajetórias judaicas, ficou explícita a completa dissociação entre pertencer à comunidade judaica e assumir uma identidade homossexual. Entre os judeus entrevistados, estabeleceu-se uma completa dissonância entre esses processos. A identidade judaica, embora questionada em vários aspectos, sobretudo em sua dimensão propriamente religiosa, é um atributo do qual não se pode escapar, pois se está ligado a ele inexoravelmente pelos laços familiares consangüíneos, pelas experiências da socialização primária e pelo encontro cotidiano com não-judeus (como a própria entrevista). A carreira homossexual e a identidade homossexual passam por outros condicionantes. Seu caráter negociado ao longo da vida é ressaltado. Mesmo que em um dos casos, o entrevistado tenha apresentado uma visão essencialista de sua própria homossexualidade, argumentando que ele sempre foi assim e que acredita que a homossexualidade está inserida em sua constituição biológica, ele também afirma que chegou a essa conclusão depois de pesquisar muito sobre o tema, ou seja, a própria essência requer uma elaboração pessoal, amparada em leituras de psicologia, psiquiatria e medicina.

Em termos de relação entre os fiéis e as instituições religiosas se destacam que: nas tradições religiosas onde o poder é mais descentralizado, como nas espírita e afro-brasileiras, há maior peso na relação pessoal entre o fiel e a liderança. Os conflitos, por sua vez, são estabelecidos nas interações entre o fiel homossexual e a liderança e/ou outros membros da entidade. Já nos grupos confessionais em que a forma de governo é mais centralizada, os conflitos são estabelecidos com a própria instituição e não tanto frente a outros fiéis ou lideranças individuais. O que, certamente, favorece a migração daqueles que questionam as regras institucionais para um grupo ou igreja “inclusiva” no seio da tradição antes freqüentada. A “inclusão”, nesse caso, assume uma forma institucional, ou seja, a reflexão em torno da conjugação entre religião e homossexualidade passa, não pela interpretação do fiel como indivíduo, mas pela formulação de uma estratégia coletiva de pertencimento religioso institucional compatível com a homossexualidade. Temos, portanto, esferas de negociação distintas para os conflitos advindos da relação entre professar uma fé e elaborar uma carreira e uma identidade homossexual.

Atualmente observa-se um crescimento no número de igrejas mais “inclusivas”. Estas seriam a solução para esse conflito?

Constatamos, por parte dos(as) fiéis homossexuais uma ênfase na busca por um espaço de aceitação da homossexualidade no interior das Igrejas, com a presença de estratégias mais claras de enfrentamento ao preconceito na vivência religiosa. Nesse sentido, verificou-se a criação de grupos e mesmo de “igrejas inclusivas”, assim como foram constantes as referências dos próprios fiéis à busca por “acolhimento” e a expectativa de virem a ser aceitos em suas tradições religiosas. A entrada em grupos e igrejas inclusivas revelou-se para esses fiéis como uma possibilidade concreta de harmonizar dois traços significativos de suas vidas pessoais, a participação congregacional com a manutenção e explicitação da orientação sexual. Os dilemas enfrentados em relação a ter que esconder da comunidade religiosa sua homossexualidade são aliviados no contexto da entrada em paróquias e igrejas que contam com lideranças religiosas mais receptivas aos homossexuais.

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