A escritora americana Leanne Payne vê a homossexualidade como “uma crise de identidade, uma condição pecaminosa que pode ser perdoada e curada por Cristo, através da cura das lembranças e da oração”, afirma ela no livro “A cura do Homossexual”. Publicações como a de Leanne, que enchem cada vez mais as prateleiras das livrarias, foi um dos fatores que estimulou a pesquisa “Sexualidade e experiência religiosa: análise dos discursos sobre homossexualidade entre homens evangélicos”, do pesquisador Marcelo Natividade, doutorando em antropologia social pela UFRJ. “O que me motivou foi primeiro observar que a idéia de cura para a homossexualidade está presente tanto na mídia quanto na literatura evangélica”, explica o autor, que vai falar sobre o tema durante o Seminário Relações Familiares, Sexualidade e Religião, que será promovido pelo CLAM, GREFAC (UERJ) e Museu Nacional (UFRJ) entre os dias 4 e 6 de agosto.
Além da literatura, existem iniciativas de religiosos que também pretendem fornecer algum tipo de “tratamento” a homossexuais, visando “transformá-los” em heterossexuais, como por exemplo, o Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES) e o Conselho de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC). Por outro lado, os testemunhos de pessoas que se converteram e se afirmam “ex-homossexuais” revelam que iniciativas como essas têm tido algum tipo de impacto sobre indivíduos que vivenciam dilemas em relação à sua homossexualidade. “Ao fazer a pesquisa, meu objetivo era analisar o que é essa experiência de cura e quais os dilemas vividos pelas pessoas, que as levam para esse tipo de recurso. Procurei buscar o impacto da conversão na trajetória afetivo-sexual desses indivíduos”, diz o pesquisador.
Atualmente, tem sido bastante significativa a procura, por parte de homossexuais, a igrejas evangélicas. Há dois meses, foi criada no Rio a Igreja Comunitária Metropolitana (ICM), primeira instituição religiosa na cidade direcionada aos gays. A pesquisa citada revela, porém, que de uma forma geral os homossexuais não entram para a religião para curar-se. “Não existe uma relação causal entre a conversão e a busca da cura. Diversas motivações podem levá-los a uma aproximação do ambiente religioso, como por exemplo, uma decepção amorosa. Muitos dos convertidos inclusive já cresceram em famílias evangélicas, ou seja, a conversão acontece quando ainda são adolescentes”, ressalta Marcelo. “O comportamento homossexual é reprovado socialmente, por isso podemos pensar se as experiências de estigma em torno da sexualidade não colaborariam para a adesão religiosa, sendo a conversão uma possibilidade de recuperar a auto-estima”, diz ele.
Apesar de não poder ser apontada como causa primordial da conversão, a homossexualidade vai, num determinado momento, ser questionada por aqueles que se convertem. “A necessidade de mudar a sua orientação sexual será uma das etapas de seu processo de conversão. Motivado pelo discurso religioso, este indivíduo questionará sua identidade sexual. Isto é, a busca da “santificação” implicará em abandonar a prática homossexual”, observa. “Alguns retomam a experiência sexual com homens, o que pode gerar grande sofrimento e angústia”, completa.
O discurso da “cura homossexual” alcançou até mesmo lideranças políticas ligadas a movimentos evangélicos. Recentemente, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou em duas comissões um projeto de lei que prevê a criação, pelo governo estadual, de um programa de auxílio às pessoas que, voluntariamente, optarem pela mudança da homossexualidade para a heterossexualidade. O projeto é do deputado estadual Édino Fonseca (PSC), pastor da Assembléia de Deus.