CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Contra a segregação

No último dia 22 de abril, o Deputado Estadual Jorge Babú (sem Partido) apresentou na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) o Projeto de Lei nº 2.204/2009 que, se aprovado, obrigará a Secretaria de Saúde a divulgar, em seu site, os nomes dos cidadãos infectados com o vírus HIV, em todo Estado do Rio de Janeiro. Além disso, o projeto estipula que todas as pessoas que vivem com AIDS deverão portar identificação de sua condição sorológica. Para o CLAM, que está promovendo um abaixo-assinado contra o projeto (Assine aqui) , a proposta representa uma violação aos direitos humanos das pessoas soropositivas e dos portadores de AIDS, ao infringir o direito ao sigilo e à intimidade destas pessoas e contribuir para o aumento do estigma e da discriminação social.

Na opinião do ativista Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), o projeto é discriminatório contra as pessoas vivendo com HIV/Aids. “Isto é Nazismo, é um tipo de triângulo rosa, o símbolo usado nos campos de concentração nazistas que indicava quais homens haviam sido capturados por práticas homossexuais. O projeto do deputado Babú propõe algo bem parecido”, afirma.

A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abia) manifestou seu repúdio à proposição em nota redigida pelo pesquisador Kenneth Camargo, professor adjunto do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ) e membro do Conselho da Abia. Leia o texto abaixo:

Nota da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (Abia) ao Projeto de Lei n.º 2.204/2009, apresentado pelo deputado Jorge Babu (sem partido) à ALERJ

A proposta do Sr. Deputado representa um retrocesso a mais de vinte anos de experiência acumulada, nacional e internacionalmente, no combate ao HIV/AIDS. Em primeiro lugar, trata-se de proposta tecnicamente inépta. No atendimento de urgência, mesmo que houvesse o tal calamitoso registro, as ações são rápidas, e não permitem que se consulte qualquer tipo de registro em situações em que a diferença entre a vida e a morte está nas frações de segundo.

Em segundo lugar, mesmo pessoas com exame negativo podem ser portadoras do vírus, devido ao fenômeno conhecido como janela imunológica – intervalo entre a exposição e o surgimento dos anticorpos que são detectados nos exames mais comuns, período que gira em torno de seis semanas. Em terceiro lugar, esta é uma medida desnecessária. A transmissão do vírus em acidente de trabalho, envolvendo profissionais de saúde, é irrisória em todos estes anos de convivência com a epidemia, e mesmo nos casos onde ocorre a contaminação dispomos de meios seguros e eficazes de evitar que o vírus se instale. E mesmo que ignoremos isto tudo, a orientação para profissionais de saúde que trabalham em situações que podem ser expostos a materiais biológicos contaminados, a boa prática é que se encare qualquer paciente com o mesmo cuidado, como se a priori todos pudessem ser de fato soropositivos com relação ao HIV – e muitas outras doenças transmissíveis por esta via.

Mas, mais importante, esta proposta contraprodutiva e extemporânea é um verdadeiro atentado ao direito de privacidade e convite ao retorno das formas mais odiosas de discriminação contra as pessoas que vivem com HIV/AIDS, infelizmente muito comuns no momento inicial da epidemia no Brasil e em outras países, mas que foram finalmente superadas – ou assim pensávamos.

Se o deputado de fato deseja contribuir para a luta contra o HIV/AIDS, deveria se informar primeiramente com aqueles que têm lutado dia e noite ao longo de duas décadas, e se empenhar, por exemplo, para garantir a disponibilidade dos kits para sorodiagnóstico nos centros de testagem e aconselhamento, a distribuição continuada de preservativos, o fornecimento regular da medicação retroviral e aquelas necessárias para doenças oportunistas, salários decentes e condições de trabalho para os profissionais do Sistema de Saúde. Ou, no mínimo, que não atrapalhe o trabalho de milhares de pessoas, em universidades, no governo, nas ONGs e na sociedade civil organizada, que conquistou reconhecimento internacional pela qualidade do seu trabalho no combate ao HIV e AIDS.

Atenciosamente,

Kenneth Carmargo

MD PhD

Professor Adjunto – Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ)

Membro do Conselho da Abia

Projeto está em tramitação


Para que este projeto de lei seja votado em plenário, ele deve passar por quatro comissões da Alerj, a fim de ser analisado e receber o parecer contrário ou favorável – a Comissão de Constituição e Justiça, Comissão de Saúde, Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania e Comissão de Orçamento, Finanças, Fiscalização Financeira e Controle.


A primeira delas – Comissão de Constituição e Justiça – já recebeu o projeto de lei e designou a deputada Aparecida Gama para relatora. Esta Comissão é a mais importante porque deve apreciar todas as proposições, analisando-as quanto à constitucionalidade, a legalidade e a juridicidade. Se o projeto de lei receber o parecer desfavorável nesta Comissão, não vai a plenário para votação.

Clique aqui para assinar o abaixo-assinado