CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

O papel do professor

“Eu vejo os professores como ponta de lança para uma política de educação. Hoje em dia há uma necessidade nacional, sentida pelos professores, de abordar temas como sexualidade e uso de drogas na escola. Esse seminário chega num ótimo momento”, disse o antropólogo Sérgio Carrara na abertura do I Fórum Transversalidade Curricular na Escola, no dia 24 de agosto, promovido pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) e pela ERA 2000, organizações que atuam nos campos da sexualidade e da educação. As duas instituições juntaram esforços e lotaram o auditório da UERJ para propor aos presentes, a maioria profissionais da educação, que levassem às salas de aula dois dos assuntos mais delicados da atualidade: a sexualidade e o uso indevido de drogas. Veja o que foi debatido em cada mesa.





Mesa I – Juventude e sexualidade: Tratando o tema em sala de aula



Coordenação: Sérgio Carrara (Antropólogo e Coordenador Geral do CLAM)



Fabíola Rohden (IMS/CLAM)



A antropóloga falou sobre gravidez na adolescência e o efeito na vida dos jovens e, conseqüentemente, no seu percurso escolar. “Houve uma mudança na expectativa que temos em relação aos nossos jovens, se compararmos com o passado. A escola hoje em dia é uma passagem fundamental para a juventude. Depois vem a faculdade, e só depois esperamos que esse jovem se case e tenha filhos. E essa pretensão é a mesma tanto para rapazes quanto para moças, diferentemente do passado, quando o mais importante para uma menina era casar e constituir família. Nessa perspectiva atual, a gravidez significa uma interrupção nesse processo”, afirmou Fabíola que, ao apresentar dados da pesquisa GRAVAD, estudo multicêntrico (UERJ/UFBA/UFRGS) realizado com quase cinco mil jovens, mostrou a importância da escola em relação à sexualidade, gravidez e fonte de informação sobre DSTs e Aids. “Constatamos que as adolescentes grávidas conversam primeiramente com as mães e depois na escola. O tema da iniciação sexual é falado com amigos do colégio e, como fonte de informação de doenças sexualmente transmissíveis, professor e escola aparecem em primeiro lugar”, finalizou.



Juliana Mendes (NIGS – Núcleo de Identidade de Gênero e Subjetividades/UFSC)



A antropóloga falou de como se deve desconstruir tabus e conceitos em sala de aula. “Nossa linguagem, como professores, deve estar adequada não somente à idade de nossos alunos, mas também ao seu nível cultural”, disse ela no início de sua apresentação. “Talvez nossos alunos não estejam acostumados a falar sobre sexo. Mas estão habituados às brincadeiras jocosa. O professor deve saber lidar com as piadas, desconstruindo aquelas sobre a loira burra e o homossexual,por exemplo”. Segundo Juliana, a homossexualidade ainda é um tabu, assim como o homem como professor. “O grande papel da escola está na construção do sujeito”, afirmou ela.



Marcos Ribeiro (ONG CORES – Centro de Orientação e Educação Sexual/RJ)



O sexólogo afirmou que a escola é o espaço para se tratar da sexualidade. Segundo ele, para tanto os professores precisam passar por um processo de capacitação. E deu algumas dicas: “Trabalhar com o corpo é fundamental para desmitificar todos os conceitos equivocados que foram passados pela educação familiar”. Marcos listou três objetivos que são importantes nesse processo: informar, desconstruir mitos e crenças e trabalhar o emocional da criança e do adolescente pela perspectiva pedagógica. “É fundamental que a sexualidade faça parte do projeto pedagógico da escola”, disse. O sexólogo sugeriu que até mesmo numa reunião de pais deve-se falar sobre temas como gravidez na adolescência de forma vivenciada, como uma aula de educação sexual. “Assim os pais passam a ser parceiros nesse projeto. Falar sobre virgindade na época da mãe ou da avó, por exemplo, contextualizando o assunto, pode servir para desconstruir a inibição em se falar a respeito do assunto”.





Mesa II – Prevenção ao uso indevido de drogas: o papel do professor



Coordenação: Lilia Catão (Conselheira em dependência química e instrutora da ERA 2000)





Ligia Costa Leite (Phd em Comunicação e professora do Instituto de Psiquiatria da UFRJ)



Segundo a professora, a adolescência, independente da cultura em que esteja inserida, significa uma passagem da infância para a vida adulta. “Desta forma, existem algumas peculiaridades nesta fase da vida, como: a agressividade à autoridade, que restringiria seus atos; o desejo de correr riscos – seja pela prática do sexo sem proteção ou do uso de drogas – dentro de determinados grupos nos quais o adolescente se sente mais seguro; a necessidade de se sentir amado e querido, ainda que pelas mesmas figuras autoritárias que ele enfrenta“, disse Ligia. “O uso de drogas é uma forma de fugir de um sentimento de insegurança, pois o jovem já não está mais na infância, mas ao mesmo tempo ainda não é adulto”, completou.





Simone Monteiro (Pesquisadora Doutora do Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz)



Simone Monteiro apresentou uma pesquisa realizada pela Fiocruz que trabalhou com a prática do uso indevido de drogas no contexto escolar. “Criamos um jogo chamado O Jogo da Onda, que abordava questões como uso de drogas, relações familiares e amorosas. É um jogo de duplas, no qual um participante tem que adivinhar o que os outros pensam a respeito dos temas abordados, buscando ao mesmo tempo uma aproximação entre os jovens. Averiguamos a aplicação do jogo por professores, com alunos de 4 escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro.”

Segundo a pesquisadora, alguns dos resultados obtidos foram: o conhecimento dos jovens quanto aos tipos de drogas é bastante amplo, eles conhecem os efeitos principalmente do álcool, da maconha e da cocaína e têm o acesso bastante facilitado. Ela verificou também que parte do grupo entrevistado fazia uso controlado – chamado por eles de uso social – de álcool, cigarro e maconha, e que o uso inicial dessas drogas se dá por pressão do grupo, fácil acesso e pela idéia de que eles possuem controle sobre esse uso.



Oscar Cox (Médico e professor convidado da ERA 2000)



O doutor Oscar Cox expôs a interessante informação de que as drogas só se tornaram interesse de estudo no século XX, apesar de existirem desde os primórdios da nossa civilização. Segundo o doutor, para que o jovem evite o uso de drogas, é necessário que ele se conheça. “É preciso que o jovem entenda que somos seres humanos falíveis, com qualidades e defeitos. Devemos buscar a resposta do quem somos, o que queremos ser e o que queremos parecer ser. Estas questões estão relacionadas a auto-estima, que surge no período da adolescência”.

Oscar concluiu reforçando a questão do autoconhecimento: “o homem total se caracteriza pela integração de suas paixões: a lucidez a respeito de seus motivos e impulsos e a autonomia do eu”.





Entrevista: Ana Maria Rattes



Nesta entrevista, a presidente da ERA 2000, Ana Maria Rattes, fala da importância da escola na formação do sujeito e como a transversalidade curricular pode ajudar nesse processo.



1. Qual o objetivo do fórum, o que se deseja alcançar com o evento?



A ERA 2000 tem como estratégia de ação atuar no campo da educação. Nós acreditamos que é pela educação que chegaremos a um estágio tolerável das mazelas que acometem a nossa sociedade. E quando falamos de educação, não podemos de maneira nenhuma esquecer o profissional de educação. Nós temos trabalhado com vários municípios da Baixada Fluminense, Niterói e São Gonçalo e temos visto o grande envolvimento que estes profissionais têm com o sacerdócio da tarefa de educar. O fórum vem marcar a atuação da ERA 2000 neste campo quando associa dois grandes temas transversais da educação: prevenção às drogas e sexualidade.



2. Qual é, na sua opinião, a importância da transversalidade curricular na educação?



Na realidade a transversalidade é uma conseqüência das mudanças ocorridas na nossa sociedade. É necessário que os professores se habilitem para tratar de tais temas.



3. Qual deve ser o papel do professor na construção social do sujeito?



Todos os profissionais devem se atualizar na sua área, mas o professor precisa mais do que isto. É necessário que ele acompanhe as mudanças ocorridas na sociedade cuidando para não multiplicar conceitos equivocados a respeito de temas que dizem respeito aos direitos humanos, civis e sociais. E no campo da sexualidade e do uso indevido de drogas, por falta de conhecimento, multiplicar informações de um ponto de vista que não discrimine é pouco comum. O objetivo da Era 2000 e do Clam nestes dois campos, respectivamente, é desconstruir estes discursos e construir outros, que respeitem a individualidade e os direitos humanos das pessoas.



4. Qual a importância da escola nesse processo?



Atualmente, ela deve ser a responsável pela formação integral da criança e do adolescente. Um dos fatores que levou à escola essa responsabilidade foi a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Antes deste fenômeno, a mulher acompanhava mais de perto o desenvolvimento escolar do seu filho ensinando o dever de casa e preparando-o para o cotidiano da sala de aula. Hoje, a mulher, tanto das classes populares quanto das classes mais privilegiadas, trabalham fora e muitas vezes não têm tempo para os assuntos que permeiam o comportamento e a educação dos seus filhos. Este fator deixa para a escola e conseqüentemente para o professor a responsabilidade de tratar de temas não convencionais. Nos países mais desenvolvidos já é assim. O regime de tempo integral coloca para os profissionais de educação esta responsabilidade.