Marta Suplicy
Senadora PT-SP
Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo
Ouço, com espanto, Ana Maria Braga falar que "não importa se a pessoa é solteira, católica, evangélica" numa confusão de situações –casos não muito diferentes dos encontrados na primorosa série de reportagens de "O Globo" sobre o último Censo do IBGE (2010).
Para a população brasileira hoje, as informações e os arranjos familiares são tão diversos que, como dizia um amigo meu, "não há o que não haja". Um homem pode estar casado com outro homem, a mulher solteira pode ser casada há anos e o casal recém-casadinho pode ter vários filhos.
As mulheres já assumem a responsabilidade por 38,7% dos lares (há dez anos, a chefia feminina era em 24,9%). E o interessante é que elas se colocam como chefes de família não só quando não existe um cônjuge, mas quando ele existe e ela ganha mais ou conduz o negócio familiar. Isso é novo e merece mais atenção.
A diversidade é tal que podemos dizer que o Censo 2010 captou uma gigantesca mudança, que é a ponta de um iceberg de novos arranjos familiares ainda não estudados. O IBGE não mede casados em casas separadas e filhos que moram, em guarda compartilhada, em duas residências. No entanto, já sabemos a existência de 60 mil casais gays formados, em sua maioria, por mulheres (53,8%).
Temos também o surpreendente número de netos morando com avós e a família chamada "mosaico" (a do meu, do seu e dos nossos filhos). Assim como amigos que moram juntos sem laços de parentesco (400 mil) e os "Dinks", sigla em inglês referente à dupla renda e nenhum filho, que somam dois milhões de casais.
Menos filhos, mais independência e renda feminina foram fatores decisivos para essas modalidades que prenunciam um século diferente.
O caldo cultural acumulado na segunda metade do século 20, que permitiu a separação sem marginalização social, a pílula anticoncepcional, o divórcio e o maior acesso ao estudo (na TV, a novela "Gabriela", baseada no livro de Jorge Amado, nos lembra direitinho como era a condição da mulher e sua posição na família), foi motor para o que hoje acontece. E ainda não temos a dimensão da influência da globalização e da internet.
Falou-se que a família ia acabar, tal como os conservadores disseram quando a mulher conquistou o direito ao voto. Entretanto a família se adapta. Ela se renova, mas os laços afetivos continuam preponderantes.
Concluindo, a pesquisa indica que a família tradicional já não é mais maioria no Brasil. Ela corresponde a 49,9%. E agora Congresso? Não dá mais para ignorar o mundo dinâmico no qual vivemos nem permitir que setores conservadores inviabilizem a votação de leis que incorporem o que a sociedade já vive plenamente.