Na segunda-feira, 19 de maio, as integrantes do Grupo de Trabalho Gênero e Saúde da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), coordenado pela médica Wilza Vieira Villela, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), se reuniram na UERJ, buscando atualizar e aprimorar a reflexão sobre alguns temas de relevância no momento. Esta primeira Oficina – de uma série de quatro que GT estará realizando até o final do ano – tratou do tema “Políticas de Gênero, Políticas para Mulheres e Participação Social em Saúde”, tendo como expositoras a médica Ana Maria Costa (diretora do Departamento de Apoio à Gestão Participativa do Ministério da Saúde), Clair Castilhos (professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina e integrante do Conselho Nacional de Saúde), Sarah Escorel (pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública). Wilza acredita que, face ao desfavorável cenário nacional que se apresenta neste 28 de maio – Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher – em relação aos direitos reprodutivos, a discussão em torno da laicidade do Estado brasileiro é o que se faz mais urgente, em termos de ações.
“Seria importante uma articulação ampla, com diferentes setores da sociedade no sentido de denunciar, publicizar este lento, contínuo e insidioso avanço de posições conservadoras que têm ameaçado os direitos sexuais e reprodutivos de homens e mulheres”, afirma a pesquisadora. Na entrevista a seguir, ela fala de que forma a reafirmação da laicidade do Estado pode ajudar no enfrentamento das posições mais conservadoras e sobre os resultados da primeira Oficina do GT Gênero e Saúde (Abrasco).
No último dia 7 de maio, a Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados, rejeitou o projeto de lei 1135/1991, que propõe a descriminalização do aborto no Brasil. Por sua vez, a contracepção de emergência vem sendo suspensa em várias cidades, como Jundiaí (SP), e mulheres que cometeram aborto estão sendo processadas em Campo Grande (MS). Neste cenário, que ações se fazem urgentes em prol da saúde da mulher, frente a mais um 28 de maio?
O cenário nacional reflete um contexto internacional onde os direitos sexuais e reprodutivos, em geral, estão em retrocesso. Isto exige uma grande astúcia estratégica. O que tem sido pontuado é a necessidade de que não haja perda do que já foi conquistado – no caso, o aborto – onde existem permissivos legais e atendimento humanizado às mulheres que praticaram o aborto inseguro. Assim, ao lado da discussão mais ampla sobre direitos sexuais e reprodutivos, há que reconhecer, divulgar, usufruir e assegurar que se mantenha o que já foi conquistado. Mas, o que se faz mais urgente neste momento, em termos de médio prazo, é a discussão sobre o Estado Laico. Seria importante uma articulação ampla com diferentes setores da sociedade no sentido de denunciar, publicizar este lento, contínuo e insidioso avanço de posições conservadoras que têm ameaçado os direitos sexuais e reprodutivos de homens e mulheres.
De que forma a reafirmação da laicidade do Estado brasileiro pode ajudar no enfrentamento das posições mais conservadoras que têm ameaçado tais direitos?
A maioria dessas posições conservadoras está apoiada em preceitos religiosos que orientam a vida de alguns, não de todos. Os preceitos religiosos se apóiam na fé e no dogma, e não no que a ciência considera como verdadeiro no atual estágio do conhecimento. Deve-se, portanto, reafirmar que a fé e a religiosidade são direitos individuais, cabendo ao Estado zelar pela garantia dos direitos de todos os cidadãos, qualquer que seja a sua religiosidade. Assim, se uma mulher acredita que abortar é crime, mesmo que ela tenha sido estuprada, ela pode manter a gravidez, se quiser. Mas não se pode obrigar e ameaçar a liberdade daquela que não compartilha da mesma crença e acredita que filho deve ser o produto de um ato de amor, e não de uma adversidade.
O GT Gênero e Saúde da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), o qual a sra. coordena, acaba de realizar a primeira de um conjunto de quatro Oficinas temáticas que o GT estará organizando, ao longo do ano de 2008, visando atualizar e aprimorar a reflexão sobre alguns temas de relevância no momento. Que temas seriam estes?
Esta primeira Oficina tratou do tema “Políticas de Gênero, Políticas para Mulheres e Participação Social em Saúde”. Em resumo, as discussões apontaram a disjunção que existe hoje entre o campo de estudos de gênero, o campo da elaboração feminista e o controle social, que nem olha as políticas sob uma perspectiva de gênero. Quando aborda a questão da saúde da mulher não o faz a partir da experiência acumulada do movimento feminista brasileiro e não tem a saúde das mulheres como um item relevante na sua agenda, hoje. Este diagnóstico sugere e necessidade urgente de um esforço no sentido de ampliar a produção de conhecimento sobre gênero e saúde, em termos amplos, que extrapolem as questões reprodutivas para incluir outros temas, como as doenças crônicas e as relacionadas ao envelhecimento, o financiamento da saúde, o planejamento, etc., de modo a dar mais elementos para a ação dos movimentos sociais.
Nesta primeira Oficina, a sra. falou sobre lacunas que acontecem no planejamento e na execução de políticas públicas, nos estudos de gênero e no movimento de mulheres. Como acha que estes pontos devem interagir?
As políticas traçam delineamentos gerias, que devem ser implementadas por meio de ações concretas; os estudos de gênero se caracterizam (de modo muito genérico) por serem uma tentativa de olhar o mundo pela lente da necessária e inexorável “genderificação” do humano. Isto é muito importante para ajudar na compreensão do cotidiano de homens e mulheres, e mesmo para interpretar os resultados de algumas políticas e ações. Mas o nível analítico e interpretativo é distinto do nível da ação imediata. O movimento de mulheres, quando está bem, busca pressionar para que existam ações de governo que favoreçam a cidadania das mulheres, num processo que exige que as mulheres reflitam sobre a sua condição de gênero. A interação, grosso modo, poderia ser pensada, esquematicamente, como um processo retroalimentativo no qual o movimento de mulheres monitora necessidades de carências deste segmento populacional; os estudos de gênero facilitam que as mulheres percebam que estas carências e necessidades são sociais e historicamente determinadas, e se transformam. Esta consciência permite a articulação em torno da demanda por políticas. O processo de demandar políticas permite a construção de novos sujeitos, novas questões e novos interrogantes que irão estimular o processo de produção de conhecimento no campo dos estudos de gênero.
Um ponto destacado no encontro foi a necessidade do movimento de mulheres repensar algumas bandeiras. Quais seriam elas? Que reflexões deveriam ser feitas?
A primeira, me parece, é a distinção entre movimento de mulheres e movimento feminista. Tradicionalmente, no Brasil, o que se chama de “movimento de mulheres” abrange um leque grande de organizações e iniciativas que têm como mote a promoção da equidade de gênero por meio da conquista de direitos semelhantes para homens e para mulheres. O feminismo buscaria uma transformação mais profunda nas estruturas de poder na sociedade, tendo como eixos centrais a autonomia das mulheres e a crítica ao modelo de poder patriarcal, embora os movimentos de mulheres tenham como pressupostos as idéias feministas, enquanto práticas sociais e políticas, apresentam distinções que mereceriam um exame mais detalhado.
A partir desta distinção, linhas de debate que poderiam ser mais aprofundadas seriam aquelas que dizem respeito a temas como sexualidade e direitos sexuais, relação com o Estado e com governos, e mesmo o diálogo com outros movimentos sociais, temas que têm sido pouco trabalhados nos movimentos de mulheres e para os quais o feminismo não tem conseguido a ressonância necessária.