Diversidade e pluralidade foram duas palavras que estiveram sempre presentes nas discussões realizadas nos três eixos e 15 grupos de trabalho da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que aconteceu em Brasília entre os dias 14 e 17 de dezembro de 2009. Foram aprovadas 532 propostas, 69 com mais de 80% de aprovação. “Na Plenária, 139 propostas foram à votação e boa parte delas tinha em sua redação a frase ‘na perspectiva de gênero, raça, etnia e orientação sexual’”, lembra a feminista Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão: Comunicação e Mídia.
No grupo quatro, por exemplo, eixo temático que pretendia discutir temas ligados à produção de conteúdo, uma das propostas aprovadas foi “Apoiar a produção de conteúdos na perspectiva de gênero, raça, etnia e orientação sexual”. Outra proposta do mesmo grupo: “Que a produção e veiculação de conteúdos, das emissoras de TV e rádio contemplem e respeitem a diversidade e a pluralidade de nossa sociedade: gênero, raça, etnia, cultura, orientação sexual, crianças, juventudes, idosos, pessoas com deficiência, crenças, classe social e outras”.
“O desafio maior será agora aprofundar o que estamos falando sobre as perspectivas de gênero, orientação sexual e raça, uma vez que não houve um debate mais qualificado sobre essas questões”, observa Jacira.
A promoção de concursos e campanhas a favor da diversidade religiosa, racial e sexual no âmbito das faculdades e universidades de Comunicação Social e nos meios de comunicação, e a veiculação de denúncias contra o racismo, intolerância religiosa, sexismo, lesbofobia, homofobia, transfobia, bifobia e machismo foram propostas do grupo de Trabalho 15, que discutiu o respeito e promoção da diversidade cultural, religiosa, étnico-racial, de gênero e orientação sexual, no eixo intitulado Cidadania, Direitos e Deveres.
A representação da imagem da mulher na mídia também foi tema pensado no processo de elaboração das propostas em alguns dos GTs. Uma das propostas do grupo que discutiu a produção de conteúdos, por exemplo, foi “incentivar os diversos setores da mídia a discutirem e promoverem imagens não estereotipadas e positivas das mulheres e também valorizarem a igualdade de gênero”.
“Esse é um debate complexo. No espaço ficcional da TV, a representação é de avanço e retrocesso concomitantes. No espaço noticioso, a representação da imagem da mulher não reflete a pluralidade e a diversidade, seja de orientação sexual, raça/etnia ou geracional. Isto em um país onde as mulheres representam 50% da população”, questiona Jacira.
Embora tenha aparecido como uma proposta – “Criação de programas educativos para jovens que abordem os direitos das mulheres e coíbam a violência de gênero” -, a violência contra as mulheres foi outro tema pouco abordado na Confecom. Segundo Jacira, isso acontece porque a questão ainda é discutida pela sociedade como se fosse um problema só das mulheres. “A violência contra as mulheres é uma agenda política importante, mas é tratada dissociada das agendas de educação, trabalho, saúde pública, não faz parte da agenda política principal”, ressalta a feminista.
Outro problema levantado pela especialista é o baixíssimo investimento em programas de televisão para crianças e adolescentes que tratem da discussão de gênero e da diversidade. “Ainda hoje em dia, 80% da informação recebida pela juventude vem através da televisão, e só a TV Cultura e a TV Brasil (TVs públicas) têm investido em programas infantis que considerem tais assuntos. O Brasil, a 11ª economia do planeta, ainda não olhou com seriedade para a educação de crianças de 0 a 6 anos”, diz. Curiosamente, na Confecom, houve um número mínimo de propostas que faziam menção à produção de conteúdos voltados a crianças e adolescentes.
Para ela, o conjunto de propostas advindo da Conferência será uma referência importante para a luta política por um sistema de comunicação mais democrático. “Se eu tivesse que eleger estrategicamente uma proposta importante aprovada na Confecom eu diria que foi a criação de um Conselho Nacional de Comunicação como instância de formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicação no país, aprovada por consenso nos grupos. É fundamental para o país a construção de um marco regulatório para o sistema de comunicação, em especial por ser este um campo predominantemente privado e sem uma regulação atualizada, com regras democráticas e transparentes”, diz Jacira.
Ela lembra como a Conferência de Mulheres, realizada em 2005, foi fundamental para a criação da Comissão Tripartite que elaborou o Projeto de Lei que se transformou na Lei Maria da Penha. “Outras questões que fazem parte do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, resultante da Conferência, estão como programas de políticas publicas em diferentes ministérios”, salienta. Para ela, “realizar uma Conferência de Comunicação foi um ganho, e acima de tudo houve uma sensibilização grande e uma mobilização inimaginável no processo preparatório. O documento final é uma ferramenta estratégica para a luta política nos próximos anos”, conclui.