No Brasil, pela primeira vez, o questionário do Censo Demográfico incluirá – na seção de identificação das pessoas residentes no domicílio e sua relação com a pessoa entrevistada – a opção “cônjuge do mesmo sexo”, entre outras opções. Desta maneira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pretende identificar as parcerias do mesmo sexo em um mesmo domicílio. Entretanto, especialistas advertem que não se deve criar muita expectativa sobre a compreensão das relações homossexuais no Brasil. Segundo o demógrafo Jose Eustáquio Diniz (ENCE/IBGE), “por ser uma parcela muito pequena do universo homoafetivo do país, o censo deve apontar um número relativamente baixo de casais do mesmo sexo, pois só identificará o chefe e cônjuge do domicílio. O censo não vai captar, por exemplo, um filho ou parente que viva com o companheiro/a do mesmo sexo. Também não vai captar casais do mesmo sexo que vivam em domicílios diferentes”, diz.
O IBGE ressalta que a ferramenta de pesquisa do Censo é apenas o questionário e os recenseadores são treinados para preencher o computador de mão com as respostas dadas pelas pessoas entrevistadas, com total respeito às suas posições e procurando manter o máximo de fidelidade, sem deixar que as próprias convicções político-ideológicas, religiosas etc. do recenseador interfiram no preenchimento. Por outro lado, a orientação sexual, nesse momento, não será investigada, bastando, para a estatística oficial, a identificação por sexo (masculino e feminino). Mas se, por exemplo, uma travesti feminina ou mulher transexual tiver uma relação estável e morar com um companheiro do gênero masculino, ela pode, sobre seu cônjuge, responder “cônjuge de outro sexo”, porque ela pode se considerar em um relacionamento heterossexual. De acordo com o órgão, se houver comprovada relevância de se investigar a orientação sexual e identidade de gênero da população em âmbito nacional, após cuidadosa análise, essa questão poderá ser incluída nas próximas pesquisas.
Foi o que aconteceu com outros itens que tanto o Brasil quanto diversas outras sociedades latino-americanas consideraram (e ainda consideram) “polêmicos”, como “cor, raça e etnia”. Nos últimos trinta anos, as populações indígenas e afro-americanas passaram a ocupar um lugar na política latino-americana que não se imaginava possível até pouco tempo atrás. Grandes mobilizações públicas no Equador e na Bolívia, em 1990, e o movimento zapatista no México apontam para um momento de inflexão na visibilidade internacional das populações indígenas como atores políticos. Em todos esses Estados, quando é possível contar a população indígena – já que em vários países, os censos nacionais não trazem informações sobre cor, raça ou etnia da população, homogeneizando-a ao menos simbolicamente – ela aparece em franco crescimento, invertendo a tendência dominante até o último quarto do século XX.
Hoje, cerca de 10% da população latino-americana pode ser classificada como indígena. Ela é maioria (ou quase) na Bolívia, Guatemala e Peru. No Equador, representa entre 30 a 40% da população total; no México, entre 15 e 20%. No Brasil, por exemplo, onde essa percentagem é relativamente baixa (cerca de 4% da população total), ela está em visível crescimento. Boa parte disto é devido à mudança de postura de pessoas e de grupos inteiros, que calavam sobre sua identidade indígena, mas passaram a afirmá-la.
O mesmo tem acontecido em relação à “religião” no Brasil. Nos últimos anos, uma grande porcentagem de pessoas tem se declarado evangélicas, e não hegemonicamente católicas como antes acontecia. Para o Censo 2010, membros das religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, têm se mobilizado em redor de uma campanha intitulada “Quem é de Axé diz que é” para que seus freqüentadores não se calem mais sobre sua condição de espíritas.
Por sua vez, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (ABGLT) lançou a Campanha “Quem é LGBT diz que é”. E embora representantes do IBGE advirtam que não se deve esperar um grande impacto numérico, a iniciativa é valiosa como um primeiro passo para o reconhecimento da diversidade conjugal. Nesse sentido, o fato da política LGBT ter chegado ao censo já é, por si só, um motivo a ser comemorado pelo movimento.
“Quem não existe não tem direito. Mesmo o Censo não investigando a orientação sexual, poder identificar cônjuges do mesmo sexo já é um avanço. Sabemos que muitos terão medo de se declarar, mas esperamos que ao menos 50 mil casais gays apareçam na pesquisa», diz Toni Reis, presidente da ABGLT.