“A favela brasileira também é gay”, afirma Danillo Bittencourt, presidente da Central Única de Favelas (CUFA), organização civil sem fins lucrativos, que busca promover a integração e a inclusão social das comunidades da periferia. Gay e militante político, Danillo tem levantado a bandeira da diversidade sexual à organização, desde que assumiu o posto, em outubro do ano passado. Nos últimos meses, vários foram os passos concretos tomados nessa direção: a CUFA se tornou parceira da campanha Não Homofobia, anunciou a realização de um censo gay nas favelas e vem debatendo, através de um fórum na Internet, a criação de um grupo de rap formado exclusivamente por homossexuais – o Gangsta G.
“Aderir à campanha Não Homofobia é assumir um compromisso com a diversidade que, também, existe dentro das favelas. Com esse apoio estamos voltando nosso olhar para a diversidade. Assim como há negros em favelas, há brancos, há mulheres e há homossexuais”, explica Danillo.
O presidente da CUFA justifica em números a adesão da organização ao Projeto de Lei da Câmara 122/2006, que torna crime a homofobia: segundo dados do Grupo Gay da Bahia, somente em 2006, 88 homossexuais foram assassinados no país, sendo 61% gays, 37% travestis e 2% lésbicas. “Isso coloca o Brasil entre os campeões mundiais de crimes gerados pela homofobia. Ter lei para criminalizar algo é informar que somos homofóbicos, que precisamos de uma opção jurídica para nos defender”, destaca.
O rapper MV Bill, um dos fundadores da CUFA, também se somou à campanha, aderindo ao abaixo-assinado na Internet. No texto que publicou no site declarando seu apoio, o rapper chamou atenção para o fato de que as pessoas têm grande dificuldade em aceitar a homossexualidade e destacou que o preconceito pode ser multiplicado dependendo da realidade social do indivíduo: “Piora se for preto, aumenta se for pobre e isola se for da favela”, assevera.
Reconhecendo haver contradições no interior da própria cultura hip hop, que se apresenta como a principal forma de expressão da CUFA, MV Bill ressaltou que o movimento “luta contra o preconceito, mas escorrega ao lidar com a homossexualidade e a questão de gênero”. Assuntos que, por sua vez, serão abordados no documentário sobre minorias vítimas de preconceito, que o rapper está atualmente finalizando. No filme, serão exibidas imagens gravadas durante a 13ª Parada do Orgulho LGBT do Rio de Janeiro, realizada em outubro de 2008 em Copacabana.
Para Danillo, a escolha de seu nome para a presidência nacional da organização já foi, em si, um grande passo: “Acredito que, a partir daí, novos olhares se voltarão para o movimento e começaremos a pensar, no seio de nós mesmos, que existem pessoas com orientações diferentes das nossas ou da publicizada como ‘norma’ pela sociedade”.
É também o presidente da organização quem revela os planos do produtor Celso Athayde, outro fundador da CUFA, de lançar um grupo de rap homossexual. O Gangsta G, que acabou se tornando alvo de debate em um fórum na Internet, dividindo opiniões: enquanto alguns se mostram simpáticos à proposta, outros a rejeitam enfaticamente, indicando a existência de uma cultura fortemente machista e homofóbica.
Celso Athayde, no entanto, acredita que esta é uma boa oportunidade para o hip hop, que está comprometido com a luta por igualdade e com o fim dos preconceitos, exercer seu papel: “Eu não tenho medo de ser criticado. Medo eu tenho de um dia perder a coragem de ser um realizador e passar para o lado dos críticos depressivos, isso assim, seria o meu fim” desabafa o produtor, em entrevista ao site da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Nos Estados Unidos, cenário que aparentemente serviu de inspiração para a criação do Gangsta G, a banda de hip hop Rainbow Flava, de São Francisco, já mostrou que homossexualidade também pode rimar com rap. O grupo, criado em 1998, esteve nas paradas de sucesso no país e abriu caminho para um movimento mais amplo, batizado de “Homo Hop”, que busca conciliar hip hop e diversidade sexual. Uma das precursoras desse movimento, a organização internacional Phat Family hoje se dedica a produzir músicas e a promover eventos nos quais se apresentam rappers LGBT, tanto nos EUA como na Europa.
Mas enquanto o Gangsta G é, no Brasil, um projeto ainda de longo prazo, a CUFA está se mobilizando para, este ano, mapear a homossexualidade nas favelas de algumas das principais capitais do país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Brasília. Será a primeira pesquisa realizada no Brasil com o intuito de identificar quantos são e como vivem os gays na periferia dessas cidades. Com a sondagem, a organização pretende observar como estão organizados os/as homossexuais nas favelas e quais os tipos de preconceitos aos quais estão submetidos. Os questionários já estão sendo elaborados por sociólogos e outros profissionais.
Para Danillo, as informações obtidas através da pesquisa serão valiosas, pois poderão ajudar na elaboração de políticas públicas. “Enxergar a realidade dos e das homossexuais nas favelas brasileiras é o primeiro passo para mudanças”, afirma, acrescentando que “enquanto existirem cidadãos cujos direitos fundamentais não sejam respeitados em razão de discriminação por orientação sexual, raça, etnia, idade, credo religioso ou opinião política, não se poderá afirmar que a sociedade brasileira seja justa, igualitária, democrática e tolerante. Estamos construindo uma cultura de paz nas favelas de um Brasil que também é gay!”.
Em 2007, uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indagou aos entrevistados “Qual a sua relação com a pessoa responsável pelo domicílio?”. Mesmo a questão sendo considerada pouco objetiva por organizações que defendem os direitos LGBT, a sondagem, realizada apenas em municípios de até 170 mil habitantes, apontou haver cerca de 17 mil casais formados por pessoas do mesmo sexo, vivendo sob o mesmo teto. A enquête apontou que 0,02% dos homens forma par com outros homens, cifra que somou 0,01% entre as mulheres, segundo dados divulgados pelo jornal Correio Braziliense, em 28/12/2008.