CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

A dimensão social da sexualidade

A médica e professora Regina de Moura, organizadora do 1º Seminário de Sexualidade: A Sexualidade no mundo contemporâneo – encontros e desencontros, que será realizado entre os dias 29 de novembro e 1 de dezembro no Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), acredita na importância de os médicos se conscientizarem de que a sexualidade não está restrita aos órgãos genitais e ao coito. Ela destaca que expressão sexual não é o sinônimo de desempenho sexual e que direitos sexuais não significam a obrigatoriedade de atividade sexual e orgasmo. Segundo ela, esta tem sido sua grande luta na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde leciona há 24 anos.

“Na Faculdade de Medicina esquecemos de abordar a dimensão da sexualidade. Tratar da sexualidade humana não é exclusividade de especialistas das áreas da Urologia ou da Ginecologia”, afirma Regina.

Médica com mestrado em sexologia, atualmente Regina desenvolve trabalhos em sexualidade no Departamento de Medicina Integral e Comunitária da FCM, promotor do seminário, que reunirá profissionais de diversas áreas em torno de temas como os direitos sexuais e reprodutivos, sexualidade e saúde, Aids, religião e sexualidade. O evento contará com a presença da ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, que realizará a conferência Feminização da Aids e desigualdade de gênero, além da participação dos pesquisadores do CLAM, Sérgio Carrara (CLAM/IMS/UERJ) e Fabíola Rohden (CLAM/IMS/UERJ). O antropólogo participará da mesa-redonda intitulada Dos Direitos e das violações sexuais, que será realizada no primeiro dia do evento. No dia 30, Fabíola Rohden ministrará a conferência Saberes sobre a sexualidade: novas e velhas questões.

A proposta do Seminário, segundo Regina, é expandir e explorar os debates que envolvem todos os aspectos da sexualidade estudados, pesquisados e lecionados dentro e fora da universidade. “Se na Faculdade de Ciências Médicas, no Instituto de Medicina Social e nas faculdades de Educação, Psicologia e Direito existem pessoas ligadas ao ensino e pesquisa em sexualidade, por que não juntá-las em um encontro? Assim poderemos aumentar nossa rede de conhecimentos, possibilitar novas propostas de estudos e, principalmente, atingir objetivos práticos que possam ser aplicados à sociedade, uma vez que essa uma das funções principais da universidade”, observa a professora.

Nesta entrevista, Regina de Moura fala do ineditismo de um debate amplo sobre o tema dentro da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ e da importância da categoria médica discutir a temática da sexualidade e dos direitos sexuais e reprodutivos.

Informações sobre o evento no site www.cepuerj.uerj.br

Esta é a primeira vez que a Faculdade de Medicina da UERJ realiza um debate no gênero?

Podemos dizer que o seminário é um evento inédito, pois é a primeira vez que a Faculdade de Ciências Médicas abre esse debate da maneira que estamos propondo. Houve alguns (poucos) encontros de especialistas para discutir a fisiopatologia e o tratamento medicamentoso ou cirúrgico das disfunções sexuais. Nos dois últimos anos, durante o Congresso Científico do HUPE, tivemos a oportunidade de debater as questões da sexualidade tanto em mesas-redondas, quanto em cursos pré-congressos. Mas todas essas apresentações foram pontuais e no escopo de um evento não específico. Dessa vez, procuramos explorar a complexidade do tema e, para isso, é indispensável a participação de profissionais de diversas áreas. Essa é a primeira vez que a FCM reconhece e legitima a “desbiologização” da sexualidade.

Qual a importância da categoria médica discutir a temática da sexualidade e dos direitos sexuais e reprodutivos?

Os cursos de graduação em medicina vêm passando por diversas reformulações nos últimos anos, para que possam acompanhar as mudanças sociais. Até porque não faria o menor sentido que a medicina estancasse num pedestal de conhecimento exclusivamente biológico. Reconheceu-se que determinantes psicológicos, históricos, culturais e econômicos, por exemplo, podem interferir no processo de saúde e doença, tanto no nível individual, quanto no coletivo. Como o estudo da sexualidade perpassa por todos esses aspectos – porque diz respeito ao ser humano integral, que como homem e como mulher influencia e sofre influências de todas essas variáveis -, é de suma importância que os médicos assimilem a consciência de que a sexualidade não está restrita aos órgãos genitais e ao coito, que expressão sexual não é o sinônimo de desempenho sexual e que direitos sexuais não significam a obrigatoriedade de atividade sexual e orgasmo.

Algumas intervenções médicas em atividades de prevenção das DST/Aids e gravidez na adolescência, por exemplo, embora muito bem intencionadas, sempre terminam com uma “farta distribuição” de preservativos. Sem o entendimento de todas as questões “não-biológicas” que envolvem a sexualidade, essas intervenções continuarão a ser um tiro n’água, porque não atingirão os objetivos principais.

Prescrever medicamentos para a disfunção erétil (impotência sexual) sem um entendimento da dinâmica de instalação dessa disfunção naquele indivíduo, apenas fará com que seu pênis tenha a possibilidade de readquirir firmeza, mas ele continuará impotente.

Fazer todas as investigações clínicas em casos de infertilidade conjugal, sem ao menos indagar a freqüência e o tipo de relação sexual desse casal pode ser um desperdício de conhecimento, de tempo e de dinheiro.

Os exemplos citados, de modo algum exagerados, estão, de certo modo, relacionados às especialidades e em todos eles vemos apenas o conhecimento técnico dos profissionais. Mas a sexualidade não está restrita nem pode ser exclusiva de nenhum setor da Medicina: ela é propriedade do indivíduo. Portanto, todo médico que se ocupa de gente, precisa desse entendimento, e não de técnica. Para isso é necessário que se inicie o debate de forma ampla, e não em guetos isolados ou territórios exclusivos de conhecimento. Nesse sentido, dentro da FCM, nenhum outro setor me parece mais adequado do que o Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária que, além das várias competências e de atuar interdisciplinarmente, entende o ser humano de forma integral e integrado ao seu ambiente.

Que resultados espera obter com a realização deste seminário?

Esse seminário é uma proposta para que iniciemos a discussão da abordagem ampla da sexualidade que, espero, se estenda por muito mais tempo. Na faculdade de Ciências Médicas espero que, a partir dos debates propostos, possamos estender a abordagem da sexualidade humana ao curso de graduação e à residência médica do HUPE. Mas, principalmente, espero ampliar as possibilidades de encontros com as demais disciplinas da FCM, institutos da UERJ e outros centros de pesquisa e ensino extra-UERJ.

Pretendemos também a edição de um livro contendo todas as apresentações que ocorrerão no seminário. Todos os palestrantes concordaram em ceder os direitos autorais referentes aos artigos. Assim, o lucro resultante da venda dos livros será totalmente repassado ao Grupo Com Vida, que é um grupo de cuidado, tratamento e adesão às pessoas vivendo com HIV/Aids atendidas no HUPE. Para isso falta apenas encontrarmos a editora.