A MP 557, que cria o Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna, desencadeou uma onda de críticas nos movimentos de mulheres. Em entrevista ao CLAM, a obstetra e coordenadora da área técnica da saúde da mulher do Ministério da Saúde, Esther Vilela, explica os objetivos da ação e detalha algumas ações que têm causado apreensão nas feministas.
Qual é o propósito do governo federal ao promulgar uma Medida Provisória dessa natureza?
A intenção é ampliar o acompanhamento da gestante, da parturiente e da puérpera. O que queremos é melhorar a qualidade do serviço médico para as mulheres brasileiras para que a mortalidade materna seja cada vez mais reduzida.
No artigo 19-J da MP, está previsto que os serviços de saúde deverão garantir às gestantes e aos nascituros o direito ao pré-natal, parto, nascimento e puerpério seguros e humanizados. A Constituição brasileira não reconhece proteção jurídica ao nascituro. Por que essa previsão no texto da MP?
O objetivo é garantir o melhor atendimento possível para que possamos prevenir o óbito fetal. Essa questão, assim como a MP toda, será discutida no Congresso. A Medida Provisória não está encerrada, ela ainda vai ser objeto de análise do Legislativo.
Um ponto criticado por movimentos de mulheres é a forma do cadastramento, que está previsto no texto como universal. A crítica principal é sobre uma obrigatoriedade que desrespeitaria a autonomia e a privacidade, vigiando a vida íntima das gestantes.
Essa questão do cadastramento tornou-se uma tempestade em copo d’água. O cadastro não é obrigatório para a gestante. O cadastro é destinado ao serviço de saúde para que possamos ter um panorama de como está o acompanhamento da mulher. Isso vai nos dar informação para podermos melhorar a qualidade da atenção à mulher.
Nós já temos um cadastro, que é o SisPreNatal. No entanto, ele tem baixa adesão dos serviços de saúde. O cadastro da MP 557 é um instrumento para ampliar o acompanhamento das grávidas. Até hoje, nunca vi uma mulher recusar o cadastro. Até porque as mulheres que vão ao pré-natal já estão decididas a levar a gestação até o final.
A MP prevê a transferência de um auxílio para as gestantes se locomoverem até os serviços de pré-natal. Que garantias há de que o sigilo do nome das mulheres será preservado, uma vez que repasses de verbas públicas, por lei, são tornados públicos?
Garanto que não há risco de que se fira a confidencialidade em relação às mulheres atendidas. Por lei, temos que publicar o benefício para que a conta seja prestada, fiscalizada e avaliada por órgãos competentes. No entanto, não haverá o nome da mulher nessa prestação. Não será nominal. Será informados o valor total do repasse e o número total de mulheres beneficiárias. Para tanto, vamos publicar uma portaria em breve (clique aqui para ler a portaria) garantindo a confidencialidade dos dados. As mulheres serão preservadas. Não há risco.
A criação de um Comitê Gestor Nacional e das Comissões de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento, prevista na MP, não seria uma sobreposição de função em relação à Comissão Nacional de Morte Materna e aos Comitês Estaduais de Estudos da Mortalidade Materna?
Não, o que há é a agregação de mais um instrumento ao Comitê Nacional de Morte Materna. Não vejo divisão ou repartição de funções nesse caso. O que há são ferramentas com um propósito único, que é o enfrentamento da mortalidade materna. Para tanto, vamos chamar os movimentos feministas para que se juntem ao Comitê Gestor para cooperar no acompanhamento dos serviços de saúde.
Duas críticas que têm circulado apontam para o período de publicação da Medida Provisória – final de dezembro, época em que a atividade política em Brasília está em baixa – e para ausência de debate com os movimentos. Por que o governo escolheu esta data e não ouviu as feministas?
O governo ouviu sim os movimentos. A MP foi colocada em discussão no Comitê de Mobilização Social da Rede Cegonha. Integrantes de movimentos estiveram presentes. Houve, inclusive, elogios à iniciativa.
Após a discussão, a publicação no final de dezembro deveu-se ao próprio trâmite interno do governo. Não houve intuito de deixar de fora ninguém. Não houve segredo por parte do governo federal. O que houve foi uma construção consultiva.
Em meados do ano passado, o Brasil foi condenado pelo Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW/ONU) por causa de uma gestante que peregrinou com complicações por vários hospitais antes de morrer. A MP 557 tem relação com a recomendação do CEDAW de incrementar a qualidade da assistência médica às mulheres brasileiras?
Não necessariamente a MP 557 foi uma resposta ao CEDAW. O governo tem como desafio e meta melhorar a qualidade do serviço de saúde destinado às mulheres. Desde o início do governo da presidente Dilma Rousseff, portanto, antes da condenação pelo CEDAW, já tínhamos como propósito o combate aos índices de mortalidade materna. Tanto que a Rede Cegonha foi implementada e é uma política de atenção, prevenção e combate à morte de mulheres.
Deixar o aborto inseguro de fora de uma ação de governo que visa combater a mortalidade materna foi muito criticado pelos movimentos de mulheres. Até que ponto o governo tem interesse em tratar da questão do aborto clandestino, que é a 4ª causa de morta materna no Brasil?
Em dezembro, ocorreu o 16º Fórum Interprofissional sobre violência contra a mulher e implementação do aborto previsto na lei. No Fórum, houve uma grande discussão sobre a questão da gravidez indesejada e sobre o abortamento inseguro. Precisamos pensar na mulher que não quer levar ao final uma gravidez, é preciso que haja acolhimento, pois elas estão à margem do sistema de saúde e expostas a inúmeras inseguranças e precariedades.
O aborto no Brasil é uma questão de saúde pública. Em Salvador, por exemplo, é o primeiro motivo de mortes maternas. Após o Fórum, formou-se um subgrupo que vai se juntar à Rede Cegonha para tratar da questão da gravidez indesejada e do planejamento familiar. Nós vamos fomentar a discussão sobre o tema.
Já estamos ampliando os serviços de abortamento legal e investindo na capacitação profissional. Não estamos parados.
O governo tem priorizado sistematicamente a questão da maternidade. A MP 557 tem seu foco na gestante e na puérpera. O Brasil tem um largo histórico de defesa da saúde da mulher em sua integralidade. Com essa medida provisória, a senhora acredita que o Estado brasileiro cumpre o compromisso de olhar a saúde da mulher no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos?
Com certeza, a MP 557 tem como objetivo contemplar os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Isso significa que estamos buscando melhorar o atendimento no pré-natal, evitar a morte durante o parto, oferecer um acompanhamento puerperal qualificado. Estamos reiterando a importância que damos à saúde da mulher.
Infelizmente, ainda temos índices de mortalidade materna elevados. Temos metas a cumprir – como as metas do milênio da ONU. Portanto, a MP 557 trata de uma questão que, embora não diga respeito a todos os eventos da vida de uma mulher, tem como objetivo melhorar os serviços e atendimento daquelas que estão grávidas ou no período do puerpério. É um reforço em um aspecto. O governo, no entanto, permanece comprometido com a saúde da mulher em sua integralidade.