CLAM – Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

Prevalência anticoncepcional

A demógrafa Suzana Cavenaghi, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE), que coordenou o trabalho de campo da nova PNDS, acredita que o maior avanço apresentado pela pesquisa em relação à saúde da mulher no Brasil é o aumento no percentual de mulheres casadas ou sexualmente ativas e não unidas que usam atualmente algum método anticoncepcional – 81%, acima da média mundial que é de 60%. “Praticamente todas as entrevistadas que regulam a fecundidade utilizam métodos anticoncepcionais modernos”, destaca ela na entrevista a seguir:

Que avanços ocorridos na saúde da mulher no Brasil – em relação à contracepção e suas preferências reprodutivas – constatados na pesquisa a sra. destacaria? Que interrogações pendentes a PNDS pode elucidar?

O percentual de mulheres casadas ou sexualmente ativas e não unidas que usam atualmente algum método é de 81%, acima da média mundial que é de 60%. Praticamente todas as entrevistadas que regulam a fecundidade utilizam métodos anticoncepcionais modernos: 29% das mulheres atualmente unidas estão esterilizadas, 21% utilizam pílulas, 12% recorrem à camisinha masculina, 5% têm o companheiro vasectomizado e apenas 3% usam métodos tradicionais. Esta distribuição dos métodos representa uma mudança significativa em relação à situação revelada pela PNDS 1996, quando a prevalência da esterilização feminina era de 40%, a esterilização masculina menos de 3%, o uso da camisinha masculina de apenas 4%, ou seja, os homens passam, de certa forma, a se responsabilizarem mais pela regulação da fecundidade. Assim, persiste no País a tendência de crescimento da prevalência anticoncepcional pela expansão do uso de métodos modernos, mas verifica-se uma mudança importante no mix dos mesmos, especialmente pela perda da importância da esterilização feminina. Resta saber se esta tendência vai continuar, pois observamos em alguns estados brasileiros que a vasectomia já supera em valores absolutos o número de laqueaduras realizadas tanto no SUS quanto na saúde suplementar. Espero que não troquemos simplesmente a laqueadura pela vasectomia, mas sim, que cada pessoa possa ter a informação e o acesso qualificados para utilizar o método mais adequado para sua idade e estilo de vida.

Na pesquisa de 2006, no grupo de 15 a 19 anos, 32,6% das mulheres entrevistadas afirmaram ter feito sexo aos 15 anos. As brasileiras estão fazendo sexo e tendo filhos cada vez mais novas?

Aqui temos três assuntos distintos e muito relacionados. A questão da redução da idade da primeira relação sexual e a maior proporção de mulheres que iniciam sua vida sexual mais cedo se deve às transformações sociais e culturais ocorridas no Brasil nas últimas décadas, especialmente após o processo de redemocratização e o fim do regime militar. Neste sentido, os jovens estão praticando livremente o seu direito à sexualidade. Já a questão de ter filhos cada vez mais novos, temos que relativizar. É certo que a idade mediana ao ter o 1º filho passou de 22,4 para 21,0 anos. Ou seja, 50% das mulheres já tinham tido seu primeiro filho antes dos 21 anos de idade. Outra questão é quando as meninas se tornam mães pela primeira vez. Os dados não confirmam com significância que as mulheres são cada vez mais jovens. Por exemplo, no passado, quando a expectativa de vida era bem menor, as mulheres constituíam famílias e tinham seus filhos muito mais novas que hoje em dia. A questão é que com todo o progresso, nos assusta que as meninas tão jovens já sejam mães, quando poderiam ter tantos outros projetos de vida antes de realizar a maternidade.

As mulheres estão cada vez mais conseguindo alcançar suas intenções reprodutivas?

Elas estão próximas do nível desejado, como mostrado pela pesquisa (1,8 filhos por mulher observado e 1,6 filhos desejados). No entanto, estamos longe de cumprir com a intenção do calendário, momento da vida ao ter estes filhos.

A pesquisa também mostra que a região Nordeste parece subverter a ordem a que estamos acostumados (região que normalmente apresenta taxas de fecundidade mais alta e mulheres com mais filhos que em outras regiões). Que dados a pesquisa traz que reforçam essa novidade?

De 1960 a 1980 as taxas de fecundidade das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste caíram de forma mais rápida do que as taxas das regiões Norte e Nordeste, provocando um aumento dos diferenciais regionais. Contudo, os dados do censo demográfico de 1991 e de 2000, mostraram que o declínio da fecundidade no Nordeste se acelerou, diminuindo os diferenciais regionais. O processo de redução dos diferencias de fecundidade em nível regional apontado na PNDS-2006 é assunto que deve ser melhor estudado. Por exemplo, sabemos que no Norte e Nordeste, a prevalência de laqueadura é maior que a média nacional.

O Brasil já está com taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição (até mesmo no Nordeste). Quais as possíveis conseqüências disto?

Uma conseqüência do processo de transição da fecundidade é a transformação na estrutura etária da população, com o estreitamento da base da pirâmide e o alargamento do meio, em um primeiro momento, e um alargamento do topo da pirâmide, em um momento posterior. As relações entre os grupos de crianças, adultos e idosos se modifica bastante com a transformação da pirâmide. Este processo chamado de envelhecimento populacional tem várias implicações para a economia, a sociedade e as políticas públicas. A fecundidade abaixo do nível de reposição acelera o processo de envelhecimento populacional, reduz o ritmo de crescimento demográfico e antecipa o momento em que a população brasileira vai começar a diminuir em termos absolutos. No entanto, a diminuição em valores absolutos da população brasileira ainda levará algumas décadas para ocorrer. Até lá, precisamos planejar as ações e políticas públicas que terão que lidar com um menor número de jovens, grande quantidade de adultos e uma crescente população de idosos que, além do mais, sobrevivem por muito mais tempo que no passado.

Que subsídios a PNDS trará para a demografia e a saúde no Brasil? Qual a importância da pesquisa nesse sentido?

Esta pesquisa é a única que informa sobre a prevalência contraceptiva no Brasil. Além do mais, informa sobre várias outras questões importantes sobre atenção pré-natal, pós-natal e saúde e nutrição das crianças e das mulheres. Adicionalmente, disponibiliza muitas informações sócio-econômicas e outras variáveis intermediárias relacionadas com a saúde das mulheres e crianças, que permitem fazer estudos mais detalhados sobre as relações que se dão nesta área. Permitindo, além do mais, comparações internacionais com as outras pesquisas realizadas neste mesmo formato. Somente estes motivos dão a real dimensão da importância desta pesquisa e de sua relevância para o planejamento das políticas de saúde no Brasil. O que devemos é diminuir o tempo entre as pesquisas, pois dez anos pode ser muito para mudarmos rumos e buscarmos ações mais eficazes e eficientes.

A PNDS mostra que os recursos para o planejamento familiar têm declinado ao longo dos últimos anos. Este é o nosso maior entrave? O que isso pode gerar?

Acredito que o nosso maior entreve não é o valor gasto com o planejamento familiar, que varia de governo para governo, mas principalmente a logística de distribuição. Além do tamanho continental do país e das diferenças regionais, as relações entre governo federal, estado e municípios na provisão de métodos contraceptivos mudam regularmente, sem se ter chegado ainda a uma fórmula adequada. Atualmente, o governo Federal se responsabiliza por 100% dos gastos com contraceptivos (sem repasses a estados e municípios), portanto responsável pela compra de todos os métodos e da sua distribuição até as secretarias municipais. A primeira barreira é conseguir comprar estes contraceptivos no esquema atual de licitação. A segunda barreira é fazer com que os municípios consigam distribuir estes métodos sem utilização de interesses políticos, ainda mais em anos de eleições municipais. Somente para dar um exemplo, em 2005 o Governo lançou a Política Nacional de Direitos Sexuais e Reprodutivos, onde se comprometia a comprar e distribuir 100% dos métodos. A primeira compra somente conseguiu se concretizar em dezembro de 2007 e os métodos começaram a ser distribuídos no início de 2008. Os resultados da PNDS-2006 com relação à provisão dos métodos contraceptivos reflete bem esta situação. Os métodos hormonais e camisinha são em sua grande maioria, mais de 70%, adquiridos nas farmácias da rede particular. A laqueadura é que tem a maior oferta feita pelo SUS (??%). A vasectomia, apesar de ser ofertada pelo SUS, a rede particular ainda é responsável pela maior provisão (44% das vasectomias realizadas em?? foram por este meio). Assim, as pessoas mais necessitadas continuam a ter que gastar com métodos contraceptivos comprados via mercado e os métodos mais oferecidos pelo SUS são os cirúrgicos. Isto pode gerar novo desequilíbrio no leque de métodos utilizados, mas o que mais me preocupa é que o uso de métodos não permanentes adquiridos via mercado está mais sujeito a usos intermitentes e possíveis falhas. Como os dados da pesquisa mostram, ao redor de 54% dos nascimentos ocorridos após janeiro de 2001, não foram planejados para aquele momento e 18% não foram sequer desejados. Apesar do número de filhos observados na média estar próximo da média do número desejado, o momento da ocorrência do nascimento mostra problemas sérios de cumprimento dos direitos reprodutivos. Grande parte deste nivelamento da média entre número desejado e observado se deve à prática do aborto. Este sim, outro assunto que ainda temos que discutir muito e deve ser assunto para outro momento.