Invisibilidade de temas como o aborto e uma ofensiva religiosa marcam a reta final das eleições no Brasil. Para a socióloga Gilberta Soares (Cunhã Coletivo Feminista), secretária-executiva das Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, a invisibilidade em relação à descriminalização do aborto no país se deve à falta de compromisso dos políticos com a agenda dos direitos sexuais e reprodutivos.
“Existe um atrelamento à agenda conservadora, patriarcal e neoliberal, protagonizada pelos setores dominantes da política brasileira. Mesmo os candidatos que pessoalmente são mais abertos, não chegam a se manifestar. O conservadorismo cresce em períodos eleitorais e os candidatos temem vincular sua imagem a qualquer tema considerado polêmico. Ademais, há candidatos se promovendo como porta voz da moralidade brasileira”, afirma Gilberta.
Em relação à mídia, segundo ela, os jornais impressos têm mais liberdade editorial para tratar temas polêmicos. “No monitoramento de mídia que as Jornadas pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro fazem, podemos perceber um crescimento de materiais sobre os temas, em agosto e setembro, em relação aos meses anteriores. Já nos meios televisivos – mídia de massa – o debate não aparece. A concepção da mídia televisiva e os compromissos comerciais e editoriais não permitem promover debates mais aprofundados, além de vetarem estes temas”, observa.
Ao lançar, em junho, o blog Mulheres de Olho nas Eleições, o Instituto Patrícia Galvão tinha como proposta o diálogo de organizações que defendem os direitos sexuais e reprodutivos com outros setores da sociedade, a imprensa, os partidos políticos e seus candidatos, tendo em vista o processo eleitoral. Desde então, as plataformas políticas e programas de ação do/as principais candidatos/as à presidência têm sido acompanhados e analisados no site, tendo em vista as reivindicações das mulheres em relação a assuntos como o atendimento à saúde, contracepção e aborto.
“Infelizmente o período pré-eleitoral se mostra pouco propício à discussão sobre esses temas candentes para a sociedade. A tendência é que eles fiquem pouco visíveis, por conta da priorização de temas como a política econômica, a segurança pública e a questão da ética na política e na administração pública. Nossa idéia é manter uma luz acesa sobre os temas com os quais trabalhamos, monitorando o que sai na imprensa e prestando atenção nos programas de governo e diretrizes partidárias para localizar onde e como esses campos aparecem”, afirma a comunicadora social Angela Freitas, uma das sócias-fundadoras do Instituto Patrícia Galvão e editora do blog.
Outra questão enfocada pelo blog nas últimas semanas diz respeito à ofensiva religiosa empreendida por setores fundamentalistas da Igreja Católica contra a deputada federal Jandira Feghali, relatora do projeto de Lei 1135, que propõe a descriminalização do aborto em casos específicos. Nas últimas semanas, um panfleto vem sendo distribuído nas paróquias católicas do Rio de Janeiro pela Frente Carioca pela Vida, atribuindo ao projeto o conteúdo de “optar pela interrupção da gravidez como método contraceptivo”. No panfleto em questão, a imagem de Jandira Feghali fica reduzida à de alguém que seria “contra a vida”.
Como resposta a esta ofensiva religiosa, o blog está apoiando uma campanha de apoio à Feghali, através de uma carta intitulada “Compromisso com a democracia”, da qual são signatárias importantes organizações da sociedade civil brasileira, como a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, a Articulação de Mulheres Brasileiras, Católicas pelo Direito de Decidir, a União Brasileira de Mulheres, a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, o CFEMEA e o SOS Corpo – Instituto Brasileiro para a Democracia, entre outras. Para aderir à Campanha, basta acessar o blog e assinar a Carta.
“O aborto representa no Brasil um assunto interdito e sua descriminalização tem se deparado com movimentos religiosos e partidos fundamentalistas que condenam essa prática. Vale lembrar que o tema em nosso país surge em meio à ditadura militar e não poderia ser tratado de maneira direta numa sociedade repressora”, analisa a antropóloga Rozeli Porto, do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) da Universidade Federal de Santa Catarina, em uma entrevista recente ao site do CLAM.
Para Gilberta Soares, no entanto, o avanço dos fundamentalismos no Brasil está vinculado ao contexto internacional. “Esse retrocesso conservador é representado pela política de George Bush, que combina imperialismo, militarismo e moralismo, e pela escolha do Papa bento XVI mais recentemente. No Brasil, e em outros países da América Latina (Uruguai, Chile, Argentina), a reação conservadora se faz presente nos contextos de governos democráticos que sinalizaram a possibilidade de fazer avançar na conquista da cidadania de grupos historicamente excluídos, como mulheres, homossexuais, negras e negros”, observa.
Estes mesmos setores religiosos, autores da ofensiva contra Jandira Feghalli, combatem também o uso da camisinha e da contracepção de emergência, a união civil entre pessoas do mesmo sexo e pesquisas com células-tronco de embriões humanos.