CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Educação sexual em avaliação

Com o reinício do ano letivo nas escolas do ensino fundamental e médio ressurge o debate sobre o papel da escola na construção da educação sexual de crianças e adolescentes. Para a educadora e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Helena Altmann, a escola influencia – em muito – o comportamento sexual dos jovens e, exatamente por isto, é importante que ela seja um espaço de conversas e aprendizagem sobre temas como gravidez, Aids e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), assuntos normalmente não discutidos pelas famílias.

“Quando conversamos com adolescentes sobre com quem e onde obtiveram informações sobre temas ligados à sexualidade, à gravidez, à DST e Aids, os principais lugares e pessoas citados, além da escola, são a família, a televisão e amigos”, diz a educadora, que em sua tese de doutorado em Educação na PUC-Rio, intitulada “Verdades e pedagogias sobre educação sexual em uma escola”, analisou como a escola tem lidado com a educação sexual de jovens.

O resultado do trabalho mostra a escola como uma instância “normalizadora” de comportamentos sexuais. É assim em relação a temas como gravidez na adolescência.

“A escola atua no sentido de que suas alunas não engravidem, uma vez que, hoje em dia, esse período da vida não é socialmente considerado adequado para a maternidade. Ao invés disso, a adolescente deveria investir nos estudos. É nesse sentido que, tendo engravidado, a escola deveria buscar condições para que ela não abandone, mas que dê continuidade aos seus estudos”, observa Helena.

Segundo ela, a escola atua também como agente “normalizador” em relação à diversidade sexual. Em grande parte dos casos, o relacionamento sexual é pensado dentro de uma relação heterossexual. “A sexualidade na escola é sempre introduzida a partir do conteúdo reprodução. No entanto, ao restringir a sexualidade a essa perspectiva, homossexuais, transexuais, entre outros, são deixados de fora. Acaba-se fazendo referência à homossexualidade apenas quando se fala sobre camisinha, DST e Aids”.

Durante o doutorado, iniciado em 2001, Helena foi aluna do curso de Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva, do Instituto de Medicina Social (IMS) da Uerj. Nesta entrevista, ela comenta os resultados de sua investigação, realizada em uma escola municipal do Rio de Janeiro com um Núcleo de Adolescentes Multiplicadores (NAM), iniciativa que pretende ir de encontro à determinação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do governo brasileiro, de fazer da educação sexual um tema transversal nas escolas.

A sra. realizou um trabalho de pesquisa sobre como a escola tem lidado com a educação sexual de jovens. Em sua opinião, qual a importância da escola na construção da educação sexual de crianças e adolescentes e até que ponto essa disciplina faz falta?

A escola tem um lugar importante na vida de crianças e adolescentes em vários sentidos, dentre eles, no que se refere à educação sexual. Quando conversamos com adolescentes sobre com quem e onde obtiveram informações sobre temas ligados à sexualidade, à gravidez, à DST e Aids, os principais lugares e pessoas citados, além da escola, são a família, a televisão e amigos(as). No entanto, seria um engano acreditar que exista conversa em todas as famílias. Além disso, quando entram em detalhes sobre essas conversas, constata-se que, para muitos, elas se reduzem a conselhos, como “use camisinha”, “olha a barriga” etc. Já em relação às amizades, comentam que nem sempre sabem se aquilo que o(a) amigo(a) conta é verdade ou não. Nesse sentido, minha pesquisa identificou que, muitos utilizam o que aprendem na escola como “critérios de verdade” para compreender e avaliar seus saberes sobre sexualidade. Em outras palavras, o que aprendem ali lhes ajuda a saber se é possível engravidar na primeira relação sexual, se masturbação dá espinhas etc. Para vários deles, a escola também é o único local onde tem a oportunidade de conversar sobre esses temas, de ter suas dúvidas respondidas, de ouvir explicações, trocar idéias.

Que aspectos positivos e negativos a sra. pôde levantar a partir de sua pesquisa?

Um dos aspectos positivos é o fato de que criar na escola um espaço de conversa e aprendizagem sobre esses temas – que não seja apenas dar conselhos – pode contribuir positivamente na maneira como adolescentes vivem sua sexualidade. No entanto, é um desafio fazer isso sem ser normativo ou prescritivo.

O que me parece negativo é que, na nossa sociedade a sexualidade ainda está muito vinculada às ciências biológicas e isso ocorre também na escola. Acredito que compreendê-la sob um perspectiva mais ampla, incluindo saberes das ciências humanas, seria positivo para todos.

Outra questão é que o trabalho de educação sexual ainda lida mal com a diversidade sexual. Um exemplo são os livros didáticos. Geralmente são eles que acabam introduzindo esse tema na escola a partir do conteúdo reprodução. No entanto, ao restringir a sexualidade à essa perspectiva, homossexuais, transexuais, entre outros, são deixados de fora. Acaba-se fazendo referência a homossexualidade apenas quando se fala sobre camisinha, DST e Aids.

Sendo desenvolvida basicamente a partir do tema reprodução, a disciplina não acaba por vincular a relação sexual (e principalmente o corpo feminino) exclusivamente à reprodução, e não ao prazer?



Sim. Uma primeira questão é que o que legitima o trabalho de educação sexual na escola é o seu caráter preventivo, tanto no que se refere à gravidez, quanto à DST e Aids. È isso que motiva políticas públicas nessa área. Em termos político-institucionais, o prazer não tem legitimado a educação sexual na escola. Também perante muitas famílias esse enfoque seria delicado.Um dos motivadores da educação sexual na escola são as pesquisas mostrando altos índices de casos de gravidez na adolescência. No entanto, parece haver um paradoxo no trabalho realizado pela escola: na medida em que a educação sexual é desenvolvida a partir do tema reprodução, essa acaba sendo enfatizada, quando é justamente a ocorrência dela entre adolescentes que diversas políticas educacionais querem evitar.Além disso, grande parte das relações sexuais entre adolescentes não tem função reprodutiva. Nesse sentido, vale a pena conversar sob esse tema também sob outras perspectivas, entre elas, a do prazer.

Nesta perspectiva, não estaria a escola também ajudando a consolidar ainda mais os padrões de “normalidade” tidos como hegemônicos, os quais definem certas identidades como “normais”, em detrimento de outras, consideradas fora do padrão? A sra. acha que, ao tratar da sexualidade desta forma, a escola acaba por influenciar e modelar determinados comportamentos?

Nossa sociedade se organiza de tal forma que os comportamentos, sejam eles sexuais ou não, são constantemente classificados, direta ou indiretamente, como normais ou anormais. Nesse sentido, a escola aparece como mais uma instância normalizadora de comportamentos sexuais. Há vários comportamentos a serem normalizados e várias formas de fazê-lo. A escola não atua sozinha. Cito um exemplo: a tão falada “gravidez na adolescência”. Ao falar sobre ela, normaliza-se a idade em que se deve ter filhos(as). O uso da expressão “gravidez precoce” demonstra isso. A expressão indica que a gravidez estaria ocorrendo precocemente na vida da mulher. Ora, isso é uma construção social, que está relacionada às demandas econômicas e sociais do momento histórico que vivemos. Lembrem que muitas das nossas avós engravidaram com a mesma idade e não tiveram sua gestação nomeada dessa maneira. Isso aparece recorrentemente na televisão, por exemplo, que produz reportagens mostrando os malefícios da gravidez nessa faixa etária. Ano passado, o Fantástico veiculou uma série de reportagens, com intenção educativa, sobre isso, produzido por Dráuzio Varela. De modo semelhante, a escola, atua no sentido de que suas alunas não engravidem, uma vez que, hoje em dia, esse período da vida não é socialmente considerado adequado para a maternidade. Ao invés disso, a adolescente deveria investir nos estudos. É nesse sentido que, tendo engravidado, a escola deveria buscar condições para que ela não abandone, mas a dê continuidade aos seus estudos.

Como o assunto anticoncepção é passado aos adolescentes? Que trabalho, em sua opinião, deve ser desenvolvido pela escola?

A escola é uma instituição educativa, que deve educar dialogando, transmitindo informações, propiciando experiências diversas. Outra questão é que há livros didáticos que vinculam a anticoncepção ao planejamento familiar entre casais. Ela seria utilizada para programar o momento e a quantidade de filhos que se deseja ter. Ora, esse não é o caso de muitos(as) adolescentes. Não se reconhecer nesse discurso acaba afastando-os dos métodos anticoncepcionais. É preciso trabalhar com essa questão mais perto da sua realidade, como refletindo e conversando sobre a anticoncepção em relações de namoro, de ficar etc., sobre qual método utilizar, sobre como utilizá-lo perante as mães e os pais, entre outros temas.

Além da gravidez, a sra. observou que entre as principais preocupações da educação sexual está a Aids. De que forma estes temas foram abordados nas aulas que a sra. freqüentou?

O assunto de DST e da Aids ainda é muito focado a partir da perspectiva do “choque”. Mostra-se, por exemplo, imagens de casos avançados de sífilis, herpes genital, condiloma etc. No entanto, pesquisas na área de educação em saúde tem demonstrado que campanhas preventivas de cunho “terrorista” têm sido ineficientes. A outra questão é que alguém que tenha, por exemplo, condiloma em um estágio inicial, não irá reconhecer a doença a partir de imagens da mesma doença em estado avançado – conforme visto na escola. Ele teria de esperar a doença evoluir para conseguir diagnosticá-la.

Voltando a falar em diversidade sexual. Uma vez que as relações homossexuais são praticamente ignorados nessas aulas, conforme a sra. constatou, de que forma a educação sexual, a partir da discussão das identidades excluídas, poderia atuar como mecanismo de minimização das desigualdades sexuais e de gênero?

Acredito que isso deva ser feito não só pela educação sexual, mas pela escola, como um todo. Há de se estar atendo aos vários mecanismos de exclusão presentes na escola, que são por vezes sutis e quase invisíveis – como através de piadas –, noutras explícitos, como por exemplo, suspensões ou até expulsões de alunos homossexuais. Falando especificamente sobre a educação sexual, penso ser importante mostrar aos jovens o quanto e como as identidades sexuais e de gênero são histórica e culturalmente construídas. Além disso, por que falar sobre homossexualidade e bissexualidade apenas quando se fala sobre DST e Aids? Por que não falar também de modo positivo da diversidade sexual? Por que a homossexualidade de artistas, escritores, músicos só é lembrada entre aqueles que faleceram vítimas da Aids? Porque não vincular a homossexualidade à beleza das suas obras?