CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Violação de direitos

Ao anunciar a edição de norma administrativa que dispensa a mulher, cuja gravidez resultou de estupro, de procedimento burocrático junto à delegacia de polícia, para que possa a mesma se submeter a um aborto seguro, o Ministério da Saúde estará apenas revogando uma exigência, igualmente administrativa, imposta desde 1998 às vítimas de estupro, sem que para esse procedimento burocrático houvesse previsão legal ou decisão judicial autorizadora.

Vê-se, então, que não está havendo qualquer acréscimo nas hipóteses de abortamento legalmente previstas no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. A nova medida estará simplesmente assegurando às mulheres, vitimadas por estupradores, o livre exercício do seu direito. Juridicamente, portanto, é acertada a decisão do Ministério da Saúde, com o que deve se congratular a nação, porquanto restará fortalecido o Estado Democrático de Direito.

Frente ao direito legalmente assegurado (artigo 128, inciso II, do Código Penal), de fazer uma opção pelo aborto, no caso de a gravidez ser resultante de estupro, viam-se aquelas mulheres que quisessem exercitar o seu direito submetidas a um procedimento burocrático, não previsto em lei, de fazer um registro de ocorrência.

Essa exigência, imposta sem amparo legal, constituía-se numa violação ao direito da vítima. Direito este que está previsto no caput do artigo 225, do próprio Código Penal, no qual o legislador estabelece que "Nos crimes previstos nos capítulos anteriores somente se procede mediante queixa". Isto é, trata-se, o estupro, de um crime de ação penal privada, não cabendo ao Estado a iniciativa para o processo criminal, mas sim à vítima.

O que convém esclarecer nessas breves linhas, é que não pode a mulher ter o direito de não processar o agressor, mas ser obrigada a registrar ocorrência contra o mesmo na delegacia, como vinha sendo imposto até aqui. A partir da previsão legal que autoriza (mas não impõe) o aborto nos casos de gravidez resultante de estupro, fica afastada a possibilidade de que o Estado, ao invés de cumprir o seu dever, construa empecilhos administrativos ao direito das mulheres vítimas de estupro.

De resto, a declaração feita ao médico por escrito (portanto, passível de comprovação) é manifestação suficiente ao atendimento da exigência legal, para o fim de afastar qualquer responsabilidade do profissional da saúde, revelando-se desnecessária a apuração do crime.

Não fosse assim, correríamos o risco de chegar ao entendimento de que somente após – muitos anos – o estuprador ser condenado através de sentença criminal transitada em julgado é que estaria acreditada a mulher, já então duplamente vitimizada, e resguardados os profissionais da saúde quanto à sua responsabilidade perante o Estado, já então violador de direitos.

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Extraído de http://www.espacovital.com.br/artigoroberto1803.htm.