Muitas mulheres brasileiras não têm motivos para comemorar o 8 de março, dia do ano dedicado a elas. É o caso de Jéssica da Mata Silva, jovem de 21 anos do estado de Goiás que, grávida de oito semanas e querendo optar pelo tratamento de um câncer em detrimento do prosseguimento da gestação, teve seu pedido de autorização para abortar negado por um juiz. Como sugeriu o jornal que primeiro noticiou o caso de Jéssica (O Hoje, edição 5/3/2013), o juiz negou-lhe o direito de optar pela própria vida. O que ela não sabia – assim como muitas outras mulheres – é que, no seu caso, interromper a gravidez seria um direito legal seu.
“Ela tem o direito previsto em lei e nem teria necessidade de autorização judicial. A interrupção da gravidez por risco de vida e por estupro está prevista no Código Penal brasileiro. O caso dela refere-se ao risco à vida. O seu estado de gravidez traria conseqüências e agravaria a sua saúde. Ou seja, ela tem uma doença que vai se agravar, e com base no artigo penal 128, ela pode realizar o procedimento sem sofrer as implicações criminais previstas pelo aborto”, afirma a advogada Beatriz Galli, integrante das comissões de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) e assessora de políticas para a América Latina do Ipas.
“Falta informação de que o aborto não é crime nessas duas situações, o que leva as pessoas erroneamente a pensar que precisam de autorização judicial”, aponta a Galli, também Relatora do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil.
Segundo informações divulgadas pelo jornal O Globo neste 8 de março, o pedido de Jessica foi aceito em segunda instância, onde a desembargadora relatora do processo teve uma interpretação diferente do juiz da primeira instância. Para ela, o direito à vida, abrangendo a vida intrauterina, é inviolável e assegurado pela Constituição Federal. No entanto, "nenhum direito á absoluto, mesmo aquele do nascituro, quando do outro lado encontra-se a própria vida da gestante, sua sanidade psicológica e a dignidade da pessoa humana". (Fonte: jornal O Globo, ed. 08/03/2013)
O caso de Jéssica não é o primeiro. Em anos anteriores houve casos semelhantes, onde a mulher, por não ter ciência de seus direitos, apelou a um juiz para poder abortar e teve seu pedido negado por conta de interpretações restritivas dos magistrados que julgaram seus casos. Há dois anos, uma jovem do estado do Rio Grande do Norte teve a autorização judicial negada.
“O caso foi dramático porque o feto tinha uma anomalia fetal incompatível com a vida. A gravidez representava um risco à saúde, o que implica num risco à vida. Se o juiz tivesse a interpretação de que o risco à saúde implicaria em um risco à vida, o caso teria tido outro desfecho”, lembra Beatriz Galli.
Segundo a advogada, a mulher, nestes casos, além de não estar infringindo a lei, tem ainda os direitos constitucionais à vida, à autonomia reprodutiva, à liberdade e, principalmente neste caso, do acesso à saúde. ”No mínimo ela tem o direito constitucional de acesso á saúde”.
A respeito da agressividade do tratamento oncológico e do risco que ele oferece ao bebê, os médicos dizem que não há regras para se aplicar a todos os casos. Porém, segundo o jornal que noticiou o caso, os especialistas são enfáticos ao dizerem que a radioterapia oferece risco real ao feto, diferentemente da quimioterapia que pode ser adotada paralelamente à gestação em algumas pacientes, sendo ideal esperar no mínimo o terceiro mês de gravidez.
No laudo anexado ao processo, o médico responsável pela tentativa de cura da jovem diz que “devido à gestação, o tratamento apresenta uma alta chance de provocar aborto ou, mais frequentemente, mal-formações graves [sic] (neurológicas, cardiológicas e de membros), tornando-se, por isso, a gestação uma contra-indicação absoluta de qualquer tratamento radioterápico”. (Fonte: Jornal O Hoje, Ed. 07/03/2013)
“Ela não pode ser obrigada a levar a termo essa gravidez, pois isso viola o princípio constitucional da dignidade humana. Uma decisão negando seu direito ao aborto torna a situação mais difícil para ela, uma vez que a gestação vai avançando, o estado de saúde vai se agravando e não se sabe se ela vai conseguir fazer o tratamento que necessita. Ela se vê numa situação de não poder fazer o tratamento adequado por risco ao feto”, analisa a advogada.
O problema, na análise da advogada, é o grau de desconhecimento em relação aos direitos e a pouca informação que chega às pessoas.
”As pessoas pensam que temos uma legislação completamente restritiva, o que interfere no exercício de seus direitos”, ressalta.
Para ela, faltam diretrizes no Ministério da Saúde informando as situações que são enquadradas nos artigos do Código Penal, isto é, diretrizes que expliquem o marco normativo.
“Deveria haver uma diretriz mais especifica nestes casos de risco à vida. A maioria dos países latino-americanos, com exceção de Estados como a Nicarágua, tem o permissivo do risco à saúde. O Ministério da Saúde deveria implementar uma campanha de informação dizendo que as mulheres têm esse direito”, finaliza.
Uma boa referência no tema é a publicação “Causal Salud”, que trata do permissivo legal para a interrupção da gravidez em caso de risco á saúde da mulher. Clique aqui para ler.