CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Abrasco debate fragilidade da vida


Graduada em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em sociologia pela Universidade Católica de Louvain, na Bélgica e doutora em Ciências Sociais pela USP, a socióloga Madel T. Luz chegou ao Instituto de Medicina Social da Uerj em 1974, onde hoje ocupa o cargo de professora titular da área de Políticas e Instituições de Saúde. Divide a tarefa com a de vice-presidência  da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), que entre os dias 9 e 13 de julho de 2005 reunirá em Florianópolis cerca de três mil pesquisadores para o III Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde.


 


Nesta entrevista, ela fala sobre os desafios diante da fragilidade da vida na sociedade contemporânea, tema central do Congresso, de como as Ciências Sociais têm trabalhado com a saúde e chama a atenção para o surgimento de um indivíduo mais vulnerável  do que nunca – o sujeito atual. 


 


 O tema central do III Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde,  promovido pela ABRASCO, será “desafios da fragilidade da vida na sociedade contemporânea”. Quais são esses desafios? E por quê a escolha deste tema?


 


Na verdade, nós estamos tratando dos desafios desse  conjunto de situações que acontecem na sociedade contemporânea, o mundo globalizado, a visão individualista, a competitividade,  o consumismo e também da retração do Estado em relação aos direitos sociais em razão do neoliberalismo. Todo esse caldo  produz abalos e a fragilidade da vida. O  desafio é como as Ciências Sociais, que não têm muita tradição de se ocupar com as questões da saúde, se debruçam sobre o tema da vida e da saúde. Uma espécie de provocação às Ciências Sociais face à realidade da fragilização da vida na sociedade contemporânea.


 


Qual a relação das Ciências Sociais com a saúde?


 


As Ciências Sociais e Humanas muito tardiamente se debruçaram sobre essa questão. Existem trabalhos fortes da Antropologia sobre etnomedicina, sobre sistemas de cura tradicionais, mas a questão da vida entre nós não era, e nem continua sendo, o tema maior ou central das Ciências Sociais, que se ocupavam muito com questões mais macro-analíticas, ou determinadas experiênciais de sujeitos específicos.


 


Como as Ciências Sociais têm trabalhado com a questão hoje em dia?


 


Atualmente, a proliferação de estudos no campo das ciências humanas é inédita. Temos grupos que estudam a sexualidade, gênero, saúde sexual e reprodutiva, outros que se debruçam sobre a questão da violência na sociedade e a fragilização de grupos sociais face a determinados tipos de doenças. Existem milhares de linhas de pesquisa, como as que estudam, por exemplo, no caso da História, a história de um certo tipo de adoecimento, a fim de iluminar como isso evoluiu até os nossos dias.


 


A Sra. poderia apontar algumas questões atuais que repercutem na vida e na saúde coletiva e que serão abordadas pelo Congresso?


 


São muitas as questões. O Congresso tem seis eixos centrais: o primeiro é o das políticas relativas à questão da vida e da saúde, um pouco mais amplo que a velha temática de políticas de saúde. Tentaremos discutir as formas como o Estado e a sociedade conduzem a questão do acesso e dos cuidados à saúde. O segundo eixo trata dos movimentos sociais e da cidadania em face da saúde. O terceiro trabalha com a questão da produção do conhecimento científico e da tecnologia no campo das ciências humanas e saúde. O quarto eixo aborda a formação de recursos humanos, de profissionais para a área de saúde, que atualmente é mais ampla que a medicina simplesmente. Essa expansão do campo de uma disciplina para uma multiplicidade de disciplinas é um fenômeno importante que tem que ser estudado. O quinto trata de subjetividades, corpo e pessoa, que é uma das questões muito importantes do mundo atual, visto que é estudado pela filosofia, pela Antropologia, sociologia e pela história.


O último eixo aborda as formas de trabalhar com a saúde fragilizada, como se organizam os vínculos entre as práticas pessoais e profissionais.


 


Sua exposição será em torno da “subjetividade, o corpo e a pessoa no cuidado em saúde”. A sra. pode nos falar um pouco a respeito dessa temática?


 


Vou expor três momentos fundamentais dessa subjetividade, que chamo de estilos de subjetividade do indivíduo: o sujeito romântico e sua forma de se organizar- em relação ao sentimento e ao sofrimento; o sujeito existencialista do fim da primeira metade do século XX; e o terceiro momento, próximo do atual, que é o de um indivíduo praticamente virtual, no qual o sentimento aparentemente deslizou para a superfície do corpo, por oposição ao indivíduo romântico no quual o corpo era menos valorizado  que o sentimento. Nesse caso, sua relação com o outro era mediada pelo seu sentimento. Hoje em dia, o indivíduo não tem condições de se organizar ou de se exprimir, então ele transfere o domínio das sensações para o corpo. Isso se traduz como fragilizações com sintomas tipicamente corpóreos.


 


Por que a sra. o chama de virtual?


 


Virtual porque a comunicação entre essas pessoas se dá através da tecnologia de virtualidade. São pessoas que têm uma cultura da informação muito forte, por oposição ao mundo romântico que tem a literatura ou a música como forma de expressão do sentimento.


 


O que esse sujeito usa como forma de expressão?


 


Preferencialmente a linguagem virtual, os chats, as trocas de correspondências por MSN…


 


Mas ele continua frágil…


 


Sim, mais frágil do que nunca, porque a fragilidade não é mais expressa simbolicamente, pela música ou pela pintura, mas é expressa no corpo desse sujeito. É claro que a busca de comunicação é muito evidente pelos grupos de conversas ou de rede, como por exemplo o Orkut. Mas é como se o outro, que já era problemático desde o romantismo, tivesse se tornado inviabilizado ou invisível para o sujeito. Na minha exposição vou usar exemplos da arte:para o romantismo clássico, usar a literatura, a música de Chopin. Em relação ao existencialismo, vou fazer uso da expressão verbal. Mas no momento atual eu acho que o cinema e tudo o que tem a ver com imagem é mais importante para se expressar. Vou usar o filme Brown Bunny para mostrar como um indivíduo em sofrimento profundo procura uma forma de comunicar aquele sofrimento pelo mundo das sensações do corpo.  






No III Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, organizado pela Associação Brasileira de  Saúde Coletiva (Abrasco) e que será realizado em Florianópolis  (Santa Catarina) de 09 a 13 de julho, estão previstas várias participações de integrantes da equipe do CLAM, a saber:


 


– O Painel Direitos Sexuais e Reprodutivos e os Movimentos Sociais no Brasil terá Sergio Carrara como mediador e exposição dos trabalhos de Ana Paula Portela, Débora Diniz e Regina Fachini


– O Painel denominado Gênero, Sexualidade e Saúde contará com a exposição do trabalho “O contexto de preparação para a entrada na sexualidade: saberes e práticas entre jovens brasileiros”, de Maria Luiza Heilborn, que também estará apresentando trabalho no painel intitulado Avanços e Conquistas na investigação sobre Gênero e Saúde: a propósito dos dez anos do GT Gênero e Saúde da ABRASCO.


– O Painel intitulado Sexualidade, Violência e Saúde terá a exposição do trabalho “Violência Letal contra Homossexuais nos Tribunais Cariocas” de Sérgio Carrara. Sérgio Carrara também será o coordenador do painel Movimentos Sociais


– O Painel denominado Mídia e Saúde: Contribuições para Pesquisa em Comunicação terá como um dos expositores Jane Russo apresentando a comunicação “O ‘sujeito cerebral’ e a mídia – um estudo sobre a difusão da visão biológica dos transtornos mentais na revista Veja durante as décadas de 70, 80 e 90”;


– A Comunicação Coordenada intitulada Corpo e Práticas Biomédicas: o lugar da objetividade, contará com a apresentação dos trabalhos “O campo atual da sexologia no Brasil” por Fabíola Rohden e Igor Torres e “Controvérsias em Torno da Homossexualidade na Classificação Psiquiátrica Contemporânea: Opção ou Natureza?” por Jane Russo;


– A Comunicação Coordenada  intitulada Articulando Conhecimentos e Práticas em Saúde  terá a apresentação do trabalho “Sexualidade, violência e justiça: mapeamento e diagnóstico dos bancos de dados e pesquisas sobre violência sexual e de gênero no Brasil” de Laura Moutinho;


– A Comunicação Coordenada intitulada Gênero, Sexualidade e Saúde: um olhar sobre a juventude será coordenada por Fabíola Rohden e contará com a  apresentação de “Sexualidade e gravidez na adolescência: um estudo entre jovens de camadas médias do Rio de Janeiro”de Elaine Brandão;


– A Comunicação Coordenada intitulada Corpo, Cuidado de Si e Praticas de Saúde: Cuidados e Doentes Crônicos será coordenada por Jane Russo;


– A Comunicação Coordenada intitulada Gênero, Sexualidade e Saúde: Mulher e HIV será coordenada por Elaine Brandão;


– O Painel denominado Saúde e Identidade Nacional será coordenado por Fabíola Rohden que também faz parte da comissão científica nacional organizadora do referido congresso.


 

A programação completa do congresso está em www.sociaisehumanas.com.br.