CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Mudanças na coordenação do CLAM

  Por Sabrina Lima[1]

No início de 2022, o CLAM passou por uma mudança de Coordenação Geral. Antes a cargo de Horacio Sívori, ficou agora aos cuidados de Claudia Mora. A gestão passa a ser compartilhada entre os integrantes do novo Comitê Executivo, composto pela atual coordenadora, pela professora Laura Lowenkron e pelo ex-coordenador geral, com o apoio técnico da pesquisadora e bolsista Proatec Maria Clara Gama e uma equipe de estagiáries de extensão. Nesta entrevista, os três docentes à frente da nova coordenação do CLAM  falam sobre essa mudança e suas expectativas para os próximos anos.

Como outros coordenadores e coordenadoras do CLAM, Horacio Sívori é antropólogo, doutor pelo Museu Nacional (UFRJ) e atua na pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ), sede do CLAM. Já pesquisou sobre sexualidade e política, movimentos sociais, ativismo e saberes eruditos na política da AIDS e ativismo jurídico LGBT. No contexto da atual virada conservadora anti-gênero, atualmente desenvolve um projeto de pesquisa e extensão sobre engajamento feminista e LGBT e violência online.

Claudia Mora é psicóloga, doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz e professora adjunta do Instituto de Medicina Social/UERJ, onde atua na linha de pesquisa “Gênero, sexualidade e saúde”. Tem experiência em pesquisas sobre prevenção das IST/Aids, sexualidade e direitos humanos e já orientou várias dissertações de mestrado com foco em violência e saúde sob um olhar interseccional. Claudia realiza atualmente um estudo sobre os simbolismos das peças de comunicação sobre as profilaxias pré e pós exposição ao HIV (PreP e PeP) e a circulação de informações preventivas entre gays, travestis e prostitutas.

Laura Lowenkron é antropóloga, doutora em Antropologia pelo Museu Nacional/UFRJ, com pós-doutorado pelo Núcleo de Estudos de Gênero PAGU/UNICAMP e professora adjunta do IMS/UERJ. Atua nos estudos de gênero e sexualidade e da Antropologia do Estado e tem experiência com etnografias de instituições e de documentos sobre violência sexual, infância/menoridade, pedofilia e tráfico de pessoas. Atualmente, é Jovem Cientista do Nosso Estado (FAPERJ) com um projeto sobre a gestão da (não) reabertura escolar e o cuidado de crianças durante a pandemia de COVID-19.

Começamos com algumas perguntas para Coordenador Geral cessante.

O que destacaria de mais interessante nesses anos de CLAM como coordenador?
 

Horacio – Em primeiro lugar, quero destacar o privilegio que significou e significa para mim trabalhar junto a colegas que tanto admiro, como Sérgio Carrara, Jane Russo e Malu Heilborn. Tem sido uma honra e um desafio estar à altura de poder servir a esse projeto, que eles iniciaram em 2002, quando já estavam coroando suas carreiras intelectuais.

No meu caso, entrei sem ainda ter completado meu doutorado e, nesse sentido, é muito o que o CLAM me deu. Em contrapartida, eu coordenei, de 2005 a 2014, a área mais “externa”, digamos, do projeto, ou seja, sua gestão “regional”, que no jargão do CLAM se referia às atividades junto a colegas latino-americanos não brasileiros, ou seja, “hispanohablantes” como eu.

Aquele trabalho se dividia entre a comunicação social e a formação de redes no campo dos saberes, das pesquisas, do ativismo e das políticas públicas em gênero e sexualidade junto a outras instituições e, no meu caso, em outros países.

Eu assumi a Coordenação Geral do CLAM quase imediatamente após me tornar professor da UERJ. Isto foi privilégio, pela continuidade e acumulação que significou a respeito das pesquisas que realizei no meu doutorado e pós-doutorado, e do investimento em política institucional que tinha realizado como Coordenador Regional do CLAM.

“O desafio de tornar o Centro mais sustentável significou um esforço de articulação com estruturas próprias da universidade.”

Para o CLAM foi também um período de transição, por vezes bastante sofrido. A implantação do Centro, com o apoio financeiro da Fundação Ford, tinha sido concluída e a gente enfrentava o desafio de sustentar as atividades a partir de outros recursos.

Foi o período durante o qual foram criados projetos originais e de impacto bastante alto: o GDE, Gênero e Diversidade na Escola, que através do Ensino à Distância e de uma extensa articulação entre o Governo Federal e universidades, formou milhares de professoras e professores pelo Brasil afora; e a revista eletrônica Sexualidad, Salud y Sociedad, de alcance regional, que rapidamente se posicionou como referência na temática tanto no Brasil quanto no resto da América Latina. O GDE posteriormente desdobrou-se no EGeS, a especialização em Gênero e Sexualidade do IMS/UERJ, semi-presencial, cuja quinta edição está atualmente em preparação. Por sua escala, essas iniciativas se desenvolveram com relativa autonomia na sua gestão.

Na retaguarda, isto significou um esforço de articulação do trabalho do Centro com estruturas próprias da universidade como, por exemplo, o sistema de extensão, que permite o treinamento de bolsistas de graduação por meio de estágios e também promover a visibilidade do CLAM dentro da própria comunidade acadêmica do IMS. Creio que essa missão foi cumprida. Hoje contamos com três bolsistas de extensão e de estágio interno complementar de áreas como psicologia, ciências sociais e jornalismo. Além de contribuir para as distintas atividades, trata-se um valioso treinamento para seu futuro profissional. Ao mesmo tempo, ao longo destes anos, estudantes de pós-graduação do IMS passaram a se envolver muito ativamente na organização de seminários sobre pautas como a luta pela despenalização do aborto, os diretos das profissionais do sexo ou a diversidade sexual no campo religioso, entre outras, que privilegiaram articulações tanto no campo acadêmico como da sociedade civil.

Quais os seus planos para agora dentro do CLAM já que essa foi apenas uma saída da coordenação, mas que seu trabalho lá ainda continua?

Horacio – Vou continuar colaborando com o projeto de comunicação social do CLAM e atualmente estou trabalhando junto a outros colegas também para  aprimorar essa área também no IMS. Aí nos acompanha um profissional formado na UERJ, Fábio Grotz, que se iniciou no CLAM como estagiário durante sua graduação em jornalismo. Este tipo de trânsito é prova da formação que brindamos.

Estou concluindo uma etapa da minha pesquisa sobre engajamento feminista e violência online e estamos desenvolvendo ferramentas interativas para a disseminação dos seus resultados no Brasil, isto através do site e das mídias sociais do CLAM. Também estamos organizando um dossiê sobre gênero e sexualidade nas tecnologias digitais para Sexualidad, Salud y Sociedad – Revista Latinoamericana, a revista do CLAM.

Quais suas expectativas para essa nova fase de trabalho da coordenação tendo em vista todo cenário político e, ainda, saindo da pandemia da Covid-19?

Horacio – Claudia e Laura já estão inovando, por exemplo, com a criação do Grupo de Estudos do CLAM, que é uma atividade periódica de discussão de leituras e dos trabalhos de pós-graduandes. Ela teve grande adesão e foi excelentemente avaliada, agora que finalizamos seu primeiro semestre.

Maria Clara Gama, socióloga e pesquisadora da área, que se uniu ao projeto graças a uma bolsa da UERJ, junto à equipe de estagiáries, estão tocando a produção de conteúdo para o site e a presença em mídias sociais com garra e carinho. Estou bastante animado com as perspectivas que se abrem.

As novas coordenadoras estão animadas para o que tem por vir. Claudia e Laura, respectivamente, responderam algumas perguntas.

À Claudia começamos perguntando qual tem sido seu trabalho no CLAM até aqui e por que aceitou o desafio de assumir a Coordenação Geral?

Claudia – Integro o conjunto de pesquisadoras e pesquisadores do CLAM desde 2015, ano que passei a integrar o corpo docente do IMS/UERJ. A partir de então venho contribuindo como editora executiva da revista Sexualidad, Salud y Sociedad, bem como na organização de eventos e na produção de conteúdo para o site. Além disso, tenho consolidado algumas parcerias com outras pesquisadoras que vem contribuindo para um olhar crítico acerca da resposta à Aids no Brasil. Agora, assumindo a Coordenação Geral, suspendi minhas atividades mais diretas na revista, pois esta incumbência significa uma continuidade e ampliação do olhar para o Centro. A coordenação exige um maior envolvimento nas atividades de comunicação, na formulação de novos projetos e no acompanhamento daqueles em curso. A articulação com outros centros ou redes com foco em gênero, sexualidade e feminismos somado ao olhar atento para as mudanças no terreno das políticas sexuais, dos direitos sexuais reprodutivos etc. no Brasil e na região também fazem parte das prioridades da Coordenação Geral.

O desafio de coordenar o CLAM também diz respeito a uma pactuação dada entre os pesquisadores e pesquisadoras que integramos o Centro de fazer uma gestão mais compartilhada da coordenação, visando contribuir para a sustentabilidade e institucionalização do Centro na UERJ. Além disso, trata-se de uma escolha que diz respeito a uma oportunidade de crescimento como pesquisadora e docente com compromisso extensionista.

Quais suas expectativas para essa nova fase de trabalho tendo em vista todo cenário político e, ainda, saindo da pandemia da Covid-19?

Claudia – Sabemos que é imperante o fortalecimento do campo de estudos de gênero, sexualidade e feminismos. Estamos em um momento adverso tanto para a academia quanto para o ativismo. Mas ao mesmo tempo temos uma massa crítica impressionante de centros e grupos que se aglutinam em torno desses conhecimentos e dessas formas de ação social. Esses são justamente os parceiros com os quais temos a chance de dialogar e de agir coletivamente. A RedeGen e a Rede Caleidoscópio são os exemplos mais concretos que temos disso recentemente, o CLAM participa ativamente em ambas redes. Além disso, precisamos estar atentos ao acirramento dos contextos e das forças que estão produzindo cada vez mais desigualdades sociais, incluindo as desigualdades baseadas no gênero, na raça, na classe, na etnia etc. Nosso plano é continuar investindo nessa abordagem interseccional.

“Construir um pensamento crítico é um grande investimento que também precisa estar no cerne dos nossos planos de trabalho, dos nossos cursos e demais oportunidades de formação”

O que você deseja para os próximos anos do CLAM?

Claudia – Primeiro, temos em vista o aniversário dos 20 anos do CLAM em 2023.  Temos pela frente o desafio de colher as pistas, documentos, depoimentos, tudo que diz respeito à história do Centro para reconstruirmos juntos uma narrativa sobre sua trajetória. Precisamos realizar um balanço das contribuições teóricas; da formação de redes de pesquisa; e dos subsídios criados para a formulação de políticas públicas do Centro. Tal exercício nos oferecerá elementos para pensar como podemos projetar o futuro a partir disso.


Em médio prazo temos o desafio de ampliar e ressignificar nossa rede latino-americana. Como é que estamos identificando os nossos pares nos países vizinhos? Sabemos de várias de suas disputas e processos, seja de construção políticas, de identidades, etc. e temos muito em comum. Já a longo prazo, o CLAM é e precisa continuar sendo um nicho de formação, um espaço de aprendizagem qualificado nos diferentes níveis, seja especialização, na formação permanente de profissionais e gestores das áreas de educação, saúde, justiça, etc. E também na formação a nível da pós-graduação em saúde coletiva e em psicologia, com a participação da professora Anna Uziel. Hoje no Brasil temos uma importante massa crítica de pesquisadores pesquisadoras na área de gênero, sexualidade e feminismos e essa capacidade de reproduzir, de formar, de construir um pensamento crítico é um grande investimento que também precisa estar no cerne dos nossos planos de trabalho, dos nossos cursos e demais oportunidades de formação.

Laura respondeu também qual tem sido seu trabalho no CLAM até aqui e por que aceitou o desafio de assumir a coordenação.

Laura  – Já vinha participando do CLAM principalmente a partir da organização de eventos e mais recentemente, tenho participado também da coordenação do projeto de comunicação do CLAM, através do planejamento e revisão da produção de conteúdos para o site, redes sociais e news letter, bem como seleção, supervisão e orientação da equipe.  Outra atividade nova que criamos é um seminário mensal de pesquisa, que visa intensificar as trocas acadêmicas entre diferentes docentes, pós-doutorandes e discentes do IMS-UERJ vinculados ao CLAM.  Aceitei o desafio de participar da coordenação por acreditar na importância de ao mesmo tempo renovar e dar continuidade ao CLAM, tendo em vista sua importância histórica enquanto centro de referência no Brasil e na América Latina para a formação e pesquisa em gênero e sexualidade nas ciências sociais e para as lutas políticas em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos no país.

“Estamos recriando nossas formas de resistência e re-existência”

Qual suas expectativas para essa nova fase de trabalho tendo em vista todo cenário político e, ainda, saindo da pandemia da Covid-19?

Laura – Apesar de estarmos atravessando um período de crises e retrocessos, que levou a uma maior escassez de recursos e fontes de financiamento, além de ataques ao nosso campo de atuação acadêmico e político, acho que temos também muitos motivos para nos sentirmos motivades. Estamos recriando nossas formas de resistência e re-existência, renovando e ampliando novamente nossa equipe, revisitando nossa memória institucional e repensando nosso projeto à luz dessa história, mas também das condições e desafios atuais.

O que você deseja para os próximos anos do CLAM?

Laura – Que tenhamos fôlego e recursos para dar continuidade ao nosso projeto institucional, fomentando a produção e a disseminação de conhecimento cientificamente reconhecido e politicamente engajado e comprometido com as lutas por direitos de minorias sexuais e étnico-raciais. Espero também que o aniversário de 20 anos do CLAM, no ano que vem, seja um momento não apenas de relembrar a nossa história, mas também para reaquecer e renovar as nossas redes nacionais e latino-americanas para refletir coletivamente sobre nosso projeto de futuro em condições políticas que esperamos que sejam novamente mais favoráveis do que a que nos encontramos hoje.

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[1] Graduada em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Realizou estágio no CLAM, através da bolsa EIC, entre 2020 e 2022.

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