A Revista Runa, archivo para las ciencias del hombre acaba de lançar o dossiê “Regime contemporâneo de sexualidade: violência, consentimento e vulnerabilidade”, organizado pelas pesquisadoras Cecília Varela (CONICET/UBA-FFyL-ICA), Catalina Trebisacce (CONICET/UBA-FFyL- IIEGE) e Laura Lowenkron (CLAM/IMS/UERJ). A partir de contribuições teóricas dos movimentos feministas e dos movimentos de minorias sexuais, as organizadoras propuseram discussões sobre diversas formas de violência, consentimento, vulnerabilidade, regimes de sexualidade e relações de gênero.
As pesquisadoras e organizadoras do dossiê explicam, na introdução, que até a metade do século XX prevaleceram concepções que relacionavam o sexo aos seus aspectos reprodutivos. A partir dos anos 1960, com o fortalecimento dos movimentos feministas e a emergência dos movimentos de minorias sexuais, passaram a surgirem críticas às concepções tradicionais sobre a sexualidade, assim como posicionamentos que defendem a importância do consentimento e o direito das pessoas a se envolverem em práticas que desejam, evidenciando também as violências presentes nas práticas não consentidas. Essas concepções, ainda de acordo com as pesquisadoras, levantaram questionamentos sobre as condições nas quais se assentam o consentimento. Quem pode consentir? Há idade para o consentimento? É possível consentir em relações desiguais de poder? São essas as questões que perpassam os seis artigos que compõem o dossiê.
O artigo “¿A qué nos obliga el consentimiento? Deseo, seguridad y violencia en las políticas sexuales feministas”, de Camila Arbuet Osuna e Laura Gutierrez, apresenta debates em torno do consentimento sexual a partir dos feminismos estadunidenses, desde os anos 1970 à atualidade. As autoras contrapõem essas teorias às formulações de teóricas francesas e argentinas.
No artigo “Violencia, vulnerabilidad y víctima: categorías y mecanismos des-aparecedores”, a autora, María Martínez, trabalha com a linha tênue entre a produção e “desprodução” de sujeitos a partir de sua pesquisa qualitativa em violência de gênero. Martínez reflete sobre como os termos “violência, vulnerabilidade e vítima”, por um lado, permitem a existência de determinados sujeitos nos marcos do humanitarismo, mas, por outro lado, os impedem de se constituírem enquanto sujeitos plenos e cidadãos. As reflexões apresentadas por Martínez em seu artigo se baseiam em pesquisas empíricas com mulheres vítimas de violência e com profissionais do sexo.
No artigo “Violación de vulnerable y aborto legal: tensions surrounding the recognition of sexual violence and the legitimization of rights in Brazil”, os autores Roberta Dieguez, Hevelyn Rosa, Guilherme Thomazi e Cristiane Cabral analisam como a categoria de consentimento se entrecruza à categoria etária, moldando direitos reprodutivos, em especial, o direito ao aborto legal. Os autores refletem sobre o fato da categoria “consentimento” não ser estável, mas varia culturalmente, dependendo do contexto social e político. Os autores destacam que variáveis interseccionais como raça, classe e gênero também atravessam a categoria do consentimento, com implicações diretas no que se refere ao direito ao aborto legal e seguro.
O artigo “Rechazos iniciales” en el intento de acceso a la ligadura de trompas. Mujeres sin hijos y la invalidez del consentimiento”, dos autores Cristina Rodrigues, Polyana Pinheiro, Roberta Vieira, André Luiz Neves, Maria Prata e Munique Therense, se baseia em uma pesquisa empírica sobre mulheres sem filhos que buscam acesso à laqueadura de trompas em Manaus/AM, Brasil. Os pesquisadores destacam as dificuldades enfrentadas por mulheres sem filhos ao acesso ao procedimento.
Julia Bacchiega, no artigo “ `Un ángel con chancros`: La prostitución de jóvenes menores y las contradicciones del consentimiento” analisou as práticas de prostituições entre menores de idade na Argentina, no início do século XX, problematizando-as em relação às concepções a respeito do consentimento. Sua pesquisa se baseou em estudos de casos de processos judiciais sobre “corrupção de mulheres”.
No artigo “¿Qué puede soportar el amor? Mentiras producen família volviendo vulnerable al ser amado”, o autor e antropólogo Everton Rangel acompanha a trajetória de um casal de origem humilde, no contexto no qual a mulher se encontra grávida e o seu companheiro cumpre pena em regime de semi- liberdade, devido a um crime sobre o qual sua companheira sabe pouco. O antropólogo revela que o casal se encontra enredado em mentiras contadas pelo homem e, a partir disso, reflete sobre amor e vulnerabilidade.
Além dos artigos que compõem o dossiê, essa edição da revista apresenta outros artigos de temas variados, como conflitos territoriais na Argentina, ciclos de vida, expectativas e produtividade, centralidade de estudos antropológicos para a museologia, entre outros.
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