Além de sua importância por ter tratado de um tema candente na sociedade brasileira – o aborto – o Seminário “Estudos sobre a questão do aborto em países da América do Sul, com ênfase no Brasil”, contou com a participação de pesquisadores que trabalham com o tema em diversos contextos latino-americanos, o que permitiu a interlocução entre realidades distintas, em seus aspectos similares e suas especificidades.
“Existem elementos comuns nos contextos político-sociais das sociedades latino-americanas. Se por um lado temos uma situação onde a pratica é interdita, por outro lado, temos um contexto onde o direito ao aborto é garantido, como em Cuba, além das situações intermediárias de países que vêm mudando no intuito de flexibilizar suas legislações, como é o caso da Colômbia e do México. Em Porto Rico, o aborto é legal mas não é acessível a todas as mulheres. E existe o contingente de países que têm legislações muito restritivas, com poucos permissivos legais, como é o caso do Brasil”, avalia a pesquisadora Greice Menezes, do Programa de Estudos em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (MUSA/ISC/UFBA), expositora na mesa “A questão do aborto e seus aspectos epidemiológico, jurídico, legislativo e das políticas públicas e atenção à saúde: a situação e os estudos no Brasil”.
Realizado no campus da Unicamp, nos dias 25 e 26 de setembro, o Seminário integra uma série de eventos que têm sido realizados em comemoração aos 25 anos do Núcleo de Estudos de População (NEPO). “Nosso objetivo era fazer um panorama geral dos estudos sobre a questão do aborto na América Latina, e identificar os avanços e as lacunas sobre o tema”, diz a demógrafa do NEPO e coordenadora do evento Maria Isabel Baltar. Segundo ela, o evento conseguiu alcançar esse objetivo, a despeito das diferenças culturais e sócio-econômicas entre os países. “O Seminário contou com a participação de profissionais de distintos campos, e cada um trouxe um olhar especifico e o que há de essencial na questão do aborto. Assim, vimos a necessidade de mais estudos sobre o tema. Há poucos estudos sobre aborto e religião, por exemplo, assim como pesquisas que tratem da relação entre o poder legislativo e o aborto. O tema se configura como um objeto de estudo, mas para aprofundar a discussão são necessários mais estudos”, analisa Maria Isabel.
Greice Menezes concorda: “O aborto ainda é um tema muito pouco estudado, permanecem lacunas em distintos campos disciplinares”. Por outro lado, na análise da pesquisadora, o quadro apresentado no Seminário reitera muitos aspectos conhecidos sobre o tema. “Também foi discutido o que já sabemos: que o aborto é um problema de saúde pública e que a legislação restritiva não diminui sua ocorrência, que são as mulheres mais pobres que morrem em decorrência do aborto inseguro, que a influência da Igreja Católica é negativa porque impede a ampliação dos permissivos legais e que, com a legalização, poderíamos ter uma regulamentação da prática de modo a evitar que outras mulheres façam o aborto de forma clandestina e insegura”, relata Greice.
Maria Isabel Baltar sublinha que a maior contribuição do evento para o estado atual do debate no Brasil foi identificar o que as pessoas têm a dizer sobre aborto no âmbito da universidade. “A produção do conhecimento é importante na medida em que um debate qualificado precisa ter como referência estudos e pesquisas acadêmicas. A contribuição para o debate foi reunir pessoas que investigam o assunto e que fornecem elementos importantes para a discussão. Ao produzir conhecimento, damos elementos necessários para o aprofundamento dessa discussão”, observa a demógrafa, destacando a importância da discussão inicial sobre “Os desafios da democracia e suas percepções no campo dos valores e relações sociais”. “Nesse debate, pudemos traçar um paralelo entre as diferentes democracias e as questões de gênero e as relacionadas ao aborto”, relata a pesquisadora.
“Pudemos compreender nossas singularidades e similaridades, e como são o Estado e a sociedade civil de diferentes países”, lembra Greice.
Ainda no primeiro dia, foram apresentadas as realidades de quatro países sul-americanos: Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. O caso brasileiro foi mostrado em duas mesas, nas quais foram abordados os aspectos epidemiológico, jurídico, legislativo e de atenção à saúde. No segundo e último dia, a questão do aborto foi discutida sob o ponto de vista das religiões, dos movimentos de mulheres, dos médicos ginecologistas e obstetras e da mídia no contexto brasileiro. Coordenado pelo Núcleo de Estudos de População (NEPO/UNICAMP), o Seminário foi realizado em parceria com o Centre Population et Développement (CEPED/França), El Colégio de México (COLMEX), o Institut de Recherche pour le Développement (IRD/França) e o Programa de Pós-Graduação em Demografia (IFCH) da Unicamp. O projeto está vinculado a duas linhas de pesquisa do NEPO: saúde reprodutiva e demografia e políticas públicas.
As comunicações apresentadas no Seminário serão compiladas em publicação a ser lançada pelo NEPO.