CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Por uma agenda pró-ativa

Considerado o parlamentar representante da luta pela cidadania de gays, lésbicas, travestis e transexuais na atual legislatura da Câmara, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) tem como prioridade a luta pelo direito ao casamento civil por esta população, e não a defesa da criminalização da homofobia, ao contrário do movimento LGBT, que vê na punição do preconceito e da discriminação o caminho para a conquista da plena cidadania. Para o parlamentar, a criminalização da homofobia só acontecerá ao se alterar o Código Penal, colocando como crimes hediondos todos os crimes motivados por ódio, incluindo o ódio homofóbico ou racista. Já a luta pelo casamento civil, segundo Wyllys, constitui o que ele chama de uma agenda pró-ativa, que pode levar a uma eventual erradicação da homofobia, na medida em que a sociedade teria assim que aprender a conviver com novos arranjos familiares.

Na entrevista a seguir, o parlamentar expõe seus argumentos e avalia a correlação de forças na Câmara Federal brasileira.

Que perspectivas se abrem a partir da decisão do Supremo de reconhecer as uniões homoafetivas como uniões estáveis, equiparando-as às uniões heterossexuais?

O Supremo Tribunal Federal deu uma lição não apenas para o Congresso, mas para o próprio movimento LGBT. Penso que o movimento errou o foco da luta. A criminalização da homofobia é importante, mas não deveria ser a luta principal. A luta principal, que está ligada aos direitos inalienáveis à vida e à felicidade, é a luta pelo casamento civil. É esta conquista que vai combater a discriminação, na medida em que se desdobra em uma série de outros direitos. Por exemplo: com ela, muda-se o estatuto da família, que passa a contemplar os diferentes arranjos familiares das uniões de casais do mesmo sexo. Mesmo tendo aprovado somente a união estável, ao votar por unanimidade o Supremo mostrou que o caminho é lutar pelo direito de se unir a alguém afetiva e sexualmente, com um projeto de vida em comum. Isto é o que está ligado à felicidade humana: o direito de constituir uma família. O movimento agora tem que repensar as suas estratégias.

Criminalizar o preconceito, então, não deveria ser a principal bandeira do movimento?

A criminalização da homofobia é importante, mas ela toca num ponto polêmico, que é o da liberdade de expressão, por isso o projeto não avança. Quem se coloca contra o PLC 122 argumenta que uma lei desta natureza pode vir a cercear a liberdade de expressão. Sabemos que isto não é verdade, porém eles usam este argumento, que diz respeito a um direito que também nós queremos gozar. Já uma agenda de afirmação de direitos como a do casamento civil pode vir a ter um impacto tão grande na sociedade que a própria homofobia ficará minimizada. Se conquistarmos o direito ao casamento civil e à adoção, os filhos destas novas famílias terão obviamente que ir para a escola, e os seus pais terão que freqüentar as reuniões de pais e mestres. Assim, as pessoas terão que conviver com novos arranjos familiares e isto impactará enormemente as relações. E a própria homofobia vai se erradicando, de uma maneira muito mais pró-ativa do que reativa e negativa, como se dá com a criminalização. Por outro lado, podemos apresentar um projeto de lei que altere o Código Penal. O atual PL 122 altera apenas a lei anti-racismo. Alterar o Código Penal seria transformar em crime hediondo o crime motivado por ódio.

Este seria um caminho mais fácil do que aprovar o PLC 122?

Este seria um caminho mais fácil e eu estou elaborando um projeto de lei neste sentido, ou seja, uma alternativa ao PLC 122. A proposta é alterar o Código penal e modificar a noção de crime hediondo, que passaria a incluir também a incitação ao ódio. Isto, juntamente com o casamento civil e a adoção, formam o que eu chamo de uma agenda pró-ativa de direitos.

Mas em relação ao casamento, ainda há a idéia, principalmente entre os setores religiosos, que casamento é apenas para celebrar a união entre um homem e uma mulher. Este não seria um obstáculo para fazer aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do casamento civil, que o sr. pretende apresentar?

Não será fácil, uma vez que há nichos de resistência á cidadania LGBT no Congresso e, em especial, na Câmara dos Deputados, mas se a PEC for aprovada, o Código Civil também terá que ser alterado. O Estatuto da Família e o Estatuto da Criança e do Adolescente (o ECA) são legislações infraconstitucionais. Então, a PEC altera a Constituição e se a Constituição é modificada, as legislações infraconstitucionais mudam automaticamente.

Qual será o caminho da PEC?

A proposta já foi elaborada e estamos em fase de captação de assinaturas. Quando tivermos o número suficiente de assinaturas, ela entra em tramitação. A decisão do STF facilitou no sentido de criar um ambiente político mais favorável para apresentarmos a PEC. A partir do momento em que dez ministros da Suprema Corte reconheceram a união estável homoafetiva como entidade familiar no âmbito do Judiciário, a mente de muitos deputados foi iluminada. A decisão do STF também nos trouxe um conjunto de argumentos fundamentais para a apresentação da proposta.