CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Menos filhos, maior empoderamento

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) iniciou a divulgação dos dados coletados durante o Censo de 2010. Os números apontam uma tendência de diminuição da gravidez na adolescência e revelam um país cujas mulheres têm preferido ter filhos depois dos 30 anos. Em comparação com o Censo 2000, os dados mostram que as brasileiras têm deixado de ser mães tão jovens como constatado na década anterior. Há dez anos, 18,8% dos nascimentos ocorriam na faixa dos 15 aos 19 anos e 29,3% entre 20 e 24 anos. Essas proporções caíram para 17,7% e 27%, respectivamente. Os nascimentos na faixa de mais de 30 anos, que eram 27,6% do total, subiram para 31,3%.

Segundo o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE), o padrão de fecundidade do Censo 2010 indica que serão necessários ajustes nas políticas de contracepção. “Com a tendência de as mulheres passarem a ter filhos depois dos 30 anos, a distância entre as gestações e a menopausa se encurta. Dessa forma, quando a mulher der por encerrada a geração de filhos – em geral, elas buscam ter em média dois filhos -, os métodos contraceptivos requeridos poderão ser reversíveis, como a tabelinha. É um processo diferente do que ocorre quando a concentração das gestações se dá entre mulheres mais jovens e geralmente pobres. Ao terem sucessivos filhos, elas atingem ainda novas o tamanho da família desejada e, assim, decidem ‘fechar a fábrica’. O método preferencial é a esterilização via laqueadura. É o que chamamos de controle por terminação. O Censo 2010, portanto, é um importante norteador de como vamos elaborar, ajustar e executar políticas em inúmeras áreas, como a saúde”, avalia.

O aumento da gravidez em mulheres com mais de 30 anos, na verdade, é um processo que ocorre há algum tempo. Segundo José Eustáquio, as mulheres na faixa dos 30 anos preferem adiar a gravidez para investir na formação escolar e acadêmica e na entrada no mercado de trabalho. “É uma situação que chamamos de 2ª transição demográfica, na qual o padrão de fecundidade se dá depois de 30 anos e em novos arranjos familiares. Esse processo de empoderamento envolve outras questões. A formação educacional das mulheres é maior que a dos homens. Em todos os níveis educacionais (primário, ensino médio, graduação e pós-graduação), elas ultrapassaram os homens. E apesar de os homens serem maioria da População Economicamente Ativa (PEA), a maior parte desta população com 11 ou mais anos de estudo é ocupada por mulheres. Elas são a elite educacional da PEA”, afirma o demógrafo.

Além disso, segundo ele, o empoderamento das mulheres está evidenciado também na participação eleitoral. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 1998, as mulheres eram minoria no eleitorado (52,8 milhões de eleitoras). A partir de 2000, elas passaram a ser maioria, totalizando 55,4 milhões de votantes. Em 2010, o país registrou 5 milhões – no total, 70,4 milhões – a mais de eleitoras em relação aos homens, a maioria com mais de 30 anos.

Os dados coletados pelo IBGE também apontam que a taxa de fecundidade caiu abaixo do nível de reposição populacional. Em média, as mulheres têm 1,86 filhos. Em 2000, a taxa era 2,35, caindo para 2,1 em 2005, nível mínimo para a reposição populacional. “Estamos abaixo desse nível, no entanto, a população brasileira ainda é jovem e, por isso, não diminuiu. A tendência é de um envelhecimento nas próximas décadas”, explica José Eustáquio. A queda nesses números é explicada pelo fato de as mulheres estarem preferindo investir em outros âmbitos de suas vidas, como formação educacional. Apesar dos avanços, porém, o país ainda convive com índices de desigualdade em diversos âmbitos, como por exemplo na questão da renda. Segundo o Censo de 2010, a renda das mulheres representa 70% da dos homens: o rendimento mensal feminino equivale a R$ 983, enquanto o masculino totaliza R$ 1.392. Segundo o IBGE, o Brasil apresenta um superávit de mulheres. Para cada 96 homens, há 100 mulheres. Em relação ao Censo anterior, de 2000, a proporção era de 97 homens para 100 mulheres. “De fato, vivemos um superávit de mulheres. São 4 milhões a mais que os homens. Uma das razões é que os homens encabeçam as estatísticas de mortalidade por causas externas (homicídios e acidentes). Temos no Brasil mais de 100 mil mortes anuais por esses motivos, o que representa duas Guerras do Vietnã por ano. O conflito nas décadas de 1960 e 1970, que durou 15 anos, registrou 46 mil soldados norte-americanos mortos. Além disso, as mulheres vivem, em média, 7 anos a mais que os homens (77 contra 70 anos)”, revela o professor da ENCE.

Mas se por um lado os dados de fecundidade e reprodução não são novos – revelam tendências observadas nos últimos anos –, por outro lado, pela primeira vez o Censo brasileiro procurou contabilizar as relações entre pessoas do mesmo sexo. Foram registrados 60 mil casais.

“A iniciativa do Censo é relevante, pois sinaliza o reconhecimento desse tipo de união. A questão do registro dos casais gays, no entanto, merece uma ressalva. A coleta desses dados resultou de um questionário no qual se procurava saber se havia cônjuges do mesmo sexo habitando o domicílio. Há um evidente risco de sub-notificação, pois o entrevistado pode não declarar que vive com uma pessoa do mesmo sexo ou ainda estar em um relacionamento homoafetivo no qual as partes vivem em domicílios separados”, salienta o demógrafo.