Anita Leocádia Prestes, filha dos militantes comunistas Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, o deputado e ex-ministro Carlos Minc, Ennio Candotti (físico, ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Lia Zatz (escritora), Lucia Murat (cineasta), Luciana Villas Boas (editora), Margarida Pressburger (presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, do Rio) – entre os nomes nacionais – e Mariela Castro, filha do presidente cubano Raul Castro e diretora do CENESEX, de Cuba (foto) – entre os nomes internacionais –, foram algumas das quase 7 mil pessoas que assinaram o manifesto (leia a íntegra do documento abaixo) contra a forma como o tema do aborto marcou a campanha presidencial brasileira deste ano.
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O documento foi disponibilizado na Internet por um grupo de pessoas ligadas a universidades públicas e ativistas dos direitos humanos das mulheres no Brasil, sendo apoiado por pessoas de todo o mundo. O manifesto e as assinaturas serão entregues a Clara Ant, assessora especial da Presidência da República responsável por receber e encaminhar a correspondência à Presidenta eleita Dilma Rousseff.
O aborto entrou na pauta da disputa eleitoral deste ano e levou tanto Dilma quanto o candidato José Serra (PSDB) a prometerem, no caso de vencerem as eleições, não promover mudanças nas regras relacionadas ao assunto, a fim de satisfazerem os interesses de suas bases religiosas de apoio. Tal posicionamento causou revolta não só em parte da população brasileira, como da comunidade latino-americana, especialmente porque Dilma, antes de ser candidata, havia dado declarações favoráveis à descriminalização do aborto, mantendo-se em sintonia com movimentos observados em vários países do mundo atualmente, como Portugal, Espanha, México e a vizinha Argentina.
MANIFESTO
Legal, seguro e raro
Nós, cidadãs e cidadãos, defensores dos direitos humanos e conscientes das desigualdades de gênero que afetam negativamente o cotidiano das mulheres brasileiras, vimos a público expressar indignação pela forma como a questão do aborto está sendo instrumentalizada no atual período eleitoral.
O aborto é uma grave questão de saúde pública. Esse entendimento e o respeito à dignidade das mulheres levaram os dois últimos governantes que ocuparam a presidência da República a garantir avanços significativos nesse campo, com a aprovação de duas normas técnicas, pelo Ministério da Saúde.
A Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes de Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, de 1998, assegura assistência imediata a mulheres vítimas de violência que queiram interromper uma gravidez não apenas indesejada, mas imposta pela desonra de um estupro. O Código Penal de 1940 assim o permite. A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, de 2004, orienta sobre o acolhimento e tratamento digno que toda mulher em processo de abortamento, espontâneo ou inseguro, tem direito ao ser atendida no Sistema Único de Saúde.
O processo brasileiro de democratização já se revelou maduro e plural o suficiente para não sucumbir a pressões eleitoreiras e conservadoras que pretendem tão-somente ocultar e desprezar o sofrimento de milhões de mulheres para quem o aborto é o último recurso. Por isso mesmo, o aborto não deve ser pago ao custo de sofrimento, solidão, enfermidade ou mesmo a morte. Deste modo, a consolidação e o aprofundamento democrático no Brasil requerem, de modo premente, a preservação do princípio constitucional do Estado laico, e da liberdade religiosa como direito importante para que as pessoas possam professar sua fé e agir de acordo com suas consciências.
É amplamente reconhecido que são mais prejudicadas nesse contexto as mulheres pobres, que recorrem ao SUS com complicações decorrentes de um aborto feito em condições precárias, com risco elevado de comprometimento de seu bem-estar futuro.
Da mesma forma que a realização de um aborto em condições dignas e seguras não deve ser o divisor de águas entre as mulheres brasileiras, em função de sua classe social, não é aceitável que essa questão seja usada nos processos eleitorais com o objetivo de que prevaleça um Brasil arcaico, hipócrita e conservador sobre interesses republicanos e de promoção da igualdade entre os sexos.
É dever do Estado garantir o acesso amplo e irrestrito aos métodos contraceptivos para regulação da fecundidade para homens e mulheres no âmbito do Sistema Único de Saúde. A Constituição Brasileira e a Lei 9.253/1996 estabelecem que o planejamento familiar é um direito das pessoas e que cabe ao Estado fornecer as informações e os meios para o controle voluntário da fecundidade.
Não é hora de retrocessos. Não podemos caminhar na contramão da maior parte dos países democráticos, que vêm considerando este um sério problema de saúde pública e garantindo legislações que preservam a dignidade das mulheres que se vêem diante de tais circunstâncias. Ser contra a criminalização do aborto é reconhecer o direito à justiça e evitar o sofrimento de milhões de mulheres neste país.
Rio de Janeiro, 12 de outubro de 2010.