Sexualidade e educação podem ainda não caminhar em total harmonia, mas a perspectiva é cada vez mais possível, sobretudo porque as temáticas relativas a gênero e sexualidade estão progredindo no âmbito educacional de uma forma livre dos lugares comuns, preconceitos e estereótipos. No entanto, muitos estigmas ainda sobrevivem e o curso semipresencial Gênero e Diversidade na Escola (GDE) é uma das pontes para a aproximação entre questões ligadas à sexualidade e o ambiente escolar.
O GDE é articulado pelo CLAM/UERJ, em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e Ministério da Educação (MEC) desde 2005. Presente em todos os Estados do país, o curso foi o ponto de partida para a criação da Rede de Educação para a Diversidade, inaugurada em 2008 pelo MEC. A iniciativa promove o tratamento dos temas transversais na sala de aula, como raça, gênero, sexualidade e meio-ambiente.
O GDE busca tratar de questões de gênero, sexualidade e relações étnico-raciais junto a profissionais de educação da rede pública, dos ensinos Fundamental e Médio. As mudanças na atitude desses professores que cursam o GDE acabam se refletindo no comportamento de seus alunos mais tarde, em sala de aula. “O professor é uma referência em sala de aula. E, se esse professor não respeita as diferenças, o aluno se vê empoderado a continuar discriminando colegas de classe”, ressalta Bianka Pires, professora universitária que trabalhou como tutora do GDE em 2009 e participará do programa novamente este ano. No projeto, tutor é a pessoa que monitora o processo de aprendizagem no ambiente virtual. Em geral, são mestrandos e doutorandos das áreas das ciências sociais que vão orientar os professores cursistas. Cada um é responsável por um número de professores e dialoga com estes através de fóruns de debates e do diário – ferramenta específica da educação a distância que registra os conhecimentos prévios e adquiridos pelo cursista.
Muitos tutores acreditam que já podem ser percebidas modificações na atuação dos professores. “No curso analisamos e discutimos bastante as temáticas de gênero, sexualidade, raça e etnia. É impossível um professor voltar para a sala de aula e ver aquilo tudo da forma como via antes”, analisa Rafael Chaves, professor de Geografia da rede estadual e tutor do GDE.
“Começamos a perceber a diferença nas piadas dentro da sala de professores, a diferença no uso de vocabulário. Se algum professor tem algum tipo de preconceito, e é claro que existe bastante, ele tem vergonha de ter esse preconceito ou não fica tão à vontade para expô-lo”, afirma o professor da rede estadual André Barbosa, tutor do GDE desde 2005.
Neste ano, o curso oferecerá 1.500 vagas para professores em nível de atualização e mais 500 vagas para nível de especialização em todo o estado do Rio de Janeiro. O GDE é semipresencial e possui carga horária de 200 horas. Na edição deste ano, que começa hoje, houve aumento do número de aulas presenciais.
Leila Araújo, coordenadora do programa, enfatiza a importância de se discutir questões como gênero e diversidade sexual e racial. “Os temas ainda são um tabu na sociedade e, por isso, são silenciados em sala de aula. Muitos professores, por não terem fundamentos para lidar com essa realidade, acabam reproduzindo preconceitos e estereótipos de gênero”, afirma.
Sexualidade e religião: um diálogo possível
Apesar de suas tentativas em desconstruir preconceitos e romper seu ciclo de reprodução em escolas, o GDE ainda enfrenta dificuldades. Uma das problemáticas está presente no relacionamento entre temas ligados à sexualidade e ao discurso religioso conservador. “Uma de minhas alunas chegou a afirmar que ser homossexual não era algo de Deus”, conta Camila Sampaio, doutoranda em Ciências Sociais e tutora do GDE.
A postura dos tutores, no entanto, era a de ressaltar que o conhecimento passado durante o curso era um tipo de saber específico, porém legitimado pelo Estado laico brasileiro. “Expliquei às alunas que tinham uma posição religiosa mais radical que, independentemente do posicionamento delas acerca de assuntos como homossexualidade, o importante era como elas iriam lidar com essa realidade em sala de aula”, diz a tutora.
Para Bianka Pires, crenças religiosas pessoais não devem interferir no tratamento dado ao aluno. “Eu posso não concordar com o que ele faz, é um direito meu, mas não posso marginalizá-lo. Eu tentava trabalhar isso com meus alunos. O professor pode até não concordar com a orientação sexual de um aluno, mas ele deve adaptar isso para sua sala de aula e aprender a respeitar e trabalhar isso com o estudante”, afirma Bianka.
De acordo com Leila Araújo, coordenadora do GDE, a aproximação dessas temáticas com a escola é um grande desafio. “Muitos professores são de uma geração em que esses assuntos não eram discutidos e eles têm que lidar com crianças e adolescentes de uma nova geração que não tem pudores para tratar disso. Quando os estudantes se colocam em relação a esses assuntos, estes professores muitas vezes reagem de uma maneira preconceituosa e discriminatória porque há aí um conflito, além de convicções, de tudo o que eles aprenderam a vida inteira”.
Na avaliação de Leila Araújo, o GDE permite aos professores reverem seus conceitos e convicções acerca de questões de gênero, sexualidade e relações étnico-raciais. “Na questão de gênero, por exemplo, alguns professores pensam a diferença entre homens e mulheres a partir apenas da biologia e o senso comum estabelece uma hierarquia entre os gêneros, a qual apregoa uma superioridade masculina. O curso apresenta a perspectiva de que gênero é uma construção social”, afirma.