A inconstitucionalidade da criminalização do aborto no Brasil foi o tema da apresentação do juiz de Direito José Henrique Rodrigues Torres (Fórum de Campinas, SP) na Reunião Técnico-Científica sobre o Aborto Medicamentoso no Brasil, realizada pela Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR/Cebrap), nos dias 15 e 16 de outubro. Segundo ele, embora o aborto seja tipificado como crime no Código Penal do país – exceto em casos de estupro ou quando a gravidez oferece risco de morte à mulher – a legislação não pode criar uma figura criminosa que contrarie princípios constitucionais.
“A manutenção da criminalização do aborto é incompatível não só com o sistema de proteção aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres – constituído nas Conferências nas quais o Brasil é signatário, como Cairo (1994) e Beijing (1995), e nos Comitês CEDAW e da ONU (2005) – mas principalmente com os princípios limitadores da criminalização, como o princípio da idoneidade, da racionalidade e da subsidiariedade”, afirmou Torres.
O juiz explicou que a criminalização do aborto no país ofende o princípio da idoneidade uma vez que tal artifício penal tem que ser útil para evitar um problema social. “A criminalização não evita que o aborto aconteça”, disse ele.
De acordo com o segundo princípio citado por ele – o da racionalidade – a criminalização tem que trazer benefícios sociais. “O abortamento inseguro, alternativa procurada pelas mulheres devido à proibição da prática no país, só traz prejuízos. A mortalidade materna em nosso país chega a ser mil vezes maior que nos países desenvolvidos. Isso também demonstra a ineficácia da criminalização. Os custos sociais são muito altos, uma vez que o aborto representa a segunda e terceira causa de mortalidade materna no Brasil”, afirmou o juiz.
Segundo ele, de acordo com o princípio de subsidiariedade, a criminalização não se justifica se não houver outros meios ou alternativas para o enfrentamento do problema social em questão. “Criminalizamos porque não sabemos mais o que fazer. A tutela penal tem que ser a última alternativa, não podemos substituir as políticas públicas pela mão punitiva do Estado. A vida tem que ser protegida, mas não necessariamente pelo Sistema Penal. A descriminalização do aborto não implica em deixar a vida desamparada. Há inúmeras formas de enfrentamento do problema do abortamento fora do Sistema Penal”, ressaltou Torres.
O magistrado lembrou existir no país uma criminalização simbólica. “O legislador cria uma lei fazendo de conta que o problema está resolvido. Mas a criminalização não é pedagógica, não é ela que vai promover valores”, salientou.
Segundo ele, no Brasil o aborto já é descriminalizado de certa forma. “Há uma descriminalização social e econômica. Só as mulheres mais pobres são criminalizadas. Também há uma ilegalidade consentida, basta ver os poucos processos. São poucos os casos que chegam aos juízes”, disse.
Para ele, a preocupação maior é manter a mulher sob controle. “Há uma omissão do Estado baseada em uma ideologia patriarcal. E nós, juizes, não estamos acostumados a lidar com esse problema”, finalizou.
Foto: Diego Kuffer