Papa investe contra direitos sexuais A visita de Bento XVI ao Brasil é parte de um investimento forte do Vaticano contra a consolidação dos direitos sexuais e reprodutivos na América Latina. “Embora nos documentos oficiais da Conferência do Episcopado de Aparecida não apareçam os temas relativos aos direitos sexuais e reprodutivos, com certeza os avanços nas legislações dos países latinos, como o México e a Colômbia, deverão ser tratados. Em relação ao Brasil, a expectativa é que a questão da defesa da vida seja o foco principal”, avalia a socióloga Dulce Xavier, da organização Católicas pelo Direito de Decidir (CDD).
O tema da proteção à vida certamente estará em pauta: Bento XVI chega num momento em que o debate sobre o aborto encontra-se aquecido, contrapondo governo e Igreja. Além do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que há semanas vem defendendo o debate sobre a revisão da legislação relativa ao tema, outra voz de peso pronunciou-se, um dia antes da chegada do papa: em entrevista a 154 emissoras de rádio católicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, embora seja contra a interrupção voluntária da gravidez, não pode desconhecer uma questão de saúde pública. Lula disse que o Estado não pode ficar alheio ao problema do aborto.
“Eu tenho a posição de pai e de marido, e de cidadão, e tenho um comportamento de presidente da República. São coisas totalmente distintas. Primeiro, eu tenho dito, na minha vida política, que sou contra o aborto. É importante que a gente saiba dimensionar quando uma jovem desesperada, numa gravidez indesejada, corre à procura de um aborto… Se nós tivéssemos, no Brasil, um bom processo de planejamento familiar, de educação sexual, possivelmente nós não teríamos a quantidade de gravidezes indesejadas que temos no Brasil hoje. Entretanto, quando ela existe, o Estado precisa tratar disso como uma questão de saúde pública, porque a história também nos ensina que, muitas vezes, no desespero e por falta de orientação, muitas meninas se matam precocemente. Eu conheço casos de meninas que perfuraram o útero com agulha de fazer tricô… O Estado não pode ficar alheio a uma coisa que existe, que é real, e não dar assistência para essas pessoas”. (fonte: jornal “O Estado de São Paulo”)
Também na véspera da chegada do papa, José Gomes Temporão e Nilcéia Freire, ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), criticaram a Igreja Católica e grupos religiosos pela «agressividade» e tentativa de censurar o debate sobre o aborto. Em entrevista à BBC Brasil, d. Geraldo Majella, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), criticou a iniciativa de Temporão de debater o aborto e disse que, se houver plebiscito a igreja fará «uma campanha grande» para incentivar os fiéis a votarem contra. Ele também criticou o programa de educação sexual do governo, acusando-o de promover a promiscuidade no país. O programa é baseado na promoção do uso do preservativo como forma de evitar a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).
Reunidos na 45ª Assembléia Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), em Indaiatuba (SP), bispos católicos reafirmaram terça-feira (8), em resposta ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que a Igreja Católica é contrária ao aborto. Também cobraram mais empenho na solução dos problemas no atendimento à saúde da população. Por sua vez, o ministro disse, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, que a discussão sobre a legalização do aborto no país vem sendo conduzida de forma machista, uma vez que «as leis, normas e julgamentos» sobre o tema são feitos por homens. Segundo Temporão, o aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública, sem a influência de aspectos religiosos, filosóficos, éticos ou fundamentalistas. Na opinião da ministra Nilcéia Freire, “é importante que a Igreja e grupos religiosos fundamentalistas não ajam como censores em uma questão que a sociedade precisa discutir”.
Esse aquecimento do debate sobre o aborto no Brasil coincidindo com a visita do papa ao país tem sido manchete dos principais jornais no Brasil e no mundo. Segundo o jornal O Globo (edição de 9 de março, dia da chegada do papa ao país), Bento XVI teria defendido, no avião a caminho do Brasil, a excomunhão dos políticos brasileiros pró-aborto. Já a Folha de São Paulo destaca que “Papa vai condenar aborto já em seu primeiro discurso no Brasil”. Até mesmo o New York Times trouxe como principal manchete “As Pope Heads to Brazil, Abortion Debate Heats Up” (Enquanto o papa se dirige ao Brasil, o debate do aborto esquenta).
Ovelhas desobedientes
Um dos principais objetivos políticos na viagem do papa Bento XVI ao Brasil era a assinatura de um acordo com o governo, garantindo à Igreja Católica todos seus direitos no território nacional, inclusive a consolidação de todas as isenções fiscais que recebe, obrigações no setor educacional e a autorização para que missionários possam entrar em reservas ecológicas e indígenas. No entanto, temendo que o acordo poderia ser, no futuro, interpretado como uma forma de dificultar mudanças nas leis do aborto, já que deixaria claro que o Estado brasileiro e o Vaticano compartilham dos mesmos valores, o Itamaraty já divulgou que não irá assinar o documento. Além disso, o governo brasileiro teme que a bancada evangélica no Congresso (10% dos parlamentares) se mobilize para obter acordo similar para suas igrejas.
Além da reunião com o presidente Luis Inácio Lula da Silva, onde o acordo seria assinado, Bento XVI também irá se encontrar, na quinta-feira, 11 de maio, com milhares de jovens católicos de todo o país – a expectativa é lotar o estádio do Pacaembu, em São Paulo. No evento, o papa deverá reforçar o ideário católico do valor da vida, da família e da castidade e passar seus valores conservadores de oposição ao sexo antes do casamento e ao uso do preservativo e de outros métodos contraceptivos, como a pílula. No entanto, de acordo com a recém-lançada pesquisa “Pensamento da juventude católica sobre sexualidade, reprodução e Estado laico”, encomendada pela organização Católicas pelo Direito de Decidir (CDD) ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), 95% dos 1.268 jovens católicos entrevistados em 315 municípios do país responderam concordar com o uso da camisinha para evitar gravidez e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Segundo a pesquisa, 88% disseram não ver qualquer discrepância entre usar métodos contraceptivos e ser um bom católico e 79% discordaram da afirmação “as pessoas só devem ter relações sexuais após o casamento”. Ainda de acordo com estudo, 72% desses jovens consideram atrasada a posição da Igreja Católica ao condenar o uso do preservativo.
“A pesquisa mostra que uma coisa é o que a hierarquia da Igreja fala, baseada em sua tradição, e outra é o cotidiano das pessoas que buscam possibilidades diversas de vivenciar a sexualidade, preservando a saúde e controlando a fertilidade de uma forma prazerosa”, ressalta a socióloga Dulce Xavier, das Católicas pelo Direito de Decidir.
Segundo ela, internamente o papa vem para reforçar o discurso de defesa da vida, incentivando leigos a fazerem esta defesa. “Há também uma política forte para influenciar os legisladores cristãos para votarem contra projetos de lei que ampliem os direitos sexuais e reprodutivos”, diz ela.