Criada há 50 anos, nos Estados Unidos, a pílula anticoncepcional é um método contraceptivo largamente utilizado pelas mulheres brasileiras. Porém, apesar de sua disseminação e da redução das taxas de fecundidade no Brasil, muitas delas se tornam mães em momentos não planejados. A última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), realizada em 2006, mostra que 46% dos nascimentos no Brasil não foram desejados ou haviam sido planejados para mais tarde.
Financiada pelo Ministério da Saúde, a PNDS foi coordenada pela equipe da área de População e Sociedade do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). A pesquisa busca traçar um perfil da população feminina brasileira em idade fértil e de crianças de até cinco anos e está em sua terceira edição, tendo sido realizada pela primeira vez em 1986 e repetida no ano de 1996.
Os dados da PNDS-1996 apontavam que o porcentual de nascimentos não-planejados era de 48%. O tímido avanço de apenas 2% até o ano de 2006 evidencia uma falha na oferta de contraceptivos e orientação por parte do governo, explica Laura Wong, uma das pesquisadoras da PNDS-2006 e professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Porém, segundo a pesquisadora, o panorama atual já vem sendo modificado: “A PNDS, como indicado, é de 2006. De lá para cá, mudanças significativas têm ocorrido na área de atenção à saúde reprodutiva. Uma das mudanças se relaciona com a ampliação do Programa Saúde da Família (PSF) que, após 2006, e nos últimos dois anos, vem ampliando sua cobertura e passou a incluir nos programas de saúde da mulher a oferta de meios de planejamento da fecundidade. De tal forma, acredito que esse percentual (de 46%) tenha diminuído”.
A ampliação do Programa Saúde da Família e a implementação do módulo de Planejamento Familiar contribuem, segundo Laura Wong, para a queda da taxa de fecundidade das mulheres brasileiras. Segundo ela, “um indicativo disso é a sinalização das estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) com relação à fecundidade de mulheres com menos de 20 anos. Desde 2005, a probabilidade de essas mulheres terem um filho está em torno de 50-60 por mil. È válido lembrar que, nos anos 2000, este indicador oscilava em torno de 70-80 por mil”, explica.
Outro resultado divulgado pela PNDS-2006 é que a laqueadura (esterilização feminina) ainda é o recurso contraceptivo mais usado por mulheres brasileiras. Porém, se forem somados os usos da pílula, dos anticoncepcionais injetáveis e do Dispositivo Intrauterino (DIU), os métodos reversíveis já ultrapassam a laqueadura. Em relação aos métodos reversíveis de contracepção, Laura Wong explica que as mulheres brasileiras têm um escasso leque de escolhas: “Preservativos e contracepção hormonal oral são praticamente as únicas alternativas. Os outros métodos, por requererem maior investimento em informação, recursos monetários e pessoal qualificado, nem sempre estão disponíveis. Por isso os métodos antes citados, sem ser necessariamente a primeira escolha dos casais, são os mais usados”, afirma. “A outra dificuldade, mais estrutural, é o acesso aos serviços de saúde. Uma consulta médica num posto de saúde toma tempo excessivo de uma mulher. Isto desencoraja a visita ao posto de saúde, colocando em risco não apenas a saúde reprodutiva, como toda a saúde em geral”, completa Wong.
O aumento no uso de contraceptivos também foi apontado pela PNDS-2006, que indicou que 81% das mulheres de 15 a 49 anos que viviam alguma forma de união usavam anticoncepcionais. Esse aumento, porém, não contribui para a redução do número de abortos induzidos no país, como avalia Wong: “Se a pressão por reduzir o número de filhos aumenta muito mais que a oferta de planejamento da fecundidade, o número de abortos pode crescer. É provável que este seja o perfil que mais se acomoda à realidade brasileira”, esclarece a pesquisadora. “Penso que, se tal como sugerem as estatísticas, não há sinais de arrefecimento do aborto induzido, mesmo que tenha havido aumento da oferta de contracepção, a pressão por ter menos filhos em nossa sociedade tem sido ainda maior. Essa é a pergunta que deve ser feita: Por que aumentou tanto a pressão por ter menos filhos? Que fatores sociais, econômicos e culturais estão atuando para exercer essa pressão?”, completa.
A queda na taxa de fecundidade das mulheres brasileiras, registrada na PNDS-2006, é causada por diversos fatores, entre eles questões econômicas e financeiras. “O maior nível de informação que a sociedade tem, via meios de comunicação massiva (principalmente televisão) e informações sobre o futuro incerto (ausência de garantias de emprego, ameaças de instabilidade econômica etc.) são fortes sinalizadores de que ter um filho, hoje em dia, é uma temeridade. Esta insegurança, transmitida a uma grande parte da população independentemente do grau de educação e renda ou lugar de residência, certamente funciona como um freio à ampliação da família”, afirma a pesquisadora.
Pesquisas como a PNDS auxiliam na formulação de políticas e estratégias de ação nas áreas de saúde e nutrição de mulheres e crianças. Se 46% dos nascimentos no Brasil não são desejados ou haviam sido planejados para mais tarde é sinal de que ainda existem avanços a serem feitos na área da saúde sexual e reprodutiva da mulher. “Por razões distintas, mulheres têm mais ou menos filhos do que os que gostariam de ter. Valeria a pena nos questionarmos se isso não é uma violação aos direitos reprodutivos”, indaga a pesquisadora Laura Wong.