Fundadora da revista Cahier du Grif, a filósofa e escritora feminista Françoise Collin acredita que as mulheres conquistaram princípios e leis gerais mas, como aponta nesta entrevista, a prática não acompanha esses princípios. “Legislar parece não ser suficiente para alterar a situação das mulheres”.
Quais são as conquistas que as mulheres ainda não puderam comemorar?
São muitas, e no entanto para mim é difícil responder. Porque, basicamente, é avançando que progressivamente descubro novas desigualdades. Em princípio, as mulheres podem aceder todas às profissões, todas as escolas, ao plano político etc. Ou seja, no plano do princípio, não há problemas, mas sim nos fatos. Na questão da política, por exemplo, nada impede mais as mulheres de tornar-se ministros. Mas na França continuam a ser minoritárias, apesar de não haver nenhum interdito legal. Existe inclusive uma lei que favorece a paridade, mas que é contornada permanentemente. O que falta para as mulheres não é no nível dos princípios, mas nas suas formas de aplicação, no plano concreto. O mesmo acontece no mercado: trabalho igual; salário igual. Evidentemente em princípio é assim, mas as mulheres ainda recebem de 20 a 25% de salário a menos. Todos os princípios e as leis gerais estão adquiridos, mas a prática não segue necessariamente esses princípios. Legislar parece não ser suficiente para alterar a situação das mulheres.
Como justifica a ausência das mulheres ao campo político?
Esquisito, muito esquisito. A França foi bastante adiantada sobre o acesso das mulheres à educação e ao ensino. A França está ligeiramente adiantada também na questão das infra-estruturas familiares para as creches. É uma coisa estranha que, no plano da representação pública, as mulheres continuem sendo pouco numerosas. Não tenho uma resposta clara sobre isso. Constato, por exemplo, que muitas das críticas sobre as mulheres políticas; na França, são feitas sobre a sua aparência física. É muito duro ser uma mulher política. Há numerosas mulheres ao Parlamento, mas no ministério ainda são pouco numerosas, ainda que se tenha no momento, num governo de direita, uma mulher que é ministra do Exército. Embora não seja particularmente militarista, me dá bastante prazer quando vejo lá, vestida com um pequeno tailleur, com os militares fazendo continência. Simbolicamente é muito interessante.
Quais foram as principais contribuições do feminismo à democracia?
Desde a Revolução Francesa, em 1789, até 1944, simplesmente vivíamos numa democracia que reconheceu como cidadão integralmente apenas 50% da sua população. É muito importante que o feminismo tenha feito aparecer 50% da população que não estava reconhecida como cidadãos, com todas as conseqüências que essa medida pode ter. Penso que realmente alargou-se a democracia.
A sra. acredita que o feminismo perdeu o sentido para as novas gerações?
Penso que há uma banalização dos objetivos feministas e que as pessoas começam a retransmiti-los como algo bastante normal. Penso também que há uma jovem geração que se compromete com o feminismo, não tanto no plano teórico, mas no plano das associações, de forma a gerar novas maneiras, embora sem renegar o passado, tentando mesmo assim manter o diálogo. Mas creio que é próprio dos fenômenos subversivos, que têm um momento explosivo, depois é ligeiramente posto em silêncio e em seguida passar por um renascimento. Sinto este renascimento, e sinto igualmente que o feminismo normaliza-se na opinião geral. Com os meus contemporâneos, encontro ainda uma indisposição mesmo entre os que gostam muito de mim, eles preferem não pensar que sou feminista, enquanto para homens mais jovens não há problema algum que eu seja feminista e ao mesmo tempo especialista de Maurice Blanchot. Eu não sou otimista por natureza mas penso que qualquer movimento social e político tem altos e baixos e toma formas diferentes. É provável que com os jovens o feminismo venha a tomar formas diferentes. Evidentemente há um pouco de esquecimento do nosso papel, do que nós fizemos. Mas penso que essa negação é normal também. Parece-me que há hoje um grande problema de transmissão, uma dificuldade para as mulheres de fazer filiação com as mães. Seria necessário refletir sobre essa dificuldade. Mas cada geração tem a sua necessidade de fazer rupturas. Apenas me pergunto se não há um problema próprio às mulheres, ainda não resolvido, de se pensar na filiação da mãe. Aceitamos a filiação paternal normalmente, ao passo que a filiação com a mãe não está totalmente resolvida.