O reconhecimento legal dos direitos das pessoas LGBT na Colômbia tem alcançado importantes avanços, a maioria deles por via judicial. A Corte Constitucional determinou que os casais do mesmo sexo podem constituir família e gozar dos mesmos direitos patrimoniais que os casais heterossexuais. Diante da negativa do Congresso em legislar sobre as uniões do mesmo sexo, autorizou a tais casais que formalizassem sua união mediante vínculo contratual, argumentando haver um déficit de direitos. O tribunal já havia reconhecido o direito das pessoas trans a mudar de nome, a proteção das pessoas homossexuais nas Forças Armadas, o direito a pessoas LGBT de receberem visitas conjugais no sistema prisional. A Corte também instou o Ministério da Saúde e outras autoridades a revisar os protocolos para a doação de sangue ao considerar que os critérios de seleção de doadores baseados na orientação sexual eram discriminatórios. No entanto, a despeito desses ganhos, a violência contra esta população não parece diminuir, e em algumas regiões do país as agressões motivadas por preconceito sexual têm aumentado. Diante desta situação, vale a pena perguntar até que ponto o reconhecimento das pessoas LGBT como sujeitos de direitos tem se materializado na vida cotidiana.
No final de junho, a organização Colombia Diversa apresentou o relatório Cuando el prejuicio mata. Informe de derechos humanos de lesbianas, gay, bisexuales y personas trans en Colombia 2012. O documento assinala que esse ano foram registrados 105 crimes contra pessoas LGBT naquele país, entre os quais 87 homicídios: 33 de homens gays, 14 de pessoas trans, 39 homicídios de pessoas sem determinar orientação sexual ou identidade de gênero e um de uma mulher lésbica. A fim de evitar tanto a banalização das mortes como a presunção de que todas constituem crimes de ódio, na elaboração do relatório a organização refinou as categorias e métodos de análise, objetivando determinar quais crimes foram cometidos por preconceito, quais não foram motivados por ele e em que casos é difícil estabelecer a motivação a partir da informação disponível. Como resultado, chegou à conclusão de que mais de 20% foram por preconceito, o que equivale a pelo menos 2 pessoas LGBT assassinadas por mês por este motivo. Também foram reportados 28 casos de violência policial, apesar de medidas implementadas pela Polícia no sentido de dirimir a violência contra LGBT e aumentar o diálogo deste segmento com a instituição.
A violência policial representa outra das graves ameaças aos direitos das pessoas LGBT. Segundo o relatório, em algumas cidades esta constitui quase a metade das vulnerabilidades contra esta população. No entanto, este índice pode ser maior, quando se leva em conta o alto sub-registro de casos, fruto do acobertamento destes por parte da própria instituição, a retirada de denúncias por parte das vítimas após serem ameaçadas por policiais, o medo de retaliações e a inexistência de sistemas de informação confiáveis que registrem este tipo de violação. As denúncias refletem uma ampla gama de condutas como violência física, hostilidades, insultos, prisões arbitrárias, maus-tratos, procedimentos policiais indevidos, entre outros. A maioria dessas agressões não está relacionada com o exercício da função policial, explica o relatório, por que constituem delitos que devem ser processados pela justiça comum. No entanto, estes foram processados internamente pela instituição como faltas disciplinares, o que contribui ainda mais para o seu ocultamento.
Em entrevista ao CLAM, Mauricio Albarracín Caballero, diretor executivo da organização Colombia Diversa, analisa os resultados mais importantes do relatório, fala do modo como o Estado administra os crimes contra pessoas LGBT e aporta elementos ao debate em torno da demanda de movimentos sociais por criminalizar a discriminação como ferramenta de luta contra a homofobia.
Em algumas regiões da Colômbia a violência policial se destaca como uma das principais ameaças às pessoas LGBT, apesar das medidas implementadas por esta instituição para reverter esta situação e melhorar o diálogo com o segmento. Como interpreta esta situação?
A violência policial continua sendo um grave problema. Mesmo tendo mudado as formas com que ela se expressa, ela ainda persiste. As detenções arbitrárias diminuíram, mas as agressões físicas e verbais têm aumentado. Sabemos que a Polícia implementou medidas, como a Diretiva sobre Garantias e Respeito aos Direitos da Comunidade LGBT, e tem buscado gerar canais de diálogo com o segmento LGBT. Mas o organismo policial não toma esta problemática como um assunto prioritário. A instituição deveria reportar os casos de violência policial e punir exemplarmente os policiais que a praticam, mas não o faz. A Diretiva não se cumpre, não existem mecanismos de acompanhamento, relatórios públicos de sua implementação ou prestação de contas. Pelo contrário, muitas vezes se busca encobrir a violência para não afetar negativamente os resultados operativos da instituição. Os avanços em termos de violência policial deveriam se ver refletidos não no aumento de capacitações ou oficinas, que são ganhos que a Polícia reporta, mas em indicadores como a diminuição dos casos de violência.
O problema da violência policial se relaciona também com o lugar socialmente reservado às pessoas LGBT, como indivíduos indesejáveis. Um policial pode ter formação em direitos humanos e inclusive conhecer e dialogar com lideranças LGBT, mas se a comunidade em que trabalha lhe exige que tome medidas contra essas pessoas, seu trabalho se torna difícil.
Por outro lado, o movimento social não tem abordado este tema suficientemente. São poucas as organizações no país que trabalham com o tema da violência policial, entre elas a Corporación Caribe Afirmativo, na Costa Atlântica, e Santamaría Fundación, em Cali. Em Bogotá registramos somente um caso de violência policial, mas não creio que seja o único. Esta subnotificação se deve, em boa medida, ao fato que a Polícia não reporta adequadamente estes casos, mas também ao trabalho de denúncia feito pelas organizações. É preciso questionar qual o tipo de demandas que devemos fazer à Polícia. Na nossa organização estamos trabalhando para melhorar a identificação de casos.
Vocês defendem que, para garantir o direito das vítimas à justiça e à reparação, deve-se estabelecer se os crimes foram motivados ou não pelo preconceito. Neste sentido, como avalia o modo como a Polícia e a Justiça enquadram as denúncias de crimes contra pessoas LGBT?
Quando uma pessoa LGBT é vítima de homicídio, enfrentamos um dilema. Nós, ativistas, tendemos a afirmar que se tratou de um crime de ódio. As autoridades tendem a assinalar três causas: crime passional (que é a visão mais preconceituosa); crime comum (na Colômbia, habituou-se a afirmar que este tipo de homicídios responde a um ‘ajuste de contas’); ou que foi por microtráfico de drogas. Estas são formas de dizer que “não investigaremos este crime”. As autoridades quase nunca colocam o preconceito como primeira hipótese de investigação.
Com relação à resposta comum dos ativistas, no Colombia Diversa não gostamos da explicação de crime de ódio, porque denota uma atitude emocional e pessoal de alguém contra outra pessoa, que se expressa em um ato violento. A discriminação não é um problema individual ou emocional, mas sim de preconceito social. Na Colômbia não temos um psicopata assassinando lésbicas, gays, bissexuais ou pessoas trans, mas sim uma sociedade com preconceito em relação à orientação sexual e à identidade de gênero, que no caso de alguns indivíduos se expressa através de homicídios.
No relatório, assinalamos que, para detectar probatoriamente a violência por preconceito, é necessário formular perguntas relacionadas com o tipo de violência exercida (a agressão excede o propósito homicida?); contra quem ocorre o crime (se é um ativista defensor dos direitos humanos, por exemplo, deveria suscitar dúvidas a respeito das motivações do homicídio); que partes do corpo foram atacadas (muitas vezes se trata de partes relacionadas à construção da identidade, como o rosto e os seios, no caso das mulheres trans); entre outras. Para entender como opera esta violência na prática, devemos nos perguntar quais agressões são por preconceito, quais não são e em que casos não se pode determinar a motivação.
É certo que a informação que contamos para elaborar os relatórios de direitos humanos é precária, porque não somos uma autoridade judicial. Mas a partir da informação disponível deduzimos que, dos 87 homicídios cometidos em 2012 contra pessoas LGBT, provavelmente (porque não podemos assegurar) 20 foram por preconceito, 40 não foram e 27 não se pode estabelecer. No caso destes 27, o Estado tem a obrigação de assinalar qual foi a causa e levar a cabo uma investigação judicial e emitir uma sentença penal. Conhecer a causa é muito importante para identificar os problemas que o Estado deve atender. Este tipo de análise nos permite escapar da armadilha de reduzir estas violências a crimes de ódio, ainda que saibamos que em países que têm altos níveis de violência como a Colômbia, pode ser difícil estabelecer esta diferença.
A figura do crime de ódio é própria dos Estados Unidos. Esse país tem uma história de discriminação, segregação e ódio muito particular e por isso construíram essa figura. Nós tratamos de entender a violência contra pessoas LGBT tendo em conta o contexto no qual ela é produzida.
Em alguns países, o movimento LGBT tem demandado a tipificação da homofobia como delito. O que acha deste tipo de medida?
O Colombia Diversa não é uma organização entusiasta da criminalização. Na Colômbia existe desde o ano 2000 um agravante geral para os delitos em função da orientação sexual e contamos também com o tipo penal de ‘discriminação’. Em nosso trabalho em prisões, consideramos que o aumento de penas e a criação de delitos são assuntos problemáticos. Nossa fé não está depositada no direito penal, nem vamos ao Congresso defender a criminalização.
Pessoalmente, considero que a criação de tantos crimes tem resultados perversos na sociedade. O direito penal parte da existência de um autor-indivíduo que, neste caso, seria quem comete um ato discriminatório. Deste modo, reforça-se a ideia de que a discriminação responde a uma atitude individual. A isto se soma a dificuldade de provar que tal pessoa agiu de má fé. Até agora, nenhuma pessoa foi condenada por esse delito na Colômbia. Então, para que serviu a criação deste delito? Por que o governo não implementa políticas gerais contra a discriminação que, sim, poderiam transformar esta problemática? Por outro lado, se uma pessoa é absolvida em um caso por discriminação por que o juiz não possui os elementos suficientes do direito penal para condená-la, ela sempre pode mostrar o veredicto que a absolveu como um trunfo.
Em vez de penalizar a discriminação, penso ser necessário elaborar uma lei integral pela igualdade e a não discriminação. Nos casos de discriminação que chegam ao Colombia Diversa, privilegiamos outras medidas como a ação de tutela frente à denúncia penal porque a primeira é mais integral, mais rápida, permite obter reparações coletivas e análises judiciais mais complexas enriquecidas pelas ciências sociais. O trâmite através do direito penal se converte em uma disputa entre um advogado de defesa e a Promotoria, de onde se parte da presunção de inocência do acusado e de onde é altamente provável que o discriminador se saia bem.
Além disso, a via penal traz outra série de problemas. Incriminar penalmente uma pessoa pelo que pensa e diz – exceto em casos de apologia ao genocídio – me parece difícil. Este tipo de normas poderia ser usado contra nós quando fazemos críticas radicais à Igreja Católica, a um partido político ou a uma ideologia em particular. Este caminho pode nos aproximar da direita mais conservadora e atrasada, que advoga pela criação de mais crimes, mais prisões, mais força pública. A discriminação é um fenômeno muito complexo que não se soluciona colocando alguém na prisão.