O laboratório Imagens e Palavras, do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, com o apoio da organização não-governamental Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, acaba de lançar um vídeo no YouTube com campanha pelo direito à antecipação terapêutica de parto em casos de anencefalia fetal. Baseado em fatos reais, o vídeo dramatiza o sofrimento de uma mulher desde o diagnóstico ao sofrimento pelo enterro do feto. A campanha tem o objetivo de impulsionar o debate sobre o tema para que o julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 seja concluído pelo STF.
A ADPF54 foi proposta em junho de 2004 pela CNTS. Foram feitos dois pedidos. Primeiro, que se reconheça o direito à antecipação terapêutica do parto às mulheres grávidas de fetos com anencefalia. Segundo, que os profissionais de saúde não sejam penalizados por realizar o procedimento médico necessário para antecipar o parto. Em 1 de julho de 2004, o Ministro Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar autorizando que mulheres grávidas de fetos com anencefalia pudessem antecipar o parto, desobrigando os profissionais de saúde a obter autorização judicial para realizar os procedimentos clínicos necessários. Em outubro de 2004, o STF cassou a liminar, fazendo com que as mulheres grávidas de anencéfalos voltassem a pedir na justiça, caso a caso, a autorização.
Desde 1989, foram concedidas mais de 3.000 autorizações judiciais permitindo que mulheres interrompessem a gestação em casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida extra-uterina. Grande parte destes processos contemplava mulheres pobres e usuárias do sistema público de saúde, não havendo uma estatística segura de quantos processos foram negados. Com o julgamento favorável da ação, as mulheres serão livres para decidir se querem manter a gestação ou antecipar o parto imediatamente após o diagnóstico de anencefalia no feto.
A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou ADPF, é uma ferramenta jurídica relativamente nova no Brasil. Quando um direito humano fundamental é violado ou não é cumprido, algumas entidades com constituição jurídica determinada podem argüir o Supremo Tribunal Federal sobre o assunto. Desta maneira, o STF é obrigado a se pronunciar e nova jurisprudência surge, servindo de norma para o judiciário em todo o Brasil.
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Petição online
Pesquisa mostra magnitude
Em maio de 2009, pesquisadores da Universidade de Brasília [UnB], em parceria com a Anis, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia [FEBRASGO] e a Universidade de Campinas [Unicamp] mostraram, pela primeira vez, a magnitude do aborto por anencefalia, sob a perspectiva dos médicos. O estudo foi realizado com médicos ginecologistas-obstetras filiados à Febrasgo, maior entidade médica no campo da ginecologia e obstetrícia no Brasil. Foi realizado um survey eletrônico durante o mês de setembro de 2008, com 1.814 respostas, o que representa 14,5% do universo de médicos participantes da pesquisa. Consultou-se os médicos ginecologistas-obstetras sobre sua experiência na assistência da mulher grávida de feto com anencefalia nos últimos 20 anos.
Dos 1.814 médicos entrevistados, 1.804 atenderam mulheres grávidas nos últimos 20 anos. 83,3% destes médicos tinha atendido pelo menos uma grávida de feto com anencefalia. A média foi de 6,5 casos em até 20 anos de prática médica, para um total de 9.730 grávidas com essa experiência. Quase 85% dos médicos que atenderam casos de anencefalia relataram que as mulheres desejavam interromper a gestação. Os resultados mostram que 3.602 mulheres atendidas conseguiram na justiça o direito de interromper a gravidez. A pesquisa mostra que cerca de 84,8% das mulheres grávidas de fetos com anencefalia desejaram interromper a gestação. Isso mostra o quanto este fenômeno é uma experiência cotidiana às equipes de saúde no Brasil.
A pesquisa foi publicada na Revista Ciência & Saúde Coletiva, em artigo assinado pelos pesquisadores Debora Diniz [antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis], Janaína Penalva [jurista, pesquisadora da Anis], Aníbal Faúndes [médico, professor da Unicamp] e Cristião Rosas [médico, presidente da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei da Febrasgo].