CLAM – ES

Más allá de la guerra de los sexos

por Washington Castilhos

Quando esteve no Brasil, em 2009, para divulgar seu livro Nous, les mecs (o equivalente em português a “Nós, os caras”, numa tradução livre), o sociólogo francês Daniel Welzer-Lang salientou: “Nós estamos vivendo, hoje, uma época paradoxal: nunca antes as mulheres, ainda submetidas a formas variadas de dominação masculina, falaram, discutiram e contestaram tanto. Nunca antes os gays, as lésbicas e bissexuais abordaram tanto seus modos de vida. Entretanto, os homens continuam em silêncio”, disse ele, aludindo a uma frase do sociólogo canadense Marc Chabot, que escreveu:  "A palavra dos homens, é o silêncio”.

Contrariando Chabot, homens integrantes de um movimento intitulado por eles de “masculinista” – num claro contraponto linguístico ao “movimento feminista”– quebraram o silêncio e, assumindo-se como defensores dos direitos dos homens, desabafaram, na edição de 7 de maio do portal BBC News Magazine: “A discriminação contra o homem está aumentando!”. Alguns argumentam que é hora de os homens criarem o que, na visão deles, seria o equivalente masculino ao feminismo: o "masculinismo".

Masculinismo por si só já mostra uma má compreensão do que é o feminismo. É como usar o machismo para antagonizar o feminismo”, avalia o psicólogo Marcos Nascimento (foto à dir.), doutor em Saúde Coletiva e pesquisador na área de gênero e masculinidades que nos últimos três anos foi codiretor do Instituto Promundo, ONG brasileira com tradição em trabalhos com homens na promoção da igualdade entre os sexos e que faz parte da MenEngage Alliance, uma rede mundial composta de mais de 400 ONGs e agências da ONU que fomenta o engajamento masculino na busca pela equidade de gênero.

“De que discriminação eles falam? E para que tipos de homens? Usam a palavra homem como se fosse uma categoria absoluta e que não interagisse com outros marcadores sociais”, observa Nascimento.

Segundo a reportagem do portal BBC, entre os defensores do chamado “movimento masculinista” está o professor de filosofia David Bernata, da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, autor do livro The Second Sexism (O Segundo Sexismo, em tradução livre, aparentemente mais uma alusão irônica ao feminismo, desta vez contra O segundo Sexo, título da obra de Simone de Beauvoir). Nele, Bernata argumenta que, por conta das disparidades de gênero, em todo o mundo homens estão mais expostos à violência e ao homicídio. É uma realidade. No Brasil, por exemplo, os homicídios matam muito mais homens do que mulheres: para cada óbito feminino existem cerca de 11 óbitos masculinos. Somente no ano de 2007, em terras brasileiras, houve 47.658 mortes classificadas na categoria homicídio pelo DATASUS. Destes, 43.886 eram de homens.

“Mas é preciso lembrar que os homens são alvo, mas também os maiores perpetradores de violência em todo o mundo. Colocá-los somente no lugar de vítima, não explora todos os matizes dessa situação”, argumenta Marcos Nascimento, aludindo ao fato que as maiores vítimas da violência doméstica e dos homicídios que acontecem dentro de casa são as mulheres. Além disso, é raro que um homem violento em casa – aquele que pensa ser legítimo manifestar assim sua posição de "homem" frente à sua companheira – não seja também "dominante" no espaço público com seus próximos. Ao mesmo tempo, um homem violento no exterior (trabalho, bar ou lazer, onde a repressão das atitudes violentas é mais severa), normalmente também o é no espaço privado.

No entanto, a despeito da masculinização dos homicídios externos e da feminilização da violência doméstica, a hora é de superar as disputas em torno da vitimização, acreditam especialistas. “O debate não deveria nunca ser pautado em torno de uma discussão sobre quem morre mais ou quem morre menos, mas sim a partir de uma perspectiva que contribua para identificar as causas que explicam tantas mortes absurdas e desnecessárias”, apontam os pesquisadores José Eustáquio Diniz Alves e Sonia Correa, no artigo “Violência letal e gênero: decifrando números obscenos?”, onde apontam o sistema sexo-gênero como um dos fatores estruturais deste processo. Mas, segundo eles, para compreender isso é preciso deixar para trás a equação simples segundo a qual gênero é sinônimo de mulher e os homens apenas matam mulheres, não se matam entre si.

Vários grupos chamam a atenção para os estilos de masculinidade e violência. Hà muitos exemplos, em todo o mundo, de homens que se lançam em ações violentas entre eles e contra outros para provar sua virilidade, como as brigas de torcidas de times rivais acontecidas na Inglaterra e no Brasil (especialmente em São Paulo), exemplos de formas violentas de contestação (pela perda de um campeonato, por exemplo). Isto sem falar na violência masculina homofóbica ou na forte violência policial e militar denunciada em muitos países (e que tem o Brasil entre seus protagonistas, de acordo com o relatório de direitos humanos 2011 da Anistia Internacional, que avaliou 141 países).

Ao colocarem-se somente na posição de vítimas, os defensores do “masculinismo” não levam em conta o fato de ser a socialização masculina o fator que mais favorece o surgimento do comportamento violento. Trata-se de um comportamento aprendido, como aquele que estimula que um menino cresça com a ideia de que tem de revidar uma agressão, que faz com que os homens achem legítimo o uso da violência para solucionar conflitos. A forma como meninas são educadas para a submissão e a subserviência, em certas classes sociais, também favorece tal quadro: muitas mulheres ainda acham que apanhar do marido faz parte do casamento.

No entanto, dada a sua complexidade, o sistema sexo-gênero não produz apenas homens sempre violentos e mulheres sempre vítimas desta violência. No caso brasileiro, a construção das masculinidades dominantes explica o homicídio de mulheres, e serve também para explicar o fato de os homens matarem muitos outros homens e se matarem por uma série de outras causas externas, tal como acidentes de trânsito.

Assim, os argumentos apresentados pelos defensores do “masculinismo” são uma visão simplista de um fenômeno complexo como a relação entre masculinidade e violência, no sentido de que, como aponta Pedro Paulo Oliveira (IFCS/UFRJ) – autor de livros como “A construção social da masculinidade” e “Violência e estilos de masculinidade” –, colocar o homem na qualidade de vítima social de um sistema opressor (oprimido pela sua própria condição de opressor) não ajuda a avançar no processo de igualdade entre homens e mulheres.

“Ainda que muitos sejam vítimas, há um contingente grande de homens que se valem das benesses desse sistema. Então, usar a categoria ‘homem’ sem explicitar suas inter-relações com outros marcadores (como raça, classe, idade) não ajuda muito”, afirma Marcos Nascimento.

Em outras palavras, são as mesmas relações sociais de gênero que constroem os personagens no público e no privado, as relações são transversais. Um exemplo disso é o fato que, por mais que as mulheres trabalhem, elas acabam por encontrar um certo limite para seu avanço profissional dentro das grandes empresas, onde as posições de liderança são usualmente mantidas pelos homens. Vê-se isto com grande clareza tanto nas grandes corporações como nos partidos políticos. O que dizem alguns estudiosos em relação a esse limite a que as mulheres se deparam é, que se por um lado há um certo tipo de barreira ao avanço feminino, por outro lado pode-se perguntar se não existem, do ponto de vista das mulheres, escolhas de vida diferenciadas das dos homens, em que a dimensão da vida pessoal é tão importante para elas que faz com que o investimento no progresso de suas carreiras não seja tão marcadamente forte, como é no caso dos homens.

"Ou seja, as mulheres acabam por escolher – isto é um debate, ainda não há clareza sobre isto – lidar com dimensões da vida privada, como por exemplo, a maternidade. Há mulheres que interrompem a carreira, não porque são obrigadas, mas porque desejam permanecer com os filhos. É claro que isto tem um custo. O progresso delas na carreira não vai ser tão forte, mas isto não quer dizer simplesmente uma interiorização do papel feminino. Isto pode ser uma escolha ativa, do ponto de vista de como você quer desenhar o seu projeto de vida. Hoje em dia, essas discussões sobre o avanço das mulheres na carreira têm levado em consideração esse espaço paralelo de fruição da vida privada, como um espaço importante de um estilo de vida alternativo que as mulheres podem escolher. Por sua vez, as que querem investir fortemente na carreira certamente se depararão com essa barreira que vai tentar impedi-las, razão pela qual toda vez que vemos uma entrevista com uma mulher importante na mídia, sempre existe a pergunta: “Como você concilia trabalho e família?”. Nunca ninguém faz esta pergunta para um homem", argumenta a antropóloga Maria Luiza Heilborn, professora no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ) e coordenadora do CLAM.

Assim, é porque existe um trabalho doméstico gratuito, realizado pelas companheiras em casa (muitas vezes em função de suas próprias escolhas), que certos homens podem fazer uma carreira ascendente e rápida, estando liberados da carga das crianças, por exemplo. O cuidado e a guarda dos filhos, a propósito, representam temas dos mais sensíveis dentro de uma agenda de igualdade de gênero, e são recorrentemente usados como argumentos pelos militantes dos direitos dos homens, como exemplos do déficit masculino.

O sistema sexo-gênero – apontado por José Eustáquio Diniz Alves e Sonia Correa no artigo aqui citado – parte da premissa que os homens não têm capacidade de cuidar de uma criança e, ao mesmo tempo, reforça a ideia da mulher-mãe-cuidadora. Tal concepção ocupa o imaginário social, incluindo formuladores de políticas públicas. Aprovada na Câmara dos Deputados brasileira há dois anos, a lei que amplia o prazo da licença-maternidade de quatro para seis meses para trabalhadoras do setor privado em troca de renúncia fiscal para as empresas que aderirem ao Programa Empresa Cidadã gerou polêmica e dividiu opiniões, principalmente no que diz respeito às comparações feitas entre a situação brasileira e a dos países escandinavos, que têm as políticas sociais mais bem sucedidas do mundo em termos de igualdade de gênero. Na Dinamarca e na Suécia, quando uma mulher tem uma criança, a mãe pode ficar até seis meses em casa, e o pai também. Ele tem direito a uma licença paternidade compulsória de igual período. A crítica é que no Brasil aumenta-se a responsabilidade das mães e não se estende o período aos pais para que possam dividir esta responsabilidade com as mães. Por isso, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) do governo brasileiro, Eleonora Menicucci, tem entre seus objetivos estender o período de licença-paternidade, hoje de apenas oito dias.

“A maternidade não é só biológica da mulher. O homem tem de ser afetivamente responsável”, afirma a ministra, que pretende também ampliar a licença-maternidade para seis meses obrigatórios, já que, segundo a Receita Federal brasileira, o Empresa Cidadã atinge hoje menos de 10% das empresas que têm a possibilidade de participar do programa, o que equivale dizer que apenas uma em cada três empresas cumpre a política aprovada em 2008. Em 2010, o Senado aprovou a obrigatoriedade da licença-maternidade de seis meses para todos os setores. Mas o projeto está parado desde então na Câmara dos Deputados, que calculou o quanto essa ampliação custaria aos cofres públicos: naquele ano, a estimativa era de que R$ 1,6 bilhão extras teriam de ser gastos pela Previdência Social para arcar com esses dois meses a mais.

Diferentemente do Brasil, em muitos países europeus, especialmente os escandinavos, a idéia de igualdade homem/mulher se tornou uma evidência para uma grande parte dos homens, que têm se adaptado às novas demandas das mulheres. Na medida em que torna-se difícil encontrar mulheres submissas, os homens encontram benefícios rapidamente em deixar os hábitos da virilidade machista obrigatória. O que não quer dizer que eles abram mão facilmente dos privilégios masculinos, que não haja resistências masculinas às mudanças, ou que as representações carregadas pelas marcas de gênero sejam tão fáceis de modificar.

Não se pode dizer, no entanto, que a assimetria está sempre favorável aos homens. Há algumas circunstâncias em que o gênero feminino pode estar valorizado em detrimento do homem. Um exemplo são as políticas de seguro para carros, que beneficiam as mulheres, levando em conta a análise estatística de que os homens de 18 a 35 anos batem e destroem muito mais seus carros, correm mais, e, portanto, ao ser mulher, a pessoa acaba por se beneficiar de um tipo de tratamento diferencial favorável, uma vez que, pela lógica das seguradoras, ela se envolve em menos acidentes e seria mais cuidadosa e menos imprudente no trânsito.

Educação

A Educação é mais uma área onde os homens estão ficando para trás. Em 2009, exames feitos pelo Programme for International Student Assessment, um programa internacional de avaliação de estudantes, revelaram que, em todos os países industrializados, os homens estão em média um ano atrás das mulheres em alfabetização. O levantamento também concluiu que a maioria dos estudantes em cursos de graduação nas universidades hoje é composta por mulheres. Segundo o Informe Mundial de Educação 2010 (Global Education Digest 2010) da UNESCO, a participação das mulheres da América Latina e do Caribe em programas de doutorado e em pesquisa é singular, comparada a outras regiões do mundo. Na região, cerca de 60% dos estudantes de graduação são mulheres. A representação feminina cai para 47% no mestrado, mas sobe para 49% no doutorado. No Brasil, as mulheres já possuem nível de escolaridade maior do que o dos homens, com mais de 11 anos de estudo. No livro Doutores 2010: Estudos da demografia da base técnico-científica brasileira, o Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE) do Ministério de Ciência e Tecnologia revela que em 2004 se doutoraram 4.085 mulheres, que representam 50,4% dos que obtiveram esse título superior, frente a 3.991 homens, que representam 49,6%. Desde então, as mulheres mantêm a dianteira na obtenção de títulos de doutorado no país.

“Isto acontece em várias partes do mundo. Colocar este quadro como culpa das mulheres é certamente um equívoco. Durante anos as mulheres foram segregadas do espaço escolar (e muitas ainda o são em várias partes do mundo, sobretudo na Ásia). Certamente, a pressão por trabalho com carteira assinada em classes populares, a falta de um projeto pedagógico claro e que leve em consideração as questões de gênero, parecem estar entre os motivos de deserção escolar entre os rapazes. Eles não veem sentido na escola, somente atentam para isso quando entram no mercado de trabalho e alguns voltam a estudar”, explica Marcos Nascimento, a partir de dados de pesquisas com rapazes moradores de favelas.

Para encurtar a conversa, ele conclui: “Existe um número considerável de vulnerabilidades sociais para os homens (negros, gays, jovens, pobres, pouco escolarizados), mas certamente o tratamento dessas questões não será da forma como autores como Bernata apregoam. As vulnerabilidades masculinas estão fortemente marcadas pelos processos de socialização dos homens assim como de exclusão social a que eles estão submetidos. Para mudar isso, devemos pensar em outras maneiras que não sejam marcadas pelas normas de gênero vigentes”.

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