“Não existe uma educação sexual efetiva na escola ou há, de fato, uma educação sexual heteronormativa muito bem feita? As famílias são um empecilho para tal disciplina ou são usadas pelos educadores como desculpa para não realizá-la em sala de aula?”, foram alguns dos questionamentos feitos pela pesquisadora chilena Margarita Díaz, presidente da organização Reprolatina, ao final da pesquisa “Homofobia na Comunidade Escolar”, estudo qualitativo realizado pela ONG paulista em 11 capitais brasileiras, com diferentes parceiros: no Rio de Janeiro, cujos resultados foram lançados na segunda-feira, 04 de outubro, a pesquisa foi feita juntamente com as Secretarias Estaduais de Educação e de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH).
O Rio de Janeiro é a décima capital – das 11 pesquisadas – a receber a “reunião devolutiva” após o estudo – os resultados locais já foram apresentados em Recife (PE), Natal (RN), Porto Velho (RO), Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG), Manaus (AM), Cuiabá (MT) e Goiânia (GO). A próxima será São Paulo (SP). O estudo buscou conhecer a percepção de gestores, educadores e alunos da rede pública de ensino – com foco no ensino fundamental, do 6º ao 9º ano – sobre a situação da homofobia no ambiente escolar, visando dar subsídios ao programa Brasil sem Homofobia.
A pesquisa ouviu 1400 participantes – dos quais 385 estudantes e 410 professores – e incluiu 4 escolas em cada capital – duas estaduais e duas municipais –, escolhidas entre as que obtiveram classificação superior a 75 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). A pesquisa da Reprolatina obteve resultados similares ao do estudo “Juventude e Sexualidade” realizado pela Unesco em 2004, que abrangeu diferentes aspectos da vida sexual dos jovens, incluindo a discriminação em relação aos homossexuais no ambiente escolar. Ambas as investigações mostram a forte presença da homofobia na escola, embora ela seja negada, já que a população LGBT [lésbicas, gays, bissexuais e transexuais] é pouco visível neste ambiente. No caso do levantamento da Unesco, mesmo que um grande número dos alunos tenha afirmado posições libertárias em relação à homossexualidade na escola, cerca de um quarto dos estudantes entrevistados afirmou que não gostaria de ter um colega homossexual. Na pesquisa da Reprolatina, por sua vez, foram recorrentes relatos do tipo “Tem que se respeitar o lugar onde você está. Se ele (aluno homossexual) não se mostra, não será agredido”, dito por uma autoridade escolar entrevistada. Ou ”Não gosto do desmunhecar quando é apelativo. Atrapalha a aula”, relato de um aluno.
“Quando os estudantes homossexuais não se mostram, são mais aceitos”, avaliou a presidente da Reprolatina durante o lançamento dos resultados do Rio de Janeiro. “Alguns dos entrevistados afirmaram achar que a escola é um ambiente igual para todos, alegando que os homossexuais são pessoas ‘alegres’ e bem aceitas por fazerem a alegria de todos, e que só não frequenta a escola quem não quer. A homofobia na escola é negada, primeiramente pelo discurso que invisibiliza a presença de estudantes LGBT e, segundo, porque as expressões da homofobia são muitas vezes minimizadas ou neutralizadas. Deboches ou piadinhas não são percebidos como expressões homofóbicas”, revelou Margarita Díaz.
Se a presença de estudantes gays e lésbicas é invisibilizada nas escolas (sendo o segundo grupo ainda mais “invisível” que o primeiro), o que dizer das travestis? “Nos resultados referentes ao Rio de Janeiro, houve o reconhecimento de que a exclusão das travestis e transexuais representa um desafio para a escola. Percebemos a não aceitação ao uso do nome social, da maquiagem e do banheiro feminino por parte desses grupos. Sentimentos de nojo ainda predominam”, observou a coordenadora do estudo.
A pesquisa revelou ainda haver regras de namoro diferentes para alunos homossexuais e heterossexuais e a existência de discursos de repressão para manter a ordem. “Beijo na boca entre dois meninos ou duas meninas me choca”, relatou um dos participantes.
A investigação trouxe também à tona o discurso de que a diversidade sexual não deve ser realçada na escola ou ter um tratamento especial. E revela um desconhecimento total sobre os conceitos de gênero e orientação sexual. “Para a grande maioria dos educadores, orientação sexual significa educar e informar sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)”, afirmou Margarita.
Segundo a pesquisadora, houve também o consenso de que a educação sexual não é realizada de maneira sistemática na sala de aula. Os assuntos relacionados à sexualidade são enfocados nas aulas de ciências. “Há uma falta de preparo ou mesmo de interesse dos educadores, além de um temor da reação desfavorável das famílias, o que me leva a questionar se as famílias são realmente um empecilho à implementação da educação sexual nas escolas ou se são usadas pelos educadores como desculpa para não realizá-la”, ressaltou.
De acordo com a pesquisa, a homofobia na escola é tão invisibilizada, que a evasão escolar de alunos gays e lésbicas é sempre justificada pela direção como sendo causada por fatores como o uso de drogas, nunca pela homofobia. E a evasão é apenas uma das consequências da discriminação apuradas pela pesquisa: na lista figuram ainda a depressão, a tristeza e casos de suicídio entre os estudantes LGBT.
Em relação ao ambiente escolar, a investigação da Reprolatina captou uma forte presença de símbolos religiosos, o que levou os pesquisadores a questionar de que maneira estes símbolos – ao lado das aulas de religião – trazem consigo valores morais que possam estar fortalecendo a homofobia na escola.