O Presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, assinou em 28 de novembro um decreto convocando a realização da 1ª Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT). A exemplo de outras conferências nacionais realizadas, como a das mulheres e a da saúde, o objetivo da 1ª Conferência Nacional GLBT é propor as diretrizes para a implementação de políticas públicas específicas para este segmento e para o plano nacional de promoção da cidadania e direitos humanos desta população, bem como avaliar e propor estratégias para fortalecer o Programa Brasil Sem Homofobia.
Dois dias depois do decreto presidencial, um jovem gay teve o rosto desfigurado por um grupo de rapazes depois de sair de uma boate na cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Para Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), o drama do jovem espancado por conta de sua orientação sexual é um caso típico de extrema homofobia. Segundo ele, embora a Conferência Nacional GLBT sinalize um grande avanço, colocando o país na vanguarda de tais iniciativas, a maior batalha em 2008 se dará no Congresso Nacional, onde será votado o Projeto de Lei 122/2006, que propõe a criminalização da homofobia no país.
“Nosso maior obstáculo é o fundamentalismo religioso de alguns setores das igrejas evangélicas, as quais contam com representantes no Congresso. Mas, o caso do jovem Ferrucio Silvestro demonstra que é fundamental termos leis como a que propõe o PLC 122/2006. Ao mesmo tempo, é preciso fazer um trabalho de sensibilização para o respeito à diversidade nas escolas, na mídia, nas empresas, nas polícias, enfim, na sociedade como um todo, para que esse tipo de violência gratuita deixe de ocorrer. Daí a importância da Conferência Nacional”, ressalta o presidente da ABGLT.
Com a temática “Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais”, a Conferência Nacional GLBT será realizada em Brasília de 6 a 8 de junho de 2008. Até lá, conferências serão promovidas em todos os estados brasileiros a fim de desenvolver propostas iniciais e eleger os(as) delegados(as) que participarão da Conferência Nacional.
O Governo Federal convocou para 2008 a 1ª Conferência Nacional GLBT, a exemplo do que foi feito com as Mulheres em 2004. O que isso representa para o movimento?
Para a comunidade GLBT isso representa um grande passo, uma vez que será possível discutir todas as diretrizes para a construção de um plano de atuação nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal. Isso é fundamental, porque hoje enquanto o governo federal tem se sensibilizado e mostrado interesse em resolver questões relativas à população GLBT, apenas alguns estados e municípios têm avançado nessa área.
Então, a conferência vai ser fundamental para envolver e sensibilizar as três esferas de governo para que tenhamos um trabalho articulado. A Conferência também é um fato histórico, visto que pessoalmente eu não conheço nenhum outro país cujo presidente tenha convocado uma conferência do tipo.
Quais as principais questões a serem abordadas na Conferência?
A homofobia está entre as principais questões a serem discutidas, especialmente na área da educação, tendo em vista a pesquisa “Juventudes e sexualidade” da UNESCO (2004), que coloca que 40% dos alunos de escolas de ensino médio no país não gostariam de ter um colega de classe que fosse homossexual e 60% dos professores não sabem lidar com essa situação. Além disso, temos um número exorbitante de assassinatos: houve 2.745 homossexuais assassinados entre 1980 e 2007, sendo que a média é um assassinato a cada três dias e a maioria permanece impune. Portanto, é preciso trabalhar a questão da homofobia no meio policial. Outra abordagem será em relação à maneira como a mídia vem retratando os GLBT. Outra área importante a ser trabalhada é a saúde, lembrando que saúde, no caso de homossexuais, não se refere somente à questão do HIV/Aids. Além disso, também deverão ser abordadas questões específicas de cada segmento: lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Que rumos deve tomar o debate em torno do PL 122, que propõe a criminalização da homofobia no país?
Tudo leva a crer que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal votará o parecer da relatora, senadora Fátima Cleide (PT/RO), nas primeiras semanas de 2008 e que o mesmo deverá ser aprovado, visto que a maioria da comissão é favorável. Em seguida, a pedido do senador Gim Argello (PTB/DF), que é contrário ao PLC, o mesmo deverá passar pela Comissão de Assuntos Sociais. Contudo, a senadora Patrícia Saboya (PBT/CE) é presidente dessa Comissão e é uma grande aliada nossa. Nesta hipótese, ela pedirá para a senadora Fátima Cleide ser a relatora novamente. Se essa manobra do senador Argello não der certo, o PLC passará da Comissão de Direitos Humanos para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde ainda temos que definir quem será o relator.
Teremos que dialogar muito, mas o nosso maior obstáculo é o fundamentalismo religioso de alguns setores das igrejas evangélicas, as quais contam com representantes no Congresso. Para enfrentar essas adversidades, esperamos contar com o apoio da sociedade civil como um todo, por isso todas as moções, depoimentos e abaixo-assinados, como o que está sendo promovido pelo CLAM (Clique aqui para assinar), deverão ser apresentados quando o PLC 122/2006 chegar à plenária do Senado. Vamos precisar usar todas as estratégias para convencer pelo menos 41 senadores para que a lei seja aprovada. Não queremos privilégio algum, apenas sermos respeitados como cidadãos e cidadãs. O caso do jovem Ferruccio Silvestro, que teve o rosto desfigurado depois de sair de uma boate na cidade de Niterói, é um caso típico de extrema homofobia, demonstrando que é fundamental termos leis como a que propõe o PLC 122/2006. Mas também é preciso fazer um trabalho de sensibilização para o respeito à diversidade nas escolas, na mídia, nas empresas, nas polícias, enfim, na sociedade como um todo, para que esse tipo de violência gratuita deixe de ocorrer.
O que está na agenda do movimento GLBT brasileiro para o próximo ano, além da criminalização da homofobia?
Outra prioridade é a questão da união civil, que vamos estar promovendo em várias frentes: através da Procuradoria Geral da República, através do Supremo Tribunal Federal e também através do Congresso Nacional, onde vamos realizar uma audiência pública para discutir um substitutivo do Projeto de Lei 1151/95, de autoria da então deputada federal Marta Suplicy. Outra prioridade é a questão das trans e a possibilidade de mudar seus nomes de acordo com sua identidade de gênero. A 1ª Conferência será um grande momento em 2008 e também será realizado em fevereiro, em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, o 13º EBGLT (Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais). Ainda teremos o 3º Congresso da ABGLT em novembro, em Belém do Pará.