CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Família não é tudo igual

*Anna Paula Uziel


No Brasil, em 2010, uma em cada quatro crianças tinha apenas o nome da mãe na certidão de nascimento, segundo reportagem de O Globo do Dia dos Pais, que noticiou também que, no Rio de Janeiro, 83.307 crianças encontram-se nesta mesma situação. As histórias relatadas demonstram o quanto a participação de pessoas envolvidas afetivamente com as crianças faz diferença na vida delas e aponta para os impactos legais e simbólicos da inclusão do nome do pai biológico ou do padrasto no documento de identidade dos filhos. Em alguns casos, mesmo com os genitores mortos, tem sido possível garantir bens e benefícios para as crianças e adolescentes que têm a paternidade reconhecida. Um projeto em Volta Redonda e outras iniciativas no país promovem, com apoio do Ministério Público, a inscrição do nome do pai no documento dos filhos.


É um direito da criança saber o nome do pai. Entretanto, garantir o direito da criança a sua filiação, fundamental para todos, não pode significar imprimir um único modelo de família.

A Constituição Federal de 1988 passou a não considerar mais o casamento entre um homem e uma mulher como condição necessária para a constituição da família. Acabou também com os diferentes estatutos que tinham os filhos, classificados como biológicos, adulterinos, ilegítimos, adotivos, entre outros. Desde 1990, com o Estatuto da Ciança e do Adolescente (ECA), o estado civil não é mais impedimento ou restrição à adoção. Assim, é possível um homem ou uma mulher decidir ser pai ou mãe solteiro/a.

Além disso, em muitas comarcas brasileiras tem sido possível a adoção de crianças por casais de mesmo sexo. Com a decisão recente do STF pelo reconhecimento da união estável homossexual isso tende a aumentar. Nesses casos, nas certidões de nascimento constam os nomes de duas mulheres ou de dois homens.

Com o avanço tecnológico dos últimos 20 anos, é cada vez mais possível prescindir de corpos e pessoas para a geração de crianças. Ainda que não representem estatisticamente um número expressivo, casais heterossexuais, casais de mulheres e mulheres solteiras conseguem realizar o sonho da maternidade e da paternidade através das técnicas de reprodução assistida. Acrescentam-se ainda decisões recentes de adoção unilateral: a companheira da mulher que faz a inseminação consegue adotar a criança gerada.

Por sua vez, a lei 11.294 de 2009 permite a adoção do nome do padrasto pelo enteado que reconhece nessa figura uma relação de filiação. Reconhecimento da parentalidade sócio-afetiva.

Todos esses exemplos apontam para a pluralidade das famílias. Toda vez em que um pai existir, ele deve ser procurado. Quando um pai novo aparecer, deve ser considerado. E quando for o caso de uma inseminação com material de doador anônimo ou de uma adoção feita por uma mulher ou por um casal de mulheres, elas não podem passar pelo constrangimento de serem interpeladas pela suposta falta do pai. O direito das crianças a um pai não pode se transformar em uma exigência de um determinado modelo de família único ou obrigatório.

Anna Paula Uziel – Professora do Instituto de Psicologia da UERJ e Pesquisadora do CLAM/IMS/UERJ